EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

domingo, 29 de setembro de 2013

O MAIOR PROBLEMA DA EDUCAÇÃO DO BRASIL

REVISTA ISTO É N° Edição: 2289 | 27.Set.13

Metade dos jovens entre 15 e 17 anos não está matriculada no ensino médio. Pesquisa inédita mostra que a proporção dos que abandonaram a escola nessa etapa saltou de 7,2% para 16,2% em 12 anos

João Loes




Não é sempre que apenas uma estatística basta para dar um bom panorama da realidade. O mais comum é que seja preciso esmiuçar diversos números e informações para realmente compreender o que está em jogo. Quem se debruça sobre o ensino médio brasileiro, porém, se depara com uma única estatística que parece sintetizar, de forma clara, a desastrosa situação desta etapa da educação: a taxa de evasão escolar. Uma nova pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), com base em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, revela que apenas metade dos jovens com idade entre 15 anos e 17 anos está matriculada no ensino médio. Pior: entre 1999 e 2011, a taxa de evasão nesta faixa mais que dobrou, saltando de 7,2% para 16,2%. Ainda que o número absoluto de alunos venha aumentando, segundo o Ministério da Educação, dados de evasão como esses criam um senso de urgência que se sobrepõe a tudo. “Chama a atenção a dificuldade de enfrentamento da crise do ensino médio”, resume o estudo. “A despeito das reformas, os resultados das avaliações nacionais continuam surpreendendo negativamente os responsáveis pela condução da política educacional brasileira”, conclui.


ARREPENDIMENTO
A evasão é grande, mas a maioria pensa em voltar à escola

A evasão, nesse contexto, é menos causa que consequência dessa crise. Ela é a parte visível de um conjunto de problemas conhecidos há décadas, mas sobre os quais nenhum governo tem feito o suficiente. “A crise é inquestionável e não podemos mais adiar o enfrentamento de um problema tão grave”, diz Maria de Salete Silva, coordenadora do programa de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância, no Brasil (Unicef). “O ensino médio é o maior desafio da educação do País.” Currículo inchado, com disciplinas demais para tempo de menos, ausência de um programa de ensino técnico integrado a essa etapa escolar, baixa remuneração dos professores e, fundamentalmente, inadequação do ensino médio à vida, às expectativas e às necessidades dos jovens compõem o retrato das dificuldades. “Esperar cinco anos para agir é condenar uma geração que hoje tem entre 15 e 17 anos a não ter perspectivas de futuro”, resume Maria Salete.

O paulistano Mateus Oliveira, hoje com 19 anos, sabe bem quanto abrir mão da educação nessa fase crucial limita as perspectivas de futuro. Quando tinha 17 anos e cursava pela segunda vez o primeiro ano do ensino médio, ele resolveu largar a escola para tentar a carreira de jogador de futebol. “Era um sonho que já tinha me custado a sétima série, que também repeti”, diz. Confiante no talento com a bola, ele insistiu, mas menos de um ano depois percebeu que o caminho não renderia frutos. Com 18 anos e sem o ensino médio concluído, matriculou-se no programa de educação de jovens e adultos, onde um ano de ensino pode ser cumprido em seis meses, e rumou para a carreira militar. Atrasado, finalmente conseguiu concluir o ensino médio esse ano, mas viu e ainda vê oportunidades lhe escaparem por causa da formação atrasada. “Já era para eu ter concluído o curso técnico que acabei de começar, em informática”, diz. Com a capacitação, ele poderia estar ganhando mais no Exército – onde ainda recebe um salário de base, além de não ter segurança de carreira – ou trabalhando como técnico em informática em uma empresa da área. “Me arrependo das decisões que tomei”, diz.


SONHO FRUSTRADO
Mateus Oliveira, 21 anos, abandonou o ensino médio aos 17 anos
para tentar ser jogador de futebol. Não deu certo e agora ele
quer se tornar técnico em informática

Tratar o caso de Oliveira como o de um garoto perdido que simplesmente preferia jogar bola a estudar é, além de reforçar preconceitos, desperdiçar uma grande oportunidade de entender de onde vem o gigantesco desinteresse do jovem pela escola. Afinal, Oliveira não deixou o estudo só porque o futebol o atraía, mas também porque o colégio não parecia relevante o suficiente para ele. E não são poucas as razões que fazem da escola algo sem importância aos alunos, como mostra a pesquisa do Seade.

O currículo é um dos maiores problemas. Reformado em 1998 e 2012, mas ainda inchado por 13 disciplinas obrigatórias, além de cinco complementares a serem ministradas em conjunto com as demais, ele tem sido considerado excessivamente extenso para os três anos de ensino médio. Recentemente, ganhou força a ideia de dividir as disciplinas em grandes áreas de interesse. Trata-se de uma contribuição vinda do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que surgiu com a única função de avaliar essa etapa educacional, mas que hoje acumula a tarefa de selecionar alunos para universidades federais do País. A proposta é reunir, como acontece no Enem, biologia, física e química sob o guarda-chuva das ciências da natureza; história, geografia, filosofia e sociologia, sob ciências humanas, e assim por diante. “Mas o projeto é de difícil implantação, exige forte interdisciplinariedade, o que não se faz de uma hora para outra”, diz Luis Márcio Barbosa, diretor-geral do Colégio Equipe, em São Paulo.


PROVEDOR
Hudson Silva, 22 anos, saiu da escola para poder trabalhar e ajudar em casa

Além das questões práticas, como o volume de disciplinas e o tempo disponível para cumpri-las, uma preocupação mais subjetiva com o currículo, mas não menos importante, tem ganhado cada vez mais espaço. Trata-se da distância abissal entre o conteúdo das disciplinas apresentado aos jovens e a realidade da vida que eles levam. “A escola continua muito tradicional, engessada diante da vida mutante do adolescente contemporâneo”, afirma o educador Barbosa. A chamada “integração do currículo às tecnologias educacionais”, meta no relatório do Seade, é um dos maiores gargalos. Hoje, segundo pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), 84,4% dos brasileiros com idade entre 15 e 19 anos usam a internet para estudar. Outros 25,9% recorrem a tablets e celulares. ­Enquanto isso, poucas escolas no País fazem uma integração real de conteúdo e tecnologia, embora 73,8% delas já contem com computador e internet. Este descompasso entre expectativas dos alunos e entrega da escola é forte gerador de desinteresse, mas não é o único.

A ausência de uma articulação mais eficiente entre ensino profissional e ensino médio também é tida como uma das razões para a evasão nesta fase. Reconhecer que nem todos, ao completar 18 anos, vão rumar para a universidade e oferecer a alternativa do aprendizado técnico durante o ensino médio pode ser um caminho para manter alunos na escola. Se essa opção estivesse disponível para o paulistano Hudson Laton da Silva, hoje com 21 anos, ele provavelmente teria terminado a educação básica. Morador da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, Silva saiu do colégio para se dedicar integralmente ao trabalho quando cursava o primeiro ano do ensino médio. “Tinha que ajudar em casa”, conta. Ele trabalha como mecânico e, se um curso técnico nessa área tivesse sido oferecido na escola onde ele estudava, o jovem teria uma razão a mais para continuar frequentando a instituição. Hoje ele corre atrás do prejuízo. Mesmo empregado – ele é funcionário de uma grande concessionária na capital paulista –, Silva pretende fazer um supletivo e finalmente terminar o ensino médio. “Vou ser sincero: vontade de voltar a estudar eu não tenho, mas sei que é importante, então quero fazer o supletivo”, diz.



