EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

quinta-feira, 28 de março de 2013

CASO FELIPE: ESCOLA NEGLIGENCIOU AO LIBERAR MENINO


Especialista diz que houve negligência de escola em liberação de menino em Barra do Piraí. João Felipe, de 6 anos, deixou colégio depois de telefonema, supostamente da mãe, afirmando que uma madrinha o pegaria para levá-lo a uma consulta médica. Criança foi morta no mesmo dia por manicure
CARLA ROCHA 
O GLOBO
Atualizado:26/03/13 - 23h18


A manicure Suzana de Oliveira que matou o menino João Eiras de Santana, de 6 anos
Montagem de fotos de arquivo pessoal


RIO — A advogada do Instituto de Educação Franciscana Nossa Senhora Medianeira, Tânia Maria Ferreira, admitiu que “houve uma certa negligência” na liberação do menino João Felipe Eiras Santana Bichara, de 6 anos, em Barra do Piraí, no Sul Fluminense, embora a escola acreditasse se tratar da madrinha do menino. A criança saiu mais cedo da escola na última segunda-feira. Ele deixou a escola religiosa de classe média da cidade depois de um telefonema, supostamente da mãe, afirmando que uma madrinha o pegaria para levá-lo a uma consulta médica. Logo depois, ele seria dado como desaparecido e, horas mais tarde, achado morto dentro de uma mala. João foi vítima de uma farsa cujo objetivo era atingir uma família tradicional da cidade. Manicure, Suzana do Carmo de Oliveira Figueiredo, de 22 anos, que confessou o crime, estaria inconformada com o fim de um romance que tivera com o pai do garoto, um empresário da cidade, e queria vingança.

— Como vários pais têm o hábito de mandar pegar seus filhos de táxi e ela deu informações muito precisas, parecendo ser da família, a criança foi entregue — afirmou a advogada. — A pessoa que entregou o menino trabalha há dez anos no colégio e está em choque.

A repercussão do episódio reacendeu a discussão sobre a segurança na entrada e na saída de alunos em escolas do Rio. Entre os colégios que adotam medidas mais rigorosas, está o Marista São José, na Tijuca, Zona Norte do Rio. O diretor, Édson Antônio de Souza Leite, explicou que os pais não têm acesso à área da escola. Eles aguardam do lado de fora e sempre devem apresentar identidade. Logo no início do ano, as famílias são convocadas a listar por escrito as pessoas, com os respectivos documentos de identificação, que estão autorizadas a ir buscar os alunos. Só depois do 8º ano, com a autorização dos pais, os alunos podem voltar sozinhos para casa.

— E, mesmo em casos excepcionais, quando a mãe liga dizendo que uma pessoa que não está cadastrada vem buscar a criança, temos um Núcleo de Apoio ao Estudante que telefona em seguida para fazer todas as confirmações, antes de liberar a saída do aluno — diz Édson.

Na Gávea, o Colégio São Vicente de Paulo também adota medidas para garantir a segurança. O coordenador pedagógico, Élcio Alvim, que cuida de alunos do 6º ao 8º ano, explica que inspetores estão sempre na porta fazendo o controle:

— Pode ser parente, mas, se não estiver autorizado, não pega a criança. Os imprevistos têm que ser informados por escrito, escaneados e enviados à escola. Se houver necessidade, o caso poderá suscitar um novo debate com os pais.

