EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

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domingo, 8 de setembro de 2013

AS FACULDADES NA UTI





O Brasil tem mais cursos de medicina que os Estados Unidos. Com problemas de gestão, equipamento e professores, eles falham na formação dos nossos médicos

FLAVIA TAVARES, DE IPATINGA (MG), GRAZIELE OLIVEIRA, DE JOAÇABA (SC), MURILO RAMOS, HUDSON CORRÊA, MARCELO ROCHA E ANA LUIZA CARDOSO, COM LEANDRO LOYOLA

REVISTA ÉPOCA 07/09/2013 10h00


Durante dois anos e meio, a mineira Izabela Carvalhal, de 22 anos, frequentou um cursinho pré-vestibular para garantir uma vaga no curso de medicina da Universidade Gama Filho, então uma das mais conceituadas instituições privadas de ensino no Rio de Janeiro. Aprovada no vestibular de julho de 2011, Izabela fez as malas e desembarcou no campus do bairro de Piedade, onde a Gama Filho forma médicos desde 1965. Na manhã da última quinta-feira, Izabela assistia a uma aula de cardiologia de forma improvisada, no pátio da universidade. A derrocada do sonho de Izabela começou no final de 2011, quando o grupo Galileo Educacional assumiu a administração da Gama Filho. Com a promessa de reerguer uma universidade endividada, os novos gestores demitiram 600 funcionários e aumentaram o valor das mensalidades – a de medicina subiu de R$ 2.700 para R$ 3.500 mensais.

O efeito das medidas foi desastroso. Cresceram a inadimplência e a evasão de alunos. Professores e funcionários entraram em greve por atraso nos salários. No início de agosto, os alunos encontraram um aviso no portão: a Gama Filho estava fechada e as provas adiadas. O Ministério da Educação suspendeu os vestibulares. Desde então, 30 estudantes ocupam a sala da reitoria. Izabela não sabe se conseguirá o diploma. Nem ela nem nenhum dos cerca de 2.100 alunos do curso.

Por 40 anos, os alunos da Gama Filho tiveram aulas práticas na Santa Casa do Rio de Janeiro, hospital com mais de 500 leitos. No final de 2011, a direção da universidade demitiu 140 professores que também eram médicos do hospital. Seria o fim do ensino prático, se 40 professores não tivessem decidido trabalhar de graça para socorrer os alunos. A Gama Filho ofereceu como alternativa um pequeno hospital de 40 leitos, na Barra da Tijuca. Havia mais alunos de medicina que pacientes, e o projeto foi abandonado. Hoje, os alunos têm aulas práticas no hospital municipal de Piedade. “Nessa crise, por dó, a prefeitura ainda deixa os alunos estudar no hospital”, diz a estudante Fernanda Lopes Moreira. Até 2010, antes da crise, o curso de medicina da Gama Filho tinha nota 3, numa escala que vai de 1 a 5, no Conceito Preliminar de Curso (CPC) do Ministério da Educação. Chegou a ser um dos mais concorridos entre as faculdades privadas do Rio. Se fosse realizada uma nova avaliação neste ano, o conceito da Gama Filho certamente despencaria. A direção da faculdade diz que resolverá os problemas de caixa até setembro, quando pretende retomar as aulas.






O caso da Gama Filho é um exemplo extremo e dramático dos problemas sérios que envolvem a formação dos médicos no Brasil. Nas últimas semanas, o país debate a chegada de profissionais estrangeiros, a maioria cubanos, para trabalhar em locais distantes, onde não há profissionais. A solução, já adotada pelo Brasil no passado e por países como o Canadá, pode resolver um problema emergencial de falta de profissionais. Mas escamoteia um problema maior, estrutural, que se reflete nasaúde pública nacional: a qualidade da formação dos médicos. “O país não tem uma formação sólida na graduação médica”, afirma Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Cada vez mais, as escolas não formam adequadamente”, afirma Florentino Cardozo, da Associação Brasileira de Médicos (AMB). “Os médicos mais novos dominam muito conteúdo, mas de maneira trivial. Têm dificuldades em se aprofundar.”