Boa parte dos que deixam de estudar pensa como ele e fala em retornar. Segundo dados da pesquisa do Cebrap, 61,8% dos jovens que abandonaram a escola nessa fase querem voltar para concluir o ensino médio, independentemente da razão que motivou a evasão. “Algumas decisões são tomadas de maneira impulsiva porque o adolescente já tem alguma autonomia, mas tem dificuldade para pensar a longo prazo”, diz Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá, para quem, na adolescência, tudo é mais interessante que estudar. “Mas eles pensam no que fazem, refletem e costumam se arrepender quando veem que fizeram besteira.” Cabe à escola e aos pais dar subsídios ao aluno para que ele consiga administrar os impulsos da idade. Nem sempre, porém, é possível. A paranaense Andreia Tawlak, hoje com 21 anos, conhece, como poucos, as consequências da entrega às paixões adolescentes.



Dona de um histórico escolar conturbado – ela havia repetido a sétima série e cursava pela segunda vez o primeiro ano do ensino médio –, Andreia surpreendeu a todos quando, aos 17 anos, anunciou que estava de mudança para Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Apaixonada pelo primeiro namorado, de 23 anos, ela diz ter sido convencida por ele a largar tudo e acompanhá-lo. “Foi coisa de idiota”, admite, hoje. O relacionamento durou um ano e meio, Andreia teve de retornar para Foz do Iguaçu, onde morava, e hoje está às voltas com um supletivo que não consegue terminar enquanto sonha com cursos de design e um emprego na área. “Os amigos do tempo de escola que continuaram estudando estão todos trabalhando. E eu? O que estou fazendo?”, questiona.

Embora muitos especialistas defendam que, mesmo em casos como o de Andreia, a escola tem responsabilidade por não ter mostrado à aluna a importância de permanecer em sala de aula, há visões contrárias a esta tese. A diretora do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP), Silvia Barbara, afirma que “jovens adultos” com seus 16, 17 anos devem assumir suas obrigações. “Nas análises dos problemas na educação, a escola e os professores são sempre os mais criticados e pouca ou nenhuma responsabilidade é legada ao adolescente e à família”, diz. Silvia diz ainda que a cruzada em favor de uma escola que privilegie ser agradável aos alunos antes de se preocupar em passar a eles o conhecimento acumulado da humanidade pode ter efeitos nocivos. “Vivemos em uma sociedade que valoriza demais o prazer e criminaliza demais o trabalho. E estudar sempre dará trabalho”, afirma.


FASE
Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá:
"Na adolescência, tudo é mais interessante que estudar", diz ela

Quando um jovem abandona a escola, perdem todos. A exclusão pela educação cria um abismo social e inibe o surgimento de um cidadão com uma participação social mais efetiva. Perde também o Brasil. “O País deixa de ter um profissional de nível médio com formação geral e um potencial profissional de nível técnico pós-médio ou de nível superior, com formação específica”, alerta Priscilla Tavares, professora e pesquisadora da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo. “As consequências do abandono no ensino são severas para o crescimento econômico.” Já passou da hora de enfrentarmos esse desafio.







MENOS ALUNOS, MAIS GESTÃO

ZERO HORA  29 de setembro de 2013 | N° 17568

EDITORIAL INTERATIVO


A educação básica brasileira não precisa ficar à espera dos recursos dos royalties do pré-sal para, com reforço das dotações orçamentárias, superar deficiências injustificáveis. O país conta com estudos produzidos dentro e fora do ambiente escolar que apontam para as melhorias possíveis, e todas passam pelo investimento em gestão. Estudiosos dispõem agora de mais um dado como subsídio para a formulação de políticas públicas, representado pela redução constante do número de matrículas no ensino básico. Em dois anos, até 2012, a queda foi de 5,5% e pode chegar a 6,5% em 2013. Mudanças demográficas, efeitos da progressão automática e outras causas ainda sob análise explicam um fenômeno que pode contribuir, se acompanhado de racionalidade administrativa, para que a educação ganhe em qualidade.

Há consenso de que, além do acesso, a escola brasileira precisa assegurar aprendizado efetivo. Mas os ensinos Fundamental e Médio estão longe de acompanhar a evolução da educação de terceiro grau. A desculpa de que faltam recursos consumiu-se na própria repetição como explicação para tanto atraso. Um estudo de técnicos do Tesouro Nacional, divulgado neste ano, estima que pelo menos 40% das verbas destinadas pelas prefeituras à educação são desperdiçadas. O desleixo administrativo e a omissão das estruturas de controle jogam dinheiro fora e, como consequência, acabam por favorecer desvios e corrupção.

O mesmo estudo indica que é possível fazer mais com menos e enumera exemplos de municípios em que a aplicação per capita em educação não está entre as maiores do país, mas os resultados, apontados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), são satisfatórios. É claro que União, Estados e municípios devem aplicar o mínimo necessário em áreas essenciais e que o governo federal faz bem ao perseguir a meta de destinar 10% do orçamento à educação. Mas é também evidente que as três esferas – e em especial Estados e prefeituras, responsáveis pela rede básica – já poderiam estar fazendo mais com o que dispõem.

A superação da precariedade na educação formal do país passa pela atualização pedagógica e pela valorização dos professores, mas o esforço será incompleto se ignorar o melhor aproveitamento dos recursos orçamentários – um desafio ampliado pela lei que torna obrigatória, a partir de 2016, a matrícula na pré-escola de crianças de até cinco anos. A educação infantil, cujos índices de acesso no Rio Grande do Sul estão entre os piores do país, vai exigir dos prefeitos a racionalização de recursos financeiros e humanos. Se atacarem o desperdício, estarão no caminho do atendimento dessa e de outras demandas ainda negligenciadas.

A surrada desculpa da falta de recursos é uma camuflagem para as deficiências administrativas que degradam a educação básica brasileira.

sábado, 28 de setembro de 2013

OS INACEITÁVEIS

COLUNA NO GLOBO 28.9.2013 |  9h00m

Míriam Leitão


A cada Pnad o Brasil tem um sentimento misto: há avanços a comemorar e velhos atrasos de que se envergonhar. Desta vez, foi pior: o Brasil retrocedeu em alguns pontos. Na educação, o quadro é sempre ruim, mas o país estava melhorando um pouco a cada ano. Agora, houve um aumento do analfabetismo. Havia 300 mil analfabetos a mais no Brasil em 2012 em relação a 2011.

E não é estoque, é fluxo. O Brasil tem um estoque, como dizem os economistas, muito alto de analfabetos. São as pessoas mais velhas que, em décadas anteriores, foram vítimas da pouca preocupação que a educação sempre teve no país. Mas, nos últimos 20 anos, o país fez um esforço de ampliar a escolarização, programa que foi seguido ano após anos. Esse esforço tardio, mas meritório, de universalização da educação do primeiro grau foi muito bem sucedido.

O aumento do percentual e do número absoluto de analfabetos mostra descuido recente. Há analfabetismo em jovens, que foram vítimas de desatenção nos últimos anos. E isso é inaceitável. A taxa de analfabetismo vinha caindo lentamente, mas era ainda uma fonte da nossa vergonha. De 2011 para 2012 aumentou de 12,9 milhões para 13,2 milhões o número absoluto de analfabetos. O analfabetismo no Nordeste aumentou de 16,9% para 17,4%. O aumento de 0,5 ponto percentual no Nordeste foi considerado pelo IBGE como “estatisticamente pouco significativo”. Discordo inteiramente. Qualquer piora no analfabetismo é significativa. Até por razões vegetativas o número tende a melhorar. Se há piora é porque estão entrando jovens no grupo dos analfabetos. No país, como um todo, o aumento foi de 8,6% para 8,7%. Mas esse é um índice em que estamos obrigados a melhorar. A demografia ajuda a reduzir o estoque. Não podemos permitir que o fluxo de analfabetos continue sendo alimentado.