quarta-feira, 27 de março de 2013

NÃO PEÇAM AJUDA AOS UNIVERSITÁRIOS

JORNAL DO COMERCIO 27/03/2013


Gilnei Lima


Perguntem aos estudantes de hoje quem foi o chamado Águia de Haya? Quem escreveu a Ilíada? Qual foi a primeira capital do Brasil? Que cantem o Hino Nacional. Quem o compôs? Vejam bem, não estou me alçando à condição de ter qualificação para tais questionamentos, porém me permito confortavelmente emitir opinião própria e bem consolidada. Sem fazer crônica pessoal, meus pais fizeram o que de melhor poderiam ter feito por mim: estimularam a buscar cultura e desenvolver um mínimo de erudição. Humildes, funcionários públicos, ambos estudaram Filosofia. Meu pai mergulhou nos estudos da Teologia. Minha mãe foi buscar cultura nas pós-graduações em História das Civilizações e Estudos dos Problemas Brasileiros (Pucrs-1973 e foi fichada no DOPS). Havia centenas de livros em casa. Um mundo de conhecimento, questionamentos e provocações à disposição. Isto não me tornou um bom comunicador no rádio, nem me promoveu a cronista ou escritor de elevada composição. Enveredei pelos caminhos da engenharia, sonho paterno por conta da ferrovia, mas que nunca me deram a satisfação necessária para imprimir minha marca neste cenário. Tardiamente, reconheci que as palavras e conteúdos fundamentados no prazer de saber, questionar, duvidar e curvar-me diante daqueles que têm notório saber, eram o caminho inevitável em minha trajetória.

Então virá dos senhores a pergunta: E o que isso tudo têm a ver com as notícias sobre o Enem? Poderia ser nada, não fosse o fato de distinguirmos educação de ensino e cultura. Eu recebi educação (em casa) para aproveitar meu tempo para adquirir cultura (por estímulo), por meio do aprendizado livre e do ensino formal. Confesso que obtive mais do primeiro. Na Escola de Engenharia, nas aulas de Metodologia e Lógica, acabei por descobrir e entender que as metodologias desgastadas nunca terão lógica alguma. Por isso deixo apenas uma singela sugestão: não peçam ajuda aos universitários!

Radialista e graduado em engenharia

ROTINA DE ATAQUES EM ESCOLA

ZERO HORA 27 de março de 2013 | N° 17384

Seis arrombamentos no ano

Em vez de de mochilas, cadernos e lápis, alunos da Escola Estadual Alvarenga Peixoto, na Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, empunhavam cartazes de protesto ontem. Exigiam segurança, ao menos para que possam voltar a estudar. É que, desde a manhã de segunda-feira, quando foi constatado o sexto arrombamento do colégio desde o começo do ano, as aulas foram suspensas.

Conforme a direção, a escola ficará fechada hoje. A perspectiva é de que os 800 estudantes do Ensino Fundamental só voltem às salas na segunda-feira. Cerca de 200 pessoas – entre alunos, professores e pais – protestaram diante dos portões fechados da escola. Depois, saíram em caminhada pelas ruas. No último ataque, os bandidos invadiram a escola no final de semana passado, abriram buracos no forro e limparam armários e refrigeradores. Toda a merenda do mês foi furtada. Os ladrões também levaram um computador, scanner, impressora, uma TV e um aparelho de som.

– É uma vergonha fazerem isso com as crianças. Fizeram horrores com a nossa escola. O que não conseguiram carregar, espalharam pelo chão. Eu só não entendo para que fazer isso. Quem sofre somos nós, sem aula – lamentava Katrine Mirela Rodrigues, 12 anos, estudante do sexto ano.

Ela carregava dois cartazes exigindo providências para a escola. A primeira atitude partiu da própria diretora, que convidou a Secretaria Estadual de Educação para o protesto, mas ninguém apareceu.

– Sem merenda, não temos como receber as crianças. Essa é uma comunidade carente e muitas vezes a única alternativa para as crianças é exatamente a escola. Mas do jeito que está, fica complicado demais. Precisamos de mais segurança – argumenta a diretora, Kátia Elizabeth Schirmer.

Segundo ela, houve inúmeras invasões de vândalos nos dois prédios antigos da escola em 2013. A marca de seis arrombamentos representa apenas os casos registrados na polícia.

– Muitas vezes invadem a escola e fazem pequenos vandalismos, nem vale a pena registrar – comenta.

Ao menos a primeira parte da solução já deve ser tomada hoje pela Secretaria da Educação. Foram antecipados os recursos mensais para a alimentação escolar da Alvarenga Peixoto. Ainda na tarde de ontem, o governo fez reunião com os representantes da escola para discutir alternativas à segurança.