Há uma queda sensível no nível de conhecimento dos alunos nos últimos 15 anos. A maioria dos especialistas no assunto associa o problema à proliferação das escolas. Existem hoje 202 cursos de medicina no Brasil. A primeira expansão na oferta ocorreu entre 1966 e 1969, quando foram criadas 22 escolas – só uma era privada. O segundo boom de cursos ocorreu entre 1996 e 2007, quando foram criadas 77 escolas, 52 delas particulares. A Índia é o único país com mais escolas de medicina que o Brasil – são 348. Os Estados Unidos, um país maior e mais rico que o Brasil, tem 141 escolas. “Houve um crescimento exponencial das faculdades nos últimos 20 anos, instituições desprovidas de corpo docente qualificado, a maioria sem hospital universitário”, afirma o professor Scheffer. “Isso criou muita desigualdade entre os cursos de medicina no Brasil.”

A formação em medicina tem peculiaridades. Os estudantes precisam tanto de ensino teórico de alto nível quanto de vasta e intensa experiência prática. No melhor dos mundos, os professores dão aulas na classe e atuam como médicos no hospital da universidade. Isso garante continuidade no ensino. Essa situação, no entanto, é cada vez mais rara. Os alunos são obrigados a buscar a prática em outros locais. “Ensina-se uma coisa em cada lugar, muitas vezes de maneira antagônica”, afirma o diretor da Escola Paulista de Medicina, Antonio Carlos Lopes. Nas universidades públicas, o maior problema é a falta e o mau estado de equipamentos. No caso das universidades federais, só nos últimos três anos os investimentos em equipamentos foram retomados.

Qualquer curso de medicina precisa ser aprovado pelo Ministério da Educação para começar a funcionar. Depois, são feitas avaliações a cada três anos. A fiscalização da qualidade é feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). No caso de medicina, há hoje 88 avaliadores, professores do ensino superior, encarregados de cumprir essa missão. As visitas dos técnicos às faculdades duram até três dias. A avaliação começa pela aplicação do Enade, um exame que mede o conhecimento dos alunos em relação ao que foi ensinado. Os resultados do Enade são considerados na composição de um índice de qualidade chamado Conceito Preliminar de Curso (CPC). Os indicadores de qualidade levam em conta aspectos como ensino, pesquisa, atividades extracurriculares, desempenho dos alunos e gestão. O curso recebe uma nota que varia de 1 a 5. Aqueles que obtêm 1 e 2 passam por uma supervisão mais rigorosa e são obrigados a corrigir falhas. Se as melhorias não forem feitas, é instaurado um processo administrativo – e os cursos são punidos.

Uma das punições é a proibição de vestibulares, como aconteceu com a Universidade Gama Filho. Pode chegar até à desativação do curso, como ocorreu no início deste ano na Universidade Vale do Rio Verde (Unincor), em Belo Horizonte. A fiscalização constatou na Unincor que faltavam professores e locais adequados para aulas práticas, além de haver deficiências no projeto pedagógico. Trezentos alunos foram prejudicados com o fim do curso. Na semana passada, ÉPOCA esteve em quatro universidades públicas e privadas para conhecer a realidade. Existem as que têm bons alunos e professores, mas estão em condições precárias – a maioria é pública. Há as particulares, que às vezes têm boas instalações e equipamentos, mas com alunos e professores abaixo da média. Outras, por fim, são um desastre de gestão, como a Gama Filho.