Não foi o único resultado ruim dessa Pnad, mas é o mais escandaloso. Houve um ligeiro aumento da desigualdade. Ela vinha caindo um pouco a cada ano: um fenômeno recente e alvissareiro. Mesmo assim, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Desta vez, a desigualdade parou de cair e começou a subir ligeiramente. Há na área social alguns bons dados para compensar, como a queda do desemprego, aumento da renda, aumento do acesso a bens de consumo duráveis. Há fatos a comemorar. E há as vergonhas de sempre: 42,9% dos domicílios sem esgoto no Brasil. O saneamento continua sendo uma das marcas do nosso atraso.

O trabalho infantil caiu, mas ainda assim o Brasil tem 3,5 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando. De 5 a 9 anos há 81 mil crianças trabalhando; de 10 a 13 anos são 473 mil. O número reduziu mas é sempre um espanto que permaneça sendo assim.

Aumentou a desigualdade de salários entre homens e mulheres, outro item em que temos que reduzir o hiato um pouco a cada ano. Só a melhora constante é aceitável. O rendimento médio da mulher saiu de 73,7% do salário do homem para 72,9% em um ano. O normal seria que a redução continuasse até pelo fato de as mulheres terem maior escolaridade e serem maioria no ensino universitário.

A Pnad é apenas um retrato que o país tem a cada ano do seu quadro social e já nos acostumamos com a lista de mazelas e de avanços, mas o que aconteceu nessa Pnad foi grave. O país estagnou em áreas em que estava avançando e piorou onde tudo já está atrasado demais. Os indicadores educacionais têm que melhorar porque são todos muito ruins. É natural que o Brasil melhore nos indicadores sociais; o antinatural, o inaceitável é qualquer retrocesso.

RS VAI MAL NAS ESCOLAS E BEM NO TRABALHO



ZERO HORA 28 de setembro de 2013 | N° 17567

ITAMAR MELO

RETRATO DO RS. Mal nas escolas, bem no trabalho

Pesquisa do IBGE mostra que Rio Grande do Sul tem proporção menor de crianças e adolescentes na escola na comparação com a média nacional



A rotina de estatísticas preocupantes sobre a situação do ensino no Rio Grande do Sul ganhou novo capítulo ontem, com a divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O levantamento do IBGE, com dados de 2012, mostra que o Estado apresenta proporção de crianças e adolescentes na escola inferior à média do país.

A Pnad vem se somar a uma série de estudos, indicadores e avaliações que, nos últimos anos, diagnosticaram o fraco desempenho do Rio Grande do Sul. Na pesquisa publicada ontem, os resultados modestos apareceram em várias áreas. Entre as 27 unidades da federação, o Rio Grande do Sul é o 23º colocado em proporção de crianças de quatro ou cinco anos na escola, o 15º na faixa dos 6 aos 14 anos e o 16º dos 15 aos 17 anos. Essa última fatia, correspondente ao Ensino Médio, é a mais preocupante. O índice de adolescentes matriculados caiu no Estado. Era de 85,3% em 2009. Foi de 83,1% no ano passado.

A Pnad também permite vislumbrar o percentual de brasileiros com mais de 10 anos de idade que têm baixa ou alta escolaridade. Ainda que esse universo inclua crianças e adolescentes em plena formação, trata-se de um indicador capaz de mostrar em que Estados a população passa mais anos em sala de aula. Também aí o Rio Grande do Sul se destaca negativamente. Entre os gaúchos, 51,46% têm oito ou mais anos de estudo, ante 53,3% da média nacional. Isso coloca o Estado na 12ª posição nacional. Em 2001, era o oitavo.

Ao mesmo tempo em que caiu no ranking dos que estudam mais, o Rio Grande do Sul subiu no dos que estudam menos. No Estado, 48% da população acima de 10 anos tem no máximo sete anos de escolaridade, índice pior do que o nacional, de 46%. Os gaúchos ocupam a 15ª posição entre os que estudam menos.

O professor da Faculdade de Educação da UFRGS Fernando Becker entende que a educação decai, em comparação com outros Estados, porque não existe um projeto:

– O Estado sempre nadou na fama de ser um dos melhores e acabou ficando para trás. Qual é o projeto para o ensino? Quais as diretrizes? Para onde vai a educação? Não temos isso. O que temos é cada novo governo fazendo suas aprontações.

Becker entende que a educação pública gaúcha sofre há décadas com um clima de briga política entre governo do Estado e professores, que emperra melhorias.

– Não sobra energia para melhorar o cotidiano escolar.

RETRATO DO RS

“Não sei explicar”




ZH encaminhou à Secretaria de Educação os dados da Pnad. A secretaria designou a diretora-adjunta do departamento pedagógico, Rosa Mosna, para comentar a pesquisa.

ZH – Os dados indicam que a proporção de gaúchos na escola em diferentes faixas etárias está abaixo da média nacional. Qual a explicação?

Rosa Mosna – Não saberia explicar que fenômeno está acontecendo.

ZH – E com relação à faixa dos 15 aos 17 anos, equivalente ao Ensino Médio, em que a proporção de gaúchos matriculados caiu nos últimos anos?

Rosa – Em alguns outros Estados também diminuiu. É um fenômeno que não consigo entender. A gente está com as crianças na escola, a gente está melhorando o fluxo, há demanda por Ensino Médio. Como é que o Ensino Médio cai? Não sei explicar. É estranho. Alguém tem de pesquisar isso.

ZH – Os dados apontam que os gaúchos que passam mais de oito anos na escola são proporcionalmente menos numerosos que os brasileiros. A posição do Estado nesse ranking piorou nos últimos anos. Há uma razão para isso?

Rosa – Teria dificuldade de dizer neste momento. Para nós, essas análises não são importantes. No departamento pedagógico, essa não é nossa principal idade. A nossa preocupação é garantir que tenha vagas. Também fazemos um trabalho agressivo de combate à infrequência. Estamos fazendo esse trabalho, e é estranho que venham esses dados do estudo. Tem coisas que são difíceis de entender. Não tenho como explicar.


Dificuldade na hora de contratar


CADU CALDAS

Os trabalhadores gaúchos têm uma renda mensal média 16% acima da brasileira. Mas essa diferença – que era de 19% um ano antes – vem caindo de forma sistemática há algum tempo, mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O número chama atenção porque Porto Alegre tem registrado as menores taxas de desemprego entre as regiões metropolitanas. Em agosto passado, a capital gaúcha teve a menor taxa para o mês em 11 anos, 3,4%. Mais vagas, no entanto, não representaram melhorias na remuneração dos trabalhadores.

Professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Giácomo Balbinotto Neto explica que isso ocorre porque os setores em que há maior oferta de empregos são aqueles que não exigem muita qualificação.

– Esse é o motivo de ter mais gente trabalhando e a média de salários não crescer. A lei da oferta e da procura não se cumpre plenamente porque os profissionais não têm exatamente o mesmo perfil. Uma coisa é ter opção de emprego para operários da construção civil e comerciários. Outra é ter geração de vagas para especialistas, como engenheiros ou cientistas. Porto Alegre vai muito bem na primeira, mas não tem dado grandes saltos na segunda categoria – afirma.

O levantamento do IBGE mostra que, em 2012, mais de 70% da população gaúcha ganhava até R$ 1.356, equivalente a dois salários mínimos. No Brasil, a média chega a 75%. As dificuldades em contratar aumentam quando há vagas com salários mais atrativos e que exigem mais preparação dos candidatos. José Zortea, diretor regional do Senai, conta que está cada vez mais difícil admitir instrutores para ministrar aulas. Das 30 vagas oferecidas em 2012, apenas 17 foram preenchidas, apesar de o números de candidatos chegar a 600. Este ano, o cenário foi ainda pior. Das 30 vagas, apenas 12 acabaram ocupadas.

– As dificuldades também são grandes para selecionar os alunos. Nos cursos técnicos, antes de começar a ensinar uma profissão, os professores precisam ensinar português, matemática, geografia. E não é minoria. Cerca de 75% dos alunos que chegam precisam de aulas de reforço. A baixa atenção dos governos à educação básica vai cobrar seu preço daqui alguns anos – afirma Zortea.