EDUARDO TORRES

terça-feira, 26 de março de 2013

DIRETORA AGREDIDA POR ALUNO DESABAFA EM REDE SOCIAL


“O agressor sai de cabeça erguida, olhando para trás e rindo. Não só do agredido, mas de cada um de nós”

Estudantes acabam brigando em manifestação em favor da profissional

MARIA ELISA ALVES 
O GLOBO
Atualizado:26/03/13 - 5h00




Estudantes protestam contra violência em escola de Piedade onde diretora foi agredida Maria Elisa Alves / O Globo


RIO — O encontro entre um adolescente rebelde, aluno de um projeto para alunos com defasagem idade-série, e uma profissional tida como durona terminou em agressão, na última quinta-feira, na Escola Municipal João Kopke, em Piedade, na Zona Norte. A diretora Leila Soares foi empurrada e recebeu um soco no rosto após repreender um estudante de 15 anos que brincava de brigar no pátio. Leila publicou um desabafo sobre a agressão sofrida em sua página no Facebook.

“O agressor sai de cabeça erguida, olhando para trás e rindo. Não só do agredido, mas de cada um de nós”, diz trecho do depoimento da diretora.

Na segunda-feira, a violência foi do lado de fora da escola: alunos que faziam uma manifestação a favor da diretora tiveram seus cartazes rasgados por amigos do agressor. Na confusão que se armou, um deficiente físico levou dois socos no rosto.

— Aqui do lado de fora sempre tem briga, mas agressão ao diretor foi a primeira vez — disse Miguel Maciel, de 12 anos, aluno do 7º ano, mesma série do agressor.

Segundo os alunos, Leila flagrou o aluno brigando de lutar com um amigo. Ela mandou que eles parassem e teria sido empurrada pelo aluno. Leila avisou que iria ligar para a mãe do jovem e para a Ronda Escolar, da Guarda Municipal. Diante da ameaça, o rapaz teria dado um soco no rosto da diretora.

A diretora e o aluno foram para a 24ª DP (Piedade), onde Leila contou que o estudante, após tê-la socado, saiu rindo pelo corredor. Como estava com muita dor no ouvido, ela foi encaminhada ao Hospital Salgado Filho. Depois ela foi ao Instituto Médico-Legal fazer exame de corpo delito, que não apontou lesão externa. Mas, como ela continuou sentido dores, será feito um exame complementar.

Segundo a delegada Cristiane Carvalho, Leila não apresentava hematomas, mas estava muito abalada. O estudante, morador do Morro do Adeus, foi autuado por fato análogo a lesão corporal. A mãe do adolescente se comprometeu por escrito a levá-lo à Vara da Infância e da Juventude, onde ele deverá ser punido com uma medida socioeducativa, que pode ir da advertência verbal à internação compulsória.

— A mãe estava irritada e disse que não iria mais procurar colégio para ele, dando a entender que ele já tinha tido problemas antes. Ele admitiu na delegacia ter dado um soco na diretora e não demonstrou arrependimento — disse a delegada.

Desde 2003, 53 agressões

Em nota, a Secretaria municipal de Educação disse que o aluno foi transferido para outra escola e que aplicou o Regimento Escolar Básico do Ensino Fundamental. E disse ainda que a diretora, que está na escola desde 2009, ficará em licença por dez dias. A secretária de Educação, Claudia Costin, classificou o fato de “triste e lamentável”. Segundo dados da secretaria, desde 2003, foram registradas 53 agressões — verbais e físicas — de alunos a professores que resultaram em sindicâncias.

Wiria Alcântara, diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Ensino, observa que agressões dentro de escola têm sido cada vez mais rotineiras:

— As crianças estão muito violentas, refletindo o que acontece na sociedade. E as escolas não estão preparadas.

Depoimento da diretora

“Quantas vezes nos indignamos quando sabemos de casos de agressões a colegas, profissionais como nós. Mas não nos indignamos o suficiente por acharmos que ainda está muito distante...

De repente, chega a nós.

O corpo dói. Mas a dor vai passando com gelo, analgésico, remédios...

O coração, este fica tão apertado que parece que sobra espaço em torno dele de tão pequeno. Este espaço é preenchido com dor. Que não tem remédio.