Os problemas
Trezes garotas paramentadas com pijamas cirúrgicos azul-royal, toucas e máscaras descartáveis observam, curiosas, os movimentos precisos do bisturi sem lâmina. A intenção não é realmente cortar o “doente”, interpretado pelo monitor da turma. A aula é de técnica cirúrgica, ministrada pelo cirurgião de cabeça e pescoço Orlando Barreto
Zocratto, no Instituto Metropolitano de Ensino Superior (Imes), em Ipatinga, Minas Gerais. Orlando ensina a fazer a limpeza do local a cortar e a posição do punho no momento da incisão. “Tudo isso que eu estou mostrando, vamos refazer no ambulatório, quando vocês forem para lá”, diz Orlando. O material brilha. O laboratório é amplo e arejado. O professor tem mestrado e doutorado. A infraestrutura garantiu ao Imes uma de suas maiores notas nas várias dimensões avaliadas pelos técnicos do Ministério da Educação. Os dois prédios da faculdade têm chão de granito, paredes bem pintadas de verde-claro e branco, salas com ar condicionado e cadeiras estofadas, elevadores. Os laboratórios são bem equipados. O de anatomia tem, entre outras peças, 18 corpos e 500 cérebros – quase um para cada um dos 600 alunos. O de habilidades médicas tem um manequim, carinhosamente chamado de Juan, que é possível entubar, desfibrilar e cuja pressão arterial pode ser aferida. Custou R$ 80 mil. A faculdade tem um ambulatório a 10 quilômetros dali, em Coronel Fabriciano, onde alunos e professores fazem atendimento gratuito.



Apesar de tudo isso, o Imes recebeu nota 2 no CPC, considerada insuficiente pelo Ministério da Educação, nas avaliações realizadas em 2007 e em 2010. As melhores notas do Imes nas avaliações do MEC vieram da infraestrutura. Mas, no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), o Imes se complicou. No primeiro, em 2004, a faculdade formava sua primeira turma de 11 médicos. A nota no Enade foi 5, a máxima, e o Imes se colocou entre as poucas escolas particulares do país a atingir esse patamar. Três anos depois, os alunos tiraram 2. Mais três anos, e outro 2. A reputação do Imes despencou. A escola chegou a reformular seu currículo. “Não importa o que você faça internamente, o que fica para quem está fora é esse número”, diz Eric Bassetti Soares, coordenador do curso de medicina. Hoje, dos 99 professores do Imes, apenas 29,8% são doutores e 37,6% mestres. O processo de seleção do corpo docente é pela indicação, pelo currículo e por uma aula-teste que o candidato ministra.

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Fazer um médico largar um consultório para encarar a sala de aula não costuma ser fácil, e as escolas particulares têm bons salários a oferecer. No Imes, um professor pode ganhar até R$ 18 mil por mês, valor impensável numa universidade pública, onde o mais graduado professor ganha cerca de R$ 10 mil mensais. Só que os discípulos também não são de ponta. “Ninguém escolhe primeiro uma faculdade particular”, diz Orlando. “O aluno daqui é o que não conseguiu passar na federal.” A estudante Mabelly Correa, de 20 anos, queria ser engenheira química. Desistiu no cursinho preparatório. Mudou para medicina, preencheu fichas de inscrições em várias federais, mas não passou. Optou por superar o preconceito que tinha com as faculdades privadas. Passou em 27o lugar em Ipatinga. Enfrentou uma concorrência de 28 alunos por vaga, que a faculdade só vê aumentar. “A prova foi muito difícil, não achei que fosse passar”, diz Mabelly. Ainda com esse perfil, os alunos que entram no Imes têm notas superiores à média brasileira no Enade. Num curso exigente como o de medicina, esse bom desempenho inicial às vezes não significa tanto.

A Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), na cidade de Joaçaba, abriu seu curso de medicina em 2004. Como no caso de Ipatinga, a faculdade impressiona pela qualidade das instalações. O curso oferece 60 vagas por semestre, e a primeira turma se formou no ano de 2010, quando o MEC reconheceu o curso. Desde então, 183 médicos se formaram. Em 2010, o curso recebeu nota 2 na avaliação do CPC do Ministério da Educação. Ficou entre os piores da Região Sul. Uma das razões da nota ruim foi a baixa quantidade de professores com mestrado e doutorado. A faculdade tem dificuldade em atrair profissionais qualificados para uma cidade a 400 quilômetros de Florianópolis. “Sabemos que não somos nota 2”, afirma o diretor de graduação da universidade, Ricardo Menezes. “Isso não reflete a realidade do que somos.” Após a emissão da nota pelo MEC, uma comissão estadual visitou a faculdade e atribuiu nota 4, próxima do conceito máximo.