Alta rotatividade afeta qualificação

Motivo de comemoração, o baixo desemprego no Estado também pode trazer efeitos indesejados para o mercado de trabalho. O professor Giácomo explica que, como a oferta de trabalho se dá em grande parte em empregos com baixos salários, a rotatividade entre os profissionais é alta:

– Os empresários se adaptam a essa movimentação contínua e acabam não investindo em capacitação. Ninguém quer investir em um funcionário que vai embora daqui a seis meses. Acabam pagando pouco por isso e cria-se um círculo vicioso.

A economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Bruna Kasprzak Borges tem uma avaliação parecida:

– Com mais oportunidades, o empregado sente menos necessidade de procurar especialização. Pode gerar uma certa acomodação. Por isso, é importante que os indicadores de educação também avancem. Caso contrário, a produtividade ficará cada vez menor, e o desemprego vai voltar a subir.



ÂNGELA RAVAZZOLO
Alerta estatístico

Os números divulgados ontem pelo IBGE colocam o Rio Grande do Sul em uma posição, no mínimo, incômoda: estamos abaixo da média nacional no percentual da população com oito anos de estudos ou mais e também no grupo com 11 anos ou mais. As estatísticas certamente não dão conta de explicar e contextualizar o complexo cenário educacional do país e do Estado, mas é preciso prestar atenção nos números, como uma sirene.

Recentemente, em Brasília, durante congresso promovido pelo movimento Todos pela Educação, especialistas de diferentes áreas concordaram que o Brasil chegou a um momento em que os debates, as pesquisas, as ideias, mesmo fundamentais, precisam se transformar em práticas de transformação.

Esse alerta estatístico da Pnad deve provocar os gestores, aqueles que estão à frente das políticas públicas da educação, mas pouco adianta se não tirar o sono também de toda a sociedade, pais, estudantes, professores, diretores. O aprendizado dos estudantes, razão de ser da escola, depende desse envolvimento conjunto. Mais do que um incômodo que se transforma em notícia, os números precisam provocar uma reação prática, concreta, que se reflita no dia a dia da sala de aula e consiga reverter o quadro de estagnação.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Enquanto tivermos uma educação voltada apenas ao ensino científico sem foco no futuro (ensino técnico, esportivo, artístico) capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação dos alunos, sem disciplina, destituído da autoridade dos diretores e professores, sem investimentos em escolas e desvalorizando o potencial docente, o Brasil continuará com uma educação precária, desmotivadora e fomentadora de evasão e violência.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O DILEMA DA INCLUSÃO


ZERO HORA 26 de setembro de 2013 | N° 17565

ARTIGOS

 Ana Affonso*



A política de educação inclusiva adotada pelo Ministério da Educação orienta os sistemas de ensino para a garantia do ingresso dos estudantes com surdez nas escolas regulares, mediante a oferta da educação bilíngue, dos serviços de tradução e de interpretação de libras/língua portuguesa e do ensino de libras.

Ocorre que, ao enfrentar a discriminação, corre-se o risco de incidir em outro tipo de violência: a negação das diferenças, prejudicando a riqueza inerente a cada cultura e pessoa. É isso que a comunidade surda brasileira, composta por surdos, familiares, profissionais de diferentes áreas, pesquisadores e simpatizantes surdos e não surdos, com o apoio da comunidade surda internacional, aponta como equívoco da atual política federal.

A luta é contra o fechamento de escolas de surdos e pela ampliação da rede de educação bilíngue no país. Lembramos desta luta na semana em que é comemorado o Dia Nacional do Surdo, em 26 de setembro, e no momento em que debatemos o tema na Assembleia Legislativa. Segundo o censo do IBGE de 2010, cerca 5% da população brasileira apresenta deficiência auditiva, sendo cerca de 2 milhões de pessoas com deficiência considerada severa e 344,2 mil pessoas surdas.

As pessoas surdas não precisam apenas de educação especial inclusiva. Elas necessitam, sobretudo, de educação bilíngue que leve em conta sua cultura e identidade na comunidade escolar. Isso requer a interação com professores sinalizadores fluentes e em meio a uma comunidade linguística sinalizadora, que inclui colegas sinalizadores. A inclusão de alunos surdos em escolas da rede de ensino regular limita essa possibilidade, favorecendo a interação com colegas e professores ouvintes, mas, por outro lado, fragilizando sua própria cultura e identidade.

O Ministério da Educação está trabalhando para a superação da discriminação na educação, mediante a política de inclusão com garantia de apoio pedagógico de acordo com as necessidades de cada um. Melhor seria se essa medida não fosse uma obrigatoriedade, garantindo o direito fundamental à liberdade individual, sem prejudicar o direito à educação para todos e todas e, muito menos, a inclusão social. A luta da comunidade surda também é pelo combate à discriminação, mas mediante o reforço da identidade cultural das pessoas com surdez.

*Deputada estadual (PT), presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do RS



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Terá o Estado uma estrutura capaz de atender as diferenças dentro de cada sala de aula? Como fará isto se não consegue evitar o bulling e atender os casos de déficit de atenção, dislexia e dislalia?




quarta-feira, 25 de setembro de 2013

VIOLÊNCIA CONTRA ESTUDANTES



ZERO HORA 25 de setembro de 2013 | N° 17564

EDITORIAIS



Começam a se tornar rotineiros em Porto Alegre os assaltos a estudantes de escolas privadas, com os quais os delinquentes sabem que terão mais chance de encontrar aparelhos eletrônicos como celulares, tablets e computadores pessoais. A tendência, cada vez mais disseminada, exige uma estratégia especial da parte de organismos de segurança que, em conjunto com representantes das comunidades escolares e da sociedade, precisam encontrar saídas eficazes. Criminalidade não combina com ensino e, além de prejuízos materiais, os criminosos vêm provocando traumas em muitos alunos, que, algumas vezes, têm seu processo de aprendizagem prejudicado.

Desde que os casos de roubos a estudantes se intensificaram, dentro e nas proximidades das escolas, os organismos de segurança têm sido cobrados a agir com mais rigor, particularmente por parte de dirigentes de instituições de ensino. A resposta nos meios oficiais é a mesma fornecida a instituições públicas, nas quais os alunos também são vítimas frequentes de assaltos e ainda convivem com um cotidiano de constante depredação no ambiente escolar, com furto de ingredientes da merenda e até de material didático: não há como colocar um brigadiano em cada estabelecimento.

Se faltam policiais, é óbvio que os responsáveis pela segurança pública têm o dever de encontrar saídas eficazes, que contribuam realmente para reduzir a sensação de insegurança e o número de ocorrências. Os estabelecimentos de ensino precisam também fazer sua parte, investindo mais em mecanismos de segurança no interior das instituições e nos arredores.

O inadmissível é que seres humanos ainda em fase de formação psicológica se tornem reféns constantes do medo e vítimas preferenciais de desajustados. Os brasileiros, incluindo os gaúchos, já enfrentam problemas demais na área educacional para se conformarem com mais este.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

PROFESSORES PROTESTAM EM FRENTE À CASA DO GOVERNADOR DO RS

ZERO HORA 10 de setembro de 2013 | N° 17549


PISO NACIONAL DOS PROFESSORES

Cerca de cem manifestantes ligados ao Cpers/Sindicato protestaram em frente à casa do governador Tarso Genro, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, na manhã de ontem. Com megafones e gritos de ordem, o grupo pediu a presença do chefe do governo para reivindicar a implantação do piso nacional dos professores.

Em greve, os manifestantes foram ao local por volta das 6h. A Brigada Militar isolou a área em dois cordões. Moradores contaram ter ouvido barulho de explosão de bombas de efeito moral.