(...) Sofremos nós, nossos parentes, nossos amigos, nossos companheiros.

Sofre uma sociedade inteira que vive temerosa porque não temos quem nos proteja.

O agressor sai de cabeça erguida, olhando para trás e rindo. Não só do agredido, mas de cada um de nós. Ri do erro...

Ri da sociedade que fica refém enquanto ele continuará empurrando, xingando, ameaçando, chutando, socando...

(...) Quem somos nós, Educadores? Somos aqueles de quem ri o que sai impune, olhando para trás e rindo.

Serei só mais uma? Ou a última?”

ALFABETIZAÇÃO DIGITAL

ZERO HORA 26 de março de 2013 | N° 17383

EDITORIAIS

As escolas gaúchas dos setores público e privado, em muitos casos, ainda nem conseguiram alcançar um mínimo de eficiência no aprendizado tradicional – o que inclui ler, escrever e fazer cálculos básicos na idade adequada – e já estão diante do desafio de incluir em seus currículos o ensino de linguagem de programação de computadores. Influenciadas por uma campanha lançada nos Estados Unidos, cada vez mais instituições de ensino começam a se voltar para a alfabetização digital, mesmo tendo que vencer deficiências de infraestrutura e a carência de professores especializados. Um ensino que pretenda se manter em sintonia com as exigências do século 21, porém, precisa se preocupar cada vez mais em adequar seu currículo aos desafios que surgem numa velocidade sempre superior à capacidade de adaptação das escolas de maneira geral.

O que importa, no caso, não é se o conhecimento de linguagem de computação, num futuro próximo, será ou não tão importante quanto ler e escrever. Ainda assim, as instituições de ensino precisam estar permanentemente atentas às mudanças impostas pela realidade do mercado, evitando que o ambiente escolar e o externo se mostrem como mundos à parte.

A particularidade de o mercado prever um futuro promissor para os profissionais da área favorece a tendência, que tem outras razões fortes para se consolidar. Entre elas, estão aspectos como o de que a computação favorece o raciocínio e o desempenho em outras disciplinas, além de estimular a criatividade e contribuir inclusive para o aprendizado de outras línguas, particularmente a inglesa.

É importante que esse movimento ainda incipiente não se limite à robótica, por meio da qual os alunos comandam a movimentação de robôs. A iniciativa precisa contemplar a diversidade de linguagens, como forma de assegurar um novo patamar para o ensino, sem prejuízo do enfrentamento de carências que ainda persistem na educação de maneira geral.

BOM EXEMPLO

ZERO HORA 26 de março de 2013 | N° 17383

VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Colégio de Caxias dá bom exemplo contra bullying




Uma ação simples desenvolvida na Escola Municipal Ruben Bento Alves, em Caxias do Sul, conseguiu praticamente zerar casos de bullying e de violência no colégio. Há quatro anos, o professor Adilson Martins Correa, 48 anos, tem a tarefa de monitorar os estudantes em busca de atitudes que possam caracterizar violência.

Oeducador foi convidado pela Secretaria Municipal da Educação a desenvolver o trabalho porque o espaço registrava grande índice de violência. Na entrada e na saída de alunos, no recreio ou em atividades em grupo, ele está lá. Com o tempo, conquistou a confiança das crianças, requisito para combater o bullying e outras formas de violência. Correa percebe qual aluno deve ser acompanhado e avalia se os pais precisam ser chamados. O docente não espera que os alunos peçam ajuda.

Além da observação, o professor desenvolveu técnicas para inibir o ingresso de armas na escola. Ao suspeitar que algum estudante traz arma junto ao corpo, por exemplo, a medida não é revistá-lo – ação que poderia expor o jovem caso a suspeita não se confirmasse. Prefere dar um abraço ou trocar cumprimentos.

Além da redução da violência, o trabalho faz com que as crianças tenham mais confiança na escola e, por conta própria, peçam ajuda quando se sentem ameaçadas.

