EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

domingo, 22 de maio de 2011

EM CASA DE FERREIRO...



Algumas ideias, quando revivem, ressuscitam com força superior à original. Por exemplo: “O Brasil não é um país sério”. Atribuída ao general De Gaulle nos anos 1960 (na “guerra da lagosta” com a França), a frase reaparece agora como moldura de uma tola e absurda polêmica – o tal livro didático do Ministério da Educação que aceita e convalida dizer e escrever “nós pega o peixe” e “as criança não pesca peixe”, ou tudo o mais que siga esse ritmo.

Em nome da “dinâmica do idioma” e da “desenvoltura da linguagem”, a autora do livro e seus padrinhos na cúpula ministerial tacham de “preconceito linguístico” usar o verbo no plural, como se faz desde os anos 1500, quando “os clássicos” deram forma ao idioma.

Esse murro na concordância verbal e na sintaxe mostra a visão atual da educação e o sentido que se dá ao ensino. Não se trata de um achado pedagógico que dê dignidade aos iletrados como pessoas. Ao contrário, é um achincalhe que lhes nega o acesso à construção e tessitura do idioma.

Por acaso, educar e ensinar não é propiciar, a quem não sabe, os meios e as condições para vir a saber? Se assim não for, fechem-se as escolas.

Poucas coisas são mais enfadonhas e perniciosas que a “gramatiquice”, a mania de alguns “gramáticos” de entenderem a linguagem como cadáver a dissecar, como se as regras surgissem antes do idioma e do modo de expressar-se. (De fato, as “regras” só interpretam o que “os clássicos” escreveram.) Mais terríveis, porém, são os novíssimos intérpretes do idioma, que pregam a anarquia e falam de “preconceito linguístico”, confundindo alhos com bugalhos. Preconceituoso é discriminar ou criticar alguém por dizer “nós gosta de ler livro”. Mas será preconceituoso sugerir que escreva “nós gostamos de ler livros”??

Quando se perdem os pontos cardeais da linguagem, não se perde só o idioma. Extraviam-se a identidade e a identificação em si de cada um de nós.

Ironia maior nisto tudo é o título do tal livro didático, Por uma Vida Melhor, da coleção Viver e Aprender. Já pensaram se o Ministério da Educação mandasse escrever e publicar os livros universitários? Os estudantes de Medicina correriam o risco de aprender que, em ferimento com sangue, o emplastro quente de bosta seca de vaca é o tratamento adequado, como nas estâncias, antigamente.

O livreco ignora tanto do idioma, que confunde prosódia com formas de escrever. Por sorte, ignorou o linguajar gaúcho, que come o “s” do plural e é comum ouvir: “Os boi estão na frente dos carro”. Pronuncia-se levemente a sílaba átona, com o “s” inaudível. Mas isto é prosódia, forma de pronunciar, não concordância verbal.

(Escrevi “sílaba átona”, não “átoma”, que os autores do MEC podem tomar como feminino de “átomo” e crer que falo de Fukushima, onde o perigo é maior, pois contaminou todo os peixe e não sobrou nem uns. Que tal? Já posso escrever livro didático?)

O pedantismo sabichão, para destacar-se, abusa do exótico e inusitado. “Não somos o Ministério da Verdade”, exclamou aos jornais um assessor do ministro, falando em seu nome.

O ministro Fernando Haddad é educado e gentil. Anos atrás, comparei-o ao Dunga (correto mas inexperiente como treinador da Seleção) e ele me telefonou e se dispôs a dialogar. Mas continua noviço e tudo lhe soa como novidade. E, já que “haddad” significa “ferreiro” em árabe, nada melhor do que aplicar o velho adágio popular: em casa de ferreiro, espeto de pau.

FLAVIO TAVARES, JORNALISTA E ESCRITOR - ZERO HORA 22/05/2011

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