Pouco depois das 7h, o grupo saiu em marcha pela Rua Dona Laura, passou por Goethe e Protásio Alves e chegou ao Túnel da Conceição. Antes disso, parou em frente ao Instituto de Educação General Flores da Cunha, na Osvaldo Aranha, para chamar mais professores a se juntarem ao ato. Por volta das 8h30min, o protesto foi encerrado na Rua Alberto Bins, em frente à sede do Cpers.

Em entrevista, o governador pediu que os trabalhadores não fizessem mais este tipo de manifestação em frente a sua casa, pois incomoda os moradores da região. Tarso disse que, quando houver assuntos urgentes, que peçam para ele ir ao Palácio Piratini.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

ESTUDANTES VIRAM ALVO DE CRIMINOSOS


ZERO HORA 09 de setembro de 2013 | N° 17548

JOSÉ LUÍS COSTA

DINHEIRO FÁCIL


Espécie de “caixa eletrônico ambulante” para criminosos, alunos do Ensino Médio e universitários se tornaram alvo fácil de assaltantes. Dos estudantes, bandidos “sacam” dinheiro, smartphones, carteiras e relógios, impondo prejuízos econômicos e sofrimento psíquico às vítimas.

Ainvasão de uma sala de aula na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) por um ladrão, na semana passada, ilustra o grau de insegurança a que está exposta a comunidade escolar na Capital.

Casos como esse são raros, mas do portão para fora de escolas e universidades se espalha uma epidemia de assaltos contra estudantes, a ponto de gerar protestos e abaixo-assinados com pedidos de socorro às autoridades.

Um dos pontos mais perigosos é a região das avenidas Osvaldo Aranha e João Pessoa, nos arredores do Parque Farroupilha (Redenção) e do complexo de faculdades da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na área central da Capital, onde transitam milhares de estudantes. Ali, há queixas de falta de policiamento e iluminação, e sobram relatos de assaltos a qualquer hora do dia.

Percorrendo a região pela manhã, tarde e noite, os 1,9 mil alunos do Instituto Estadual de Educação General Flores da Cunha, contíguo à Redenção, são presas fáceis para ladrões, especialmente, os mais jovens – a escola tem alunos a partir dos 10 anos. A média é de um assalto a cada dois dias. O número é estimado porque parte dos casos não é registrado pelas vítimas, e a Secretaria da Segurança Pública não dispõe desse tipo de estatística.

Zero Hora visitou oito turmas dos ensinos Fundamental e Médio, dos turnos da manhã e da tarde, e em todas identificou vítimas de roubos na entrada ou na saída da escola. Em uma das turmas da 8ª Série, dos 28 presentes na manhã de quinta-feira, 10 já foram assaltados, assim como duas professoras.

– A gente pouco pode fazer além de telefonar para a BM e chamar os pais – lamenta a diretora Leda Larratéa.

Assessora pedagógica, a professora Elis Dockorn, que teve o vidro do carro quebrado e o estepe levado, em julho, lembra que dois intrusos já foram flagrados circulando nos corredores do colégio e outro chegou a assistir parte de uma aula.

– Os assaltos estão causando doenças psicológicas e desinteresse pelos estudos – afirma Elis.

Colocação de armários auxilia

Os roubos também preocupam instituições particulares. Até o começo do ano era comum estudantes do Colégio Anchieta saírem ao meio-dia com mochilas para almoço fora da escola e voltarem à tarde de mãos abanando.

A partir da instalação de armários nos corredores, vêm caindo os assaltos no intervalo dos turnos de aula. A iniciativa faz parte de um pacote de ações, envolvendo pais e professores. Desde maio eles se reúnem para discutir com representantes de outros colégios dos bairros Bela Vista e Boa Vista – Monteiro Lobato, Província de São Pedro e a Escola Estadual de Ensino Fundamental Bahia – e com a BM.

Durante meses, PMs fizeram patrulhas na região da Avenida Nilo Peçanha e rondas com bicicletas. Outra providência foi a instalação de duas câmeras de vigilância – monitoradas pela escola – que registram a movimentação em partes externas do colégio. Conforme Cristina Guzinski, coordenadora do Setor Comunitário, os ataques caíram pela metade.

Nas imediações do Colégio Mãe de Deus, na Tristeza, além de instalação de câmeras e aumento da iluminação, um vigilante particular circula com motocicleta. Em 28 de agosto, o professor de Educação Física Everton Luís Deiques, 34 anos, foi baleado por ladrões de carro.

No começo daquele mês, a comunidade escolar tinha enviado um abaixo-assinado com 1.058 nomes para a Secretaria da Segurança Pública, solicitando mais policiamento. Na terça-feira passada, representantes da escolas e dos pais foram recebidos pelo secretário Airton Michels, que prometeu providências.


Adolescente teve de trocar de escola

Há quatro meses, um garoto de 15 anos abandonou o Instituto Estadual de Educação General Flores da Cunha. Motivo? Insegurança.

Em março, levaram a carteira dele quando caminhava próximo à Redenção. Abalado, faltou às aulas por alguns dias e, quando voltou, conseguiu trocar de turno. Pouco adiantou. No mês seguinte, teve uma corrente arrancada do pescoço, também na saída da escola.

A solução foi trocar de colégio para um mais perto de casa, no bairro Santo Antônio, onde iria acompanhado de um grupo de amigos. Mas o drama persiste. Há duas semanas, uma dupla de moto perseguiu o garoto e arrancou a mochila dele – recuperada, instantes depois, em um matagal. Não encontraram nada do interesse deles. O menino não carrega mais carteira, celular, corrente e relógio. Evita usar roupa e tênis da moda e só vai para o colégio acompanhado do pai.

– Ele não tem mais vontade de sair de casa – lamenta a mãe.

O drama vivido pelo jovem pode ser definido como transtorno de estresse pós-traumático. Conforme o psicólogo e psicanalista Leonardo Della Pasqua, um dos sintomas é o isolamento social.

– A pessoa foge de situações, contatos e atividades que possam reavivar as lembranças dolorosas da situação traumática – diz Della Pasqua.

Universitário é vítima de ataque ao meio-dia

O que deveria ser uma simples caminhada nos arredores do Campus Centro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na Capital, se transformou numa perigosa aventura.

Na semana passada, por volta das 12h30mim, o acadêmico de Jornalismo Marcelo Carôllo de Oliveira, 22 anos, caminhava pela Avenida João Pessoa, quando se viu espremido por um bandido no corredor entre uma parede do viaduto Imperatriz Leopoldina e a grade do pátio da Faculdade de Direito. Sem preocupação com testemunhas, o ladrão puxou uma faca. O estudante revirava a carteira em busca da única nota, de R$ 50, que pagaria o ônibus até o trabalho, mas o bandido foi mais rápido. Puxou o dinheiro e exigiu o celular. Antes do estudante entregar o telefone, o assaltante desistiu e sumiu correndo entre carros.

– É muito velho, nem ele se interessou. Fiquei feliz porque não levou os documentos, mas tive de ir a pé para o serviço.

O estudante de Engenharia Ambiental Márcio Nicknig, 23 anos, é personagem de episódio ainda mais insólito. Em uma noite de julho, ele caminhava pela Rua Sarmento Leite quando foi abordado por dois ladrões que exigiram o celular. Desferiu um soco em um deles e fugiu. Avisados, PMs foram para a região. Quando Márcio voltava pelo mesmo caminho, cruzou com a dupla, em disparada, com uma mochila roubada de outro aluno.

– O lugar menos provável que imaginava encontrar eles era ali – espanta-se.

Márcio reagiu de novo. Derrubou um deles com uma rasteira, mas os ladrões conseguiram fugir com um notebook. Segundo a UFGRS, são raros os casos de roubos na áreas internas da universidade, e a coordenadoria de segurança mantém contato permanente com a BM.


domingo, 8 de setembro de 2013

AS FACULDADES NA UTI





O Brasil tem mais cursos de medicina que os Estados Unidos. Com problemas de gestão, equipamento e professores, eles falham na formação dos nossos médicos

FLAVIA TAVARES, DE IPATINGA (MG), GRAZIELE OLIVEIRA, DE JOAÇABA (SC), MURILO RAMOS, HUDSON CORRÊA, MARCELO ROCHA E ANA LUIZA CARDOSO, COM LEANDRO LOYOLA

REVISTA ÉPOCA 07/09/2013 10h00


Durante dois anos e meio, a mineira Izabela Carvalhal, de 22 anos, frequentou um cursinho pré-vestibular para garantir uma vaga no curso de medicina da Universidade Gama Filho, então uma das mais conceituadas instituições privadas de ensino no Rio de Janeiro. Aprovada no vestibular de julho de 2011, Izabela fez as malas e desembarcou no campus do bairro de Piedade, onde a Gama Filho forma médicos desde 1965. Na manhã da última quinta-feira, Izabela assistia a uma aula de cardiologia de forma improvisada, no pátio da universidade. A derrocada do sonho de Izabela começou no final de 2011, quando o grupo Galileo Educacional assumiu a administração da Gama Filho. Com a promessa de reerguer uma universidade endividada, os novos gestores demitiram 600 funcionários e aumentaram o valor das mensalidades – a de medicina subiu de R$ 2.700 para R$ 3.500 mensais.

O efeito das medidas foi desastroso. Cresceram a inadimplência e a evasão de alunos. Professores e funcionários entraram em greve por atraso nos salários. No início de agosto, os alunos encontraram um aviso no portão: a Gama Filho estava fechada e as provas adiadas. O Ministério da Educação suspendeu os vestibulares. Desde então, 30 estudantes ocupam a sala da reitoria. Izabela não sabe se conseguirá o diploma. Nem ela nem nenhum dos cerca de 2.100 alunos do curso.

Por 40 anos, os alunos da Gama Filho tiveram aulas práticas na Santa Casa do Rio de Janeiro, hospital com mais de 500 leitos. No final de 2011, a direção da universidade demitiu 140 professores que também eram médicos do hospital. Seria o fim do ensino prático, se 40 professores não tivessem decidido trabalhar de graça para socorrer os alunos. A Gama Filho ofereceu como alternativa um pequeno hospital de 40 leitos, na Barra da Tijuca. Havia mais alunos de medicina que pacientes, e o projeto foi abandonado. Hoje, os alunos têm aulas práticas no hospital municipal de Piedade. “Nessa crise, por dó, a prefeitura ainda deixa os alunos estudar no hospital”, diz a estudante Fernanda Lopes Moreira. Até 2010, antes da crise, o curso de medicina da Gama Filho tinha nota 3, numa escala que vai de 1 a 5, no Conceito Preliminar de Curso (CPC) do Ministério da Educação. Chegou a ser um dos mais concorridos entre as faculdades privadas do Rio. Se fosse realizada uma nova avaliação neste ano, o conceito da Gama Filho certamente despencaria. A direção da faculdade diz que resolverá os problemas de caixa até setembro, quando pretende retomar as aulas.






O caso da Gama Filho é um exemplo extremo e dramático dos problemas sérios que envolvem a formação dos médicos no Brasil. Nas últimas semanas, o país debate a chegada de profissionais estrangeiros, a maioria cubanos, para trabalhar em locais distantes, onde não há profissionais. A solução, já adotada pelo Brasil no passado e por países como o Canadá, pode resolver um problema emergencial de falta de profissionais. Mas escamoteia um problema maior, estrutural, que se reflete nasaúde pública nacional: a qualidade da formação dos médicos. “O país não tem uma formação sólida na graduação médica”, afirma Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Cada vez mais, as escolas não formam adequadamente”, afirma Florentino Cardozo, da Associação Brasileira de Médicos (AMB). “Os médicos mais novos dominam muito conteúdo, mas de maneira trivial. Têm dificuldades em se aprofundar.”

Há uma queda sensível no nível de conhecimento dos alunos nos últimos 15 anos. A maioria dos especialistas no assunto associa o problema à proliferação das escolas. Existem hoje 202 cursos de medicina no Brasil. A primeira expansão na oferta ocorreu entre 1966 e 1969, quando foram criadas 22 escolas – só uma era privada. O segundo boom de cursos ocorreu entre 1996 e 2007, quando foram criadas 77 escolas, 52 delas particulares. A Índia é o único país com mais escolas de medicina que o Brasil – são 348. Os Estados Unidos, um país maior e mais rico que o Brasil, tem 141 escolas. “Houve um crescimento exponencial das faculdades nos últimos 20 anos, instituições desprovidas de corpo docente qualificado, a maioria sem hospital universitário”, afirma o professor Scheffer. “Isso criou muita desigualdade entre os cursos de medicina no Brasil.”

A formação em medicina tem peculiaridades. Os estudantes precisam tanto de ensino teórico de alto nível quanto de vasta e intensa experiência prática. No melhor dos mundos, os professores dão aulas na classe e atuam como médicos no hospital da universidade. Isso garante continuidade no ensino. Essa situação, no entanto, é cada vez mais rara. Os alunos são obrigados a buscar a prática em outros locais. “Ensina-se uma coisa em cada lugar, muitas vezes de maneira antagônica”, afirma o diretor da Escola Paulista de Medicina, Antonio Carlos Lopes. Nas universidades públicas, o maior problema é a falta e o mau estado de equipamentos. No caso das universidades federais, só nos últimos três anos os investimentos em equipamentos foram retomados.

Qualquer curso de medicina precisa ser aprovado pelo Ministério da Educação para começar a funcionar. Depois, são feitas avaliações a cada três anos. A fiscalização da qualidade é feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). No caso de medicina, há hoje 88 avaliadores, professores do ensino superior, encarregados de cumprir essa missão. As visitas dos técnicos às faculdades duram até três dias. A avaliação começa pela aplicação do Enade, um exame que mede o conhecimento dos alunos em relação ao que foi ensinado. Os resultados do Enade são considerados na composição de um índice de qualidade chamado Conceito Preliminar de Curso (CPC). Os indicadores de qualidade levam em conta aspectos como ensino, pesquisa, atividades extracurriculares, desempenho dos alunos e gestão. O curso recebe uma nota que varia de 1 a 5. Aqueles que obtêm 1 e 2 passam por uma supervisão mais rigorosa e são obrigados a corrigir falhas. Se as melhorias não forem feitas, é instaurado um processo administrativo – e os cursos são punidos.

Uma das punições é a proibição de vestibulares, como aconteceu com a Universidade Gama Filho. Pode chegar até à desativação do curso, como ocorreu no início deste ano na Universidade Vale do Rio Verde (Unincor), em Belo Horizonte. A fiscalização constatou na Unincor que faltavam professores e locais adequados para aulas práticas, além de haver deficiências no projeto pedagógico. Trezentos alunos foram prejudicados com o fim do curso. Na semana passada, ÉPOCA esteve em quatro universidades públicas e privadas para conhecer a realidade. Existem as que têm bons alunos e professores, mas estão em condições precárias – a maioria é pública. Há as particulares, que às vezes têm boas instalações e equipamentos, mas com alunos e professores abaixo da média. Outras, por fim, são um desastre de gestão, como a Gama Filho.

Os problemas
Trezes garotas paramentadas com pijamas cirúrgicos azul-royal, toucas e máscaras descartáveis observam, curiosas, os movimentos precisos do bisturi sem lâmina. A intenção não é realmente cortar o “doente”, interpretado pelo monitor da turma. A aula é de técnica cirúrgica, ministrada pelo cirurgião de cabeça e pescoço Orlando Barreto
Zocratto, no Instituto Metropolitano de Ensino Superior (Imes), em Ipatinga, Minas Gerais. Orlando ensina a fazer a limpeza do local a cortar e a posição do punho no momento da incisão. “Tudo isso que eu estou mostrando, vamos refazer no ambulatório, quando vocês forem para lá”, diz Orlando. O material brilha. O laboratório é amplo e arejado. O professor tem mestrado e doutorado. A infraestrutura garantiu ao Imes uma de suas maiores notas nas várias dimensões avaliadas pelos técnicos do Ministério da Educação. Os dois prédios da faculdade têm chão de granito, paredes bem pintadas de verde-claro e branco, salas com ar condicionado e cadeiras estofadas, elevadores. Os laboratórios são bem equipados. O de anatomia tem, entre outras peças, 18 corpos e 500 cérebros – quase um para cada um dos 600 alunos. O de habilidades médicas tem um manequim, carinhosamente chamado de Juan, que é possível entubar, desfibrilar e cuja pressão arterial pode ser aferida. Custou R$ 80 mil. A faculdade tem um ambulatório a 10 quilômetros dali, em Coronel Fabriciano, onde alunos e professores fazem atendimento gratuito.



Apesar de tudo isso, o Imes recebeu nota 2 no CPC, considerada insuficiente pelo Ministério da Educação, nas avaliações realizadas em 2007 e em 2010. As melhores notas do Imes nas avaliações do MEC vieram da infraestrutura. Mas, no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), o Imes se complicou. No primeiro, em 2004, a faculdade formava sua primeira turma de 11 médicos. A nota no Enade foi 5, a máxima, e o Imes se colocou entre as poucas escolas particulares do país a atingir esse patamar. Três anos depois, os alunos tiraram 2. Mais três anos, e outro 2. A reputação do Imes despencou. A escola chegou a reformular seu currículo. “Não importa o que você faça internamente, o que fica para quem está fora é esse número”, diz Eric Bassetti Soares, coordenador do curso de medicina. Hoje, dos 99 professores do Imes, apenas 29,8% são doutores e 37,6% mestres. O processo de seleção do corpo docente é pela indicação, pelo currículo e por uma aula-teste que o candidato ministra.

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Fazer um médico largar um consultório para encarar a sala de aula não costuma ser fácil, e as escolas particulares têm bons salários a oferecer. No Imes, um professor pode ganhar até R$ 18 mil por mês, valor impensável numa universidade pública, onde o mais graduado professor ganha cerca de R$ 10 mil mensais. Só que os discípulos também não são de ponta. “Ninguém escolhe primeiro uma faculdade particular”, diz Orlando. “O aluno daqui é o que não conseguiu passar na federal.” A estudante Mabelly Correa, de 20 anos, queria ser engenheira química. Desistiu no cursinho preparatório. Mudou para medicina, preencheu fichas de inscrições em várias federais, mas não passou. Optou por superar o preconceito que tinha com as faculdades privadas. Passou em 27o lugar em Ipatinga. Enfrentou uma concorrência de 28 alunos por vaga, que a faculdade só vê aumentar. “A prova foi muito difícil, não achei que fosse passar”, diz Mabelly. Ainda com esse perfil, os alunos que entram no Imes têm notas superiores à média brasileira no Enade. Num curso exigente como o de medicina, esse bom desempenho inicial às vezes não significa tanto.

A Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), na cidade de Joaçaba, abriu seu curso de medicina em 2004. Como no caso de Ipatinga, a faculdade impressiona pela qualidade das instalações. O curso oferece 60 vagas por semestre, e a primeira turma se formou no ano de 2010, quando o MEC reconheceu o curso. Desde então, 183 médicos se formaram. Em 2010, o curso recebeu nota 2 na avaliação do CPC do Ministério da Educação. Ficou entre os piores da Região Sul. Uma das razões da nota ruim foi a baixa quantidade de professores com mestrado e doutorado. A faculdade tem dificuldade em atrair profissionais qualificados para uma cidade a 400 quilômetros de Florianópolis. “Sabemos que não somos nota 2”, afirma o diretor de graduação da universidade, Ricardo Menezes. “Isso não reflete a realidade do que somos.” Após a emissão da nota pelo MEC, uma comissão estadual visitou a faculdade e atribuiu nota 4, próxima do conceito máximo.

O goiano Luiz Fernando Meireles, de 30 anos, está no último semestre de residência médica em urologia no Hospital Universitário de Brasília (HUB), ligado à Universidade de Brasília (UnB). “Há aqui médicos com especialização em Harvard, Oxford. Eles estudam demais e são bons mestres”, diz Luiz. “Tenho certeza de que não passariam vergonha se comparados com profissionais de qualquer lugar do mundo.” A empolgação cessa quando Luiz começa a falar da estrutura do hospital. A maior parte dos equipamentos está tão sucateada que alguns procedimentos não podem ser feitos. Isso interfere no aprendizado de Luiz e no atendimento dos pacientes. Luiz diz que gostaria de realizar mais cistectomias, uma cirurgia complexa, que consiste na retirada da bexiga de um paciente para a confecção de uma nova. Ele diz não poder realizar uma cirurgia dessas porque a UTI está fechada para novos pacientes. “Existem três pessoas na fila de espera da cistectomia, mas, sem a UTI, não é possível”, diz Luiz. “Temos de avisar aos pacientes para procurar outro hospital.”

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Como faltam profissionais, o próprio Luiz tem de esterilizar os materiais que usa e, às vezes, gastar seu próprio dinheiro para garantir o funcionamento de alguns equipamentos. Luiz é um dos três últimos médicos residentes que moram nas instalações do HUB. Seu quarto, com menos de 15 metros quadrados, fica no 2º andar do pequeno prédio da administração, castigado pelo tempo e por infiltrações. “As condições de moradia não são as melhores. Mas estou no hospital”, diz Luiz. “É uma pena que os novos residentes não tenham acesso a essa oportunidade que tenho. Se tivesse de pagar aluguel, estaria em dificuldades.”



Um andar abaixo daquele em que Luiz mora, trabalha Hervaldo Carvalho, cardiologista, clínico e intensivista, superintendente do HUB desde o final do ano passado. Ele tem uma visão otimista. “Vamos aumentar o número de leitos e exames”, afirma. Carvalho diz que não há mais condições para moradias de residentes no hospital, inaugurado em 1972, porque as diretorias que se sucederam decidiram seguir a tendência de dar mais espaço para áreas de atendimento e menos para moradias. Carvalho afirma que, apesar do aperto financeiro do hospital nos últimos anos, o aprendizado não ficou comprometido. “Nossos alunos são diferenciados. Estamos muito bem colocados em qualquer ranking”, afirma. Apesar do sucateamento do Hospital Universitário, a escola tirou nota 4 no CPC, por causa da qualidade do corpo docente. No rol de médicos mais conceituados formados na UnB está o oncologista Paulo Hoff, responsável pelo tratamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff.

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A falta de generalistas
O professor Scheffer é coordenador do estudo Demografia médica do Brasil. A versão mais recente da pesquisa é de fevereiro passado. Além de trazer um perfil sobre os profissionais da medicina, o levantamento traça cenários sobre as desigualdades na distribuição geográfica e na proporção de médicos entre os setores público e privado. Os números da pesquisa coordenada por Scheffer mostram que, bem ou mal formados pelas universidades, os médicos seguem o dinheiro. No Distrito Federal, onde está o maior PIB per capita do país – R$ 58.500 por ano –, está o maior índice de profissionais de saúde: 4,09 por grupo de 1.000 habitantes. No outro extremo está o Maranhão. Com o menor PIB per capita, R$ 6.900, tem apenas 0,71 profissional de saúde por grupo de 1.000 habitantes. Scheffer afirma que as escolas ajudam a multiplicar essa distorção porque oferecem cada vez mais cursos dirigidos para a medicina de alta tecnologia – e é nos grandes centros urbanos que está essa excelência. “As escolas formam para o mercado privado”, diz. Para Scheffer, o país só conseguirá mudar esse quadro com uma política baseada em atenção primária – aquele primeiro atendimento, muitas vezes preventivo, nos postos de saúde ou em domicílio.