O goiano Luiz Fernando Meireles, de 30 anos, está no último semestre de residência médica em urologia no Hospital Universitário de Brasília (HUB), ligado à Universidade de Brasília (UnB). “Há aqui médicos com especialização em Harvard, Oxford. Eles estudam demais e são bons mestres”, diz Luiz. “Tenho certeza de que não passariam vergonha se comparados com profissionais de qualquer lugar do mundo.” A empolgação cessa quando Luiz começa a falar da estrutura do hospital. A maior parte dos equipamentos está tão sucateada que alguns procedimentos não podem ser feitos. Isso interfere no aprendizado de Luiz e no atendimento dos pacientes. Luiz diz que gostaria de realizar mais cistectomias, uma cirurgia complexa, que consiste na retirada da bexiga de um paciente para a confecção de uma nova. Ele diz não poder realizar uma cirurgia dessas porque a UTI está fechada para novos pacientes. “Existem três pessoas na fila de espera da cistectomia, mas, sem a UTI, não é possível”, diz Luiz. “Temos de avisar aos pacientes para procurar outro hospital.”

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Como faltam profissionais, o próprio Luiz tem de esterilizar os materiais que usa e, às vezes, gastar seu próprio dinheiro para garantir o funcionamento de alguns equipamentos. Luiz é um dos três últimos médicos residentes que moram nas instalações do HUB. Seu quarto, com menos de 15 metros quadrados, fica no 2º andar do pequeno prédio da administração, castigado pelo tempo e por infiltrações. “As condições de moradia não são as melhores. Mas estou no hospital”, diz Luiz. “É uma pena que os novos residentes não tenham acesso a essa oportunidade que tenho. Se tivesse de pagar aluguel, estaria em dificuldades.”



Um andar abaixo daquele em que Luiz mora, trabalha Hervaldo Carvalho, cardiologista, clínico e intensivista, superintendente do HUB desde o final do ano passado. Ele tem uma visão otimista. “Vamos aumentar o número de leitos e exames”, afirma. Carvalho diz que não há mais condições para moradias de residentes no hospital, inaugurado em 1972, porque as diretorias que se sucederam decidiram seguir a tendência de dar mais espaço para áreas de atendimento e menos para moradias. Carvalho afirma que, apesar do aperto financeiro do hospital nos últimos anos, o aprendizado não ficou comprometido. “Nossos alunos são diferenciados. Estamos muito bem colocados em qualquer ranking”, afirma. Apesar do sucateamento do Hospital Universitário, a escola tirou nota 4 no CPC, por causa da qualidade do corpo docente. No rol de médicos mais conceituados formados na UnB está o oncologista Paulo Hoff, responsável pelo tratamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff.

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A falta de generalistas
O professor Scheffer é coordenador do estudo Demografia médica do Brasil. A versão mais recente da pesquisa é de fevereiro passado. Além de trazer um perfil sobre os profissionais da medicina, o levantamento traça cenários sobre as desigualdades na distribuição geográfica e na proporção de médicos entre os setores público e privado. Os números da pesquisa coordenada por Scheffer mostram que, bem ou mal formados pelas universidades, os médicos seguem o dinheiro. No Distrito Federal, onde está o maior PIB per capita do país – R$ 58.500 por ano –, está o maior índice de profissionais de saúde: 4,09 por grupo de 1.000 habitantes. No outro extremo está o Maranhão. Com o menor PIB per capita, R$ 6.900, tem apenas 0,71 profissional de saúde por grupo de 1.000 habitantes. Scheffer afirma que as escolas ajudam a multiplicar essa distorção porque oferecem cada vez mais cursos dirigidos para a medicina de alta tecnologia – e é nos grandes centros urbanos que está essa excelência. “As escolas formam para o mercado privado”, diz. Para Scheffer, o país só conseguirá mudar esse quadro com uma política baseada em atenção primária – aquele primeiro atendimento, muitas vezes preventivo, nos postos de saúde ou em domicílio.