PIONEIRO

segunda-feira, 25 de março de 2013

NOTA 10 COM ERROS LEVES DE ORTOGRAFIA

ZERO HORA 24/03/2013

ENTREVISTA

“Pode ter uma nota 10 com leves erros de ortografia”
Vânia Brito Supervisora do Enem/RS


Uma das oito supervisoras do Enem no Estado, a professora Vânia Brito nega ter repassado para os corretores do Enem a orientação de fazer vista grossa aos erros nas redações durante encontro ocorrido em 11 de novembro. Na avaliação dela, as declarações feitas por participantes da reunião seriam decorrentes de má interpretação das discussões. Confira trechos da entrevista concedida, por telefone, a ZH:

Zero Hora – Avaliadores disseram ter recebido instruções para relevar os erros nas redações. Foi repassada essa orientação?

Vânia Brito – Antes de ser supervisora, sou professora, e temos consciência de um trabalho sério. Jamais diríamos para professores de português fazerem vista grossa para aprovar alunos. Todas as orientações que passamos foram dentro do manual. Às vezes, a gente observa que um corretor avaliou com notas baixas uma redação que, no todo, estava bem na estrutura linguística, dentro do tema. Quando eu faço a leitura, posso achar que aquela redação merecia uma nota não tão baixa. Isso se passa aos corretores, não no sentido de pressioná-los a dar notas altas.

ZH –As professoras disseram que a orientação era para não serem rigorosas, e que se fossem poderiam ser excluídas do processo.

Vânia – Nada foi dito nesse sentido. Como o professor é avaliado pelo Cespe diariamente, ele pode ser alinhado se não estiver bem de acordo. Se não se alinhou, vai ter pontuação mais baixa e poderá ser excluído, mas não por dar nota baixa.

ZH – Que instruções podem ter dado margem a essa interpretação de tolerância com os erros?

Vânia – Nunca se falou em tolerância, mas em análise criteriosa da redação como um todo. Pode ter nota 10 com leves erros de ortografia. A norma prevê que, se é uma ótima redação, pode ter algum errinho.

ZH – Ser menos exigente?

Vânia – Não ser menos exigente, ser correto, dentro das competências que temos de analisar.

ZH – Por que a senhora acha que houve essa polêmica com as participantes da reunião?

Vânia – Talvez não tenha ficado bem clara alguma coisa. A professora coloca que os corretores não precisavam apresentar titulação. Essa é a maior discrepância. Porque todo avaliador tem que ter titulação. O Cespe não recebe quem não tem habilitação. Só por isso aí se vê quanta coisa está falha nessas declarações. Como foi anônimo, não se pode nem saber se foram realmente corretoras.

ZH – As coordenadoras teriam dito que também não concordavam com as orientações.

Vânia – De forma alguma. Não estaríamos lá se não concordássemos.

ENEM: SUCESSÃO DE ERROS

ZERO HORA 24 de março de 2013 | N° 17381

“Aquilo era uma palhaçada”. Professoras revelam como foi a reunião de novembro de 2012 que iniciou a polêmica sobre a correção das redações do Enem

LETÍCIA DUARTE

Quatro meses antes da polêmica sobre a avaliação das redações do Enem eclodir em todo o país, as regras já provocavam divergências no Rio Grande do Sul. Realizada no dia 11 de novembro, no auditório da Farsul, a reunião que orientou a forma de correção no Estado foi marcada por debates acalorados.

Com o compromisso de terem suas identidades preservadas, três participantes contaram a ZH os bastidores do encontro, que se estendeu das 8h30min às 17h daquele domingo.

Reunidos no auditório lotado (a capacidade é para 150 pessoas), os presentes assistiram à apresentação em powerpoint conduzida por Vânia Brito e outras cinco supervisoras previamente capacitadas pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos, da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), que aplicou a prova do Enem com a Fundação Cesgranrio.

Cada coordenadora chefiava grupos de aproximadamente 20 corretores e havia passado por um treinamento no dia 18 de outubro, em Brasília.

Orientação para tolerar erros e considerar esforço do aluno

O objetivo da reunião do dia 11 era repassar as orientação de Brasília. Era o primeiro encontro de todos os corretores no Estado, após dois meses de treinamento online conduzido pelo Cespe. Ninguém do Ministério da Educação (MEC) participou. Segundo as três participantes ouvidas por ZH, as instruções foram para tolerar erros e considerar o contexto e o esforço do aluno.

– Diziam para ficarmos no meio-termo. Se tivesse bom conteúdo, era para relevar erros de português – contou uma avaliadora.

As instruções suscitaram questionamentos. Um surgiu quando, apesar de o Enem exigir um texto argumentativo-dissertativo, os corretores teriam sido orientados a considerar poemas, se percebessem uma “argumentação subjacente”. Também contrariando o manual do concurso, que prevê um mínimo de 15 linhas para a redação ser válida, deveriam ser corrigidos textos a partir de sete linhas.

– Quando questionamos, as coordenadoras disseram que pensavam da mesma forma, mas foram orientadas em Brasília. Algumas disseram: “Estamos surpresas e indignadas como vocês, mas a ordem é esta”. Falei que aquilo era uma palhaçada e saí antes – contou uma participante.

Confira o depoimento de três professoras sobre a reunião:

Eles diziam para não ser tão exigente, mas vai do avaliador. Eu cheguei a zerar prova e não tive bloqueio no sistema. Tem problemas, sim, mas tudo depende da pessoa que corrige. Alguns erros são inaceitáveis. Nas correções, eu vi textos em que a pessoa nunca poderia ter terminado o Ensino Médio, sem estrutura de parágrafo, sem conseguir desenvolver uma ideia, problemas de escrita gravíssimos, praticamente analfabetos. Aí a gente tinha que dar nota mínima. Zerava só se fugia do tema ou estava em branco.” - PROFESSORA HÁ 30 ANOS, CORRIGIU 3 MIL REDAÇÕES

“Houve muita revolta na reunião, mas muitas pessoas são contrárias à nossa atitude de falar, acham que não tem que mexer com isso, porque precisam do trabalho. Muitas têm receio de aparecer. O encontro era dirigido pelas coordenadores de cada grupo, mas nada é muito claro. Pelo que a gente sabe, elas não têm vínculo direto com o MEC, são pessoas que entram por indicação e depois vão chamando outras pessoas. Elas ganham salários para montar o grupo, e em cada grupo tem umas 20 pessoas.” PROFESSORA HÁ 12 ANOS, CORRIGIU 3 MIL REDAÇÕES

“Eu fiquei chocada com a desorganização, é uma bagunça. Não quero mais participar porque não é sério. Os critérios são muito subjetivos. Eles diziam para dar nota pensando em qual foi a intenção do aluno, pensando que ele queria fazer tudo certo, não no que ele tinha feito. Eu não quero mais ser chamada, mas há muitos avaliadores que precisam muito do dinheiro, em um mês são R$ 5 mil. “ PROFESSORA HÁ 10 ANOS, CORRIGIU 1.050 REDAÇÕES

Das denúncias às mudanças. 

- O jornal O Globo revela que alunos responsáveis por erros crassos de ortografia e concordância receberam notas elevadas na última edição do Enem. Redações com erros como “rasoavel”, “enchergar” e “trousse” tiveram nota máxima. Em seguida, vêm à tona os casos de um aluno que inseriu uma receita de miojo no texto e obteve nota 560 (de um total de mil), e de outro que incluiu o hino do Palmeiras na redação e ganhou 500 pontos.

- Duas avaliadoras gaúchas rompem um pacto de sigilo e revelam bastidores da correção das provas. Em entrevista ao programa Gaúcha Repórter, da Rádio Gaúcha, uma delas contou que os avaliadores foram orientados a não serem rigorosos nas correções. No mesmo dia, outra professora disse a ZH que a orientação seria fazer “vista grossa” aos erros para “aprovar o maior número de pessoas”.

- O Ministério da Educação (MEC) nega a orientação para abrandar as correções e anuncia mudanças para o próximo exame. Entre elas, a submissão das redações com nota máxima a uma banca e a anulação de redações que contenham brincadeiras.



LINGUAGEM DE PROGRAMAÇÃO

ZERO HORA 24 de março de 2013 | N° 17381

UMA NOVA DISCIPLINA

Campanha na internet encabeçada por personalidades como Bill Gates, fundador da Microsoft, estimula a chamada “alfabetização digital” nas escolas. E já há colégios no Rio Grande do Sul que incentivam alunos a falar a língua das máquinas.

Adisseminação das tecnologias digitais deixou as escolas à beira de uma revolução. Um número crescente de especialistas argumenta que não basta preparar os estudantes do século 21 para ler, escrever ou fazer contas: é preciso ensiná-los a programar computadores. Nos Estados Unidos, celebridades se uniram em uma campanha em defesa da chamada “alfabetização digital”, e que já provoca reflexos no Rio Grande do Sul.

Personalidades como o fundador da Microsoft, Bill Gates, e o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, figuram em um vídeo divulgado na internet que defende o ensino de linguagem de programação – códigos que mesclam letras, números e sinais gráficos para dizer aos computadores e dispositivos digitais que ações realizar, como enviar e-mails ou rodar jogos.

Para os defensores da ideia, nos próximos anos será tão importante falar a língua das máquinas como hoje é fundamental ler e escrever. Duas razões sustentam a iniciativa: faltam programadores no mercado de trabalho – a defasagem deverá chegar a 1 milhão de pessoas em 2020 nos EUA –, e educadores apontam que aprender a lógica da computação ajuda o raciocínio, melhora o desempenho em outras disciplinas e estimula a criatividade.

– Quando o aluno aprende a linguagem do computador para dizer a ele o que fazer, muda tudo. A máquina se transforma em um laboratório – concorda a coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Léa Fagundes.

O problema é como disseminar essa cultura no país, o que exige treinar professores e dar infraestrutura. Hoje, a modalidade de programação mais ensinada em escolas públicas e privadas é a robótica, na qual os alunos comandam a movimentação de robôs por meio de códigos inseridos no computador. Na rede municipal de Porto Alegre, por exemplo, 35 escolas treinaram professores de disciplinas variadas para usar esse recurso e seguem com ele no currículo.

Misto de pedagogia com informática

Também existem softwares, mais voltados para crianças, usados para apresentar a lógica da computação aos alunos. Eles permitem que o usuário insira comandos que criam figuras, movimentam personagens e possibilitam a elaboração de desenhos, narrativas e jogos. O maior desafio do sistema escolar está no ensino das linguagens de programação propriamente ditas, utilizadas para criar páginas na internet, aplicativos e jogos (conheça as principais na página 27). Uma das barreiras é a falta de professores especializados.

– O ideal é que combinassem o curso de pedagogia com especialização em informática, ou o contrário – afirma o mestre em computação e diretor de escola de computação Rodrigo Losina.

No país, conforme dados de 2010, há 79 cursos de licenciatura em computação, que preparam educadores para lecionar sobre esse tema. Mas formam menos de 700 profissionais por ano.

– Isso é muito abaixo do necessário – sustenta o doutor em computação e professor da UFRGS Daltro José Nunes.

Como resultado, segundo Losina, há uma tendência de aumento no número de alunos adolescentes em cursos de linguagens de programação oferecidos por escolas de computação. Mas a campanha americana já inspira instituições como o colégio Sinodal, de São Leopoldo, a investir mais na linguagem dos computadores. A instituição leciona robótica, mas pretende ampliar o ensino para que os estudantes aprendam a criar projetos mais variados.

– Inspirados pela campanha, vamos introduzir o ensino de outras linguagens, voltadas para a criação de jogos e aplicativos – conta o professor de Educação Digital Jorge Jardim.

A intenção é usar a computação para que os jovens de hoje programem seu futuro.

MARCELO GONZATTO


Alunos vão do jogo de tabuleiro ao computador
No Colégio Evangélico Alberto Torres, de Lajeado, os alunos começam a se familiarizar com os comandos utilizados para fazer funcionar os computadores na 5ª série do Ensino Fundamental. O primeiro contato com o mundo dos códigos, porém, é feito longe da máquina.

Antes de sentar diante da tela, eles recebem noções básicas sobre os padrões da