O problema para implantar essa mentalidade é que poucos médicos optam por uma formação generalista, que os habilitaria a atuar na saúde pública e em locais carentes. Isso explica boa parte do problema que o governo pretende resolver agora com a vinda de profissionais estrangeiros. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, segue a mesma linha de raciocínio do professor Scheffer. Ele diz que a formação dos profissionais da saúde está muito centrada nos hospitais e na especialização. “(Os estudantes) têm uma identidade de já se sentir especialistas precocemente. Antes de entrar no curso, o estudante já quer ser especialista em alguma área (cardiologista, nefrologista, cirurgião)”, diz Mercadante. Os dados sobre residência médica confirmam a tendência. Sobram vagas em seleções de residência para pediatras e médicos de família. A concorrência é altíssima para as residências em oftalmologia e otorrinolaringologia. Outro exemplo: o Brasil forma excelentes cirurgiões plásticos, reconhecidos internacionalmente, mas poucos se dedicam à atuação na parte reparadora. A maioria prefere ingressar na rentável indústria das cirurgias estéticas em hospitais ou clínicas privados. “Promover saúde e vida e prevenir doenças não tem sido a dimensão central na formação dos profissionais médicos”, diz Mercadante.

Especializar-se ou seguir uma medicina mais generalista é uma escolha de cada profissional, que leva em conta a própria vocação e as variáveis de mercado. Não cabe à faculdade escolher. Mas os cursos ajudariam se fornecessem uma base sólida que permitisse maior precisão nos diagnósticos da atenção primária, até por razões econômicas. Médicos mal formados geram mais gastos. Entusiasta da boa conversa e do exame detalhado do paciente, associados à parcimônia no pedido de exames, o professor Antonio Carlos Lopes, da Escola Paulista de Medicina, afirma que os médicos se apoiam cada vez mais na tecnologia e menos na conversa e no exame clínico dos pacientes. Por causa dessa deficiência, pedem uma profusão de exames para evitar erros. “Os exames são subsidiários, não substituem o diagnóstico feito numa consulta detalhada e com o exame clínico”, afirma Lopes. De acordo com ele, 70% dos exames solicitados em São Paulo dão resultado normal – e nem precisavam ter sido feitos. No campo da saúde pública, essa conduta gera mais e mais gastos. Como os médicos mais fracos também erram mais em seus diagnósticos, os pacientes voltam mais vezes ao hospital em busca de cura. A consequência é, outra vez, o aumento no custo.

Em todo o mundo, a saúde custa caro. O Brasil está em 72º lugar no gasto público em saúde por pessoa. Dados da Organização Mundial de Saúde mostram que o Brasil investia, em 2010, US$ 571 por ano por pessoa. Em comparação, a Noruega gasta US$ 6.800, a Holanda investe US$ 4.800 e os Estados Unidos, que nunca foram modelo em saúde pública, US$ 3.966 por ano. A avaliação ruim da saúde é uma unanimidade em pesquisas de opinião no Brasil, onde 68% da população usa apenas o sistema público. Há anos, a saúde é a área em que os governos têm a pior avaliação de desempenho. Num levantamento feito pelo Ibope em janeiro de 2012, 61% dos entrevistados classificaram o serviço público de saúde como ruim ou péssimo e 85% não perceberam qualquer melhora no passado recente. A demora – e a dificuldade para ser atendido – é a principal reclamação. Apenas 10% dos entrevistados mencionaram a falta de equipamentos ou de médicos como a falha mais grave. Gastar mais, e melhor, é fundamental. Mas é preciso avaliar melhor a formação dos médicos e formular políticas de longo prazo, capazes de levar não apenas profissionais, mas bons profissionais, a todos os cantos do país. Para que eles possam atender com dignidade quem mais precisa – e quase nunca pode pagar por isso.



terça-feira, 3 de setembro de 2013

A EVASÃO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO

O Estado de S.Paulo, 03 de setembro de 2013 | 2h 05


OPINIÃO


A conjugação de baixos salários com condições precárias de trabalho e falta de perspectiva de ascensão na carreira está levando parcela expressiva do professorado paulista a abandonar o magistério público estadual. A cada dia, 8 docentes concursados desistem de lecionar nas escolas estaduais paulistas por falta de motivação. Entre 2008 e 2012, a média de exonerações foi de 3 mil por ano.



É um número muito alto, apesar de as autoridades educacionais afirmarem que ele representa apenas 1,63% do quadro de docentes efetivos do magistério paulista. A rede pública de ensino fundamental e médio do Estado de São Paulo tem 232 mil professores, dos quais 120,8 mil são concursados, 63 mil são contratados com estabilidade e 49 mil são temporários.

Uma parte dos docentes que desistiram do magistério público no Estado de São Paulo, abrindo mão da estabilidade no serviço público, migrou para colégios particulares, cuja maioria assegura boas condições de trabalho, ou para as redes municipais de ensino que pagam salários mais altos. A outra parte simplesmente deu adeus às salas de aula, buscando emprego em outras áreas da administração pública ou no setor financeiro, em empresas e até em academias de ginástica.

"A questão-chave da educação é o professor. Mas é preciso ter atratividade de carreira, boa formação, retenção e avaliação", diz Romualdo Luiz Portella de Oliveira, titular do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação da USP. "Sem carreira atrativa, acaba sendo contratado quem tem dificuldade de ingressar em outra carreira. E a rede pública precisa dos melhores profissionais", lembra a diretora da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz. "Falta vontade política de melhorar a escola pública. O Estado mais rico do País deveria pagar um salário digno", afirma o presidente do Centro do Professorado Paulista (CPP), José Maria Cancelliero.

Na rede estadual de ensino básico, o piso é de R$ 2.255 - valor maior do que o piso nacional, que é de R$ 1.567, mas menor do que o piso da rede da Prefeitura Municipal, onde o professor iniciante recebe cerca de R$ 2,6 mil. Por causa dos baixos salários, o governo paulista se encontra numa situação paradoxal. Desde 2011, foram realizados concursos públicos para preencher 34 mil vagas de professores dos colégios estaduais. Contudo, só aumentou em 1,5 mil o número de docentes efetivamente concursados. Na prática, isso significa que o problema dos professores temporários ainda está longe de ser resolvido.

Em novembro, o Estado realizará mais um concurso, para 59 mil vagas. A expectativa das autoridades educacionais é contratar pelo menos 20 mil docentes no próximo ano. Para os especialistas em educação pública, porém, há falhas de planejamento. "Não fizeram os concursos a tempo de suprir as reposições. Além das exonerações, tem as aposentadorias previstas. Organizar esse processo não é sofisticação. É o mínimo que se deveria fazer", afirma Ocimar Alavarse, ex-coordenador pedagógico da rede municipal de ensino público e professor da Faculdade de Educação da USP. Ele também questiona a qualidade dos docentes que serão selecionados no próximo concurso, por causa da dificuldade de se recrutar tantos profissionais de uma só vez. "Não se regulariza essa situação de uma só vez. Levará de cinco a dez anos para resolver", estima.

A falta de interesse pelo magistério público não é um problema que ocorre apenas no Estado de São Paulo. Atualmente, há um déficit de 170 mil docentes de Matemática, Física e Química. Mas os dados do Ministério da Educação revelam que esse problema tão cedo não será resolvido, pois o número de interessados em lecionar no ensino básico está caindo a cada ano. Entre 2006 e 2011, por exemplo, o número de alunos dos cursos de licenciatura e pedagogia caiu 7,5%. Esse é o preço que o País - cujo desenvolvimento depende da melhoria da qualidade da educação básica - paga pela falta de valorização do magistério público.