O problema para implantar essa mentalidade é que poucos médicos optam por uma formação generalista, que os habilitaria a atuar na saúde pública e em locais carentes. Isso explica boa parte do problema que o governo pretende resolver agora com a vinda de profissionais estrangeiros. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, segue a mesma linha de raciocínio do professor Scheffer. Ele diz que a formação dos profissionais da saúde está muito centrada nos hospitais e na especialização. “(Os estudantes) têm uma identidade de já se sentir especialistas precocemente. Antes de entrar no curso, o estudante já quer ser especialista em alguma área (cardiologista, nefrologista, cirurgião)”, diz Mercadante. Os dados sobre residência médica confirmam a tendência. Sobram vagas em seleções de residência para pediatras e médicos de família. A concorrência é altíssima para as residências em oftalmologia e otorrinolaringologia. Outro exemplo: o Brasil forma excelentes cirurgiões plásticos, reconhecidos internacionalmente, mas poucos se dedicam à atuação na parte reparadora. A maioria prefere ingressar na rentável indústria das cirurgias estéticas em hospitais ou clínicas privados. “Promover saúde e vida e prevenir doenças não tem sido a dimensão central na formação dos profissionais médicos”, diz Mercadante.

Especializar-se ou seguir uma medicina mais generalista é uma escolha de cada profissional, que leva em conta a própria vocação e as variáveis de mercado. Não cabe à faculdade escolher. Mas os cursos ajudariam se fornecessem uma base sólida que permitisse maior precisão nos diagnósticos da atenção primária, até por razões econômicas. Médicos mal formados geram mais gastos. Entusiasta da boa conversa e do exame detalhado do paciente, associados à parcimônia no pedido de exames, o professor Antonio Carlos Lopes, da Escola Paulista de Medicina, afirma que os médicos se apoiam cada vez mais na tecnologia e menos na conversa e no exame clínico dos pacientes. Por causa dessa deficiência, pedem uma profusão de exames para evitar erros. “Os exames são subsidiários, não substituem o diagnóstico feito numa consulta detalhada e com o exame clínico”, afirma Lopes. De acordo com ele, 70% dos exames solicitados em São Paulo dão resultado normal – e nem precisavam ter sido feitos. No campo da saúde pública, essa conduta gera mais e mais gastos. Como os médicos mais fracos também erram mais em seus diagnósticos, os pacientes voltam mais vezes ao hospital em busca de cura. A consequência é, outra vez, o aumento no custo.

Em todo o mundo, a saúde custa caro. O Brasil está em 72º lugar no gasto público em saúde por pessoa. Dados da Organização Mundial de Saúde mostram que o Brasil investia, em 2010, US$ 571 por ano por pessoa. Em comparação, a Noruega gasta US$ 6.800, a Holanda investe US$ 4.800 e os Estados Unidos, que nunca foram modelo em saúde pública, US$ 3.966 por ano. A avaliação ruim da saúde é uma unanimidade em pesquisas de opinião no Brasil, onde 68% da população usa apenas o sistema público. Há anos, a saúde é a área em que os governos têm a pior avaliação de desempenho. Num levantamento feito pelo Ibope em janeiro de 2012, 61% dos entrevistados classificaram o serviço público de saúde como ruim ou péssimo e 85% não perceberam qualquer melhora no passado recente. A demora – e a dificuldade para ser atendido – é a principal reclamação. Apenas 10% dos entrevistados mencionaram a falta de equipamentos ou de médicos como a falha mais grave. Gastar mais, e melhor, é fundamental. Mas é preciso avaliar melhor a formação dos médicos e formular políticas de longo prazo, capazes de levar não apenas profissionais, mas bons profissionais, a todos os cantos do país. Para que eles possam atender com dignidade quem mais precisa – e quase nunca pode pagar por isso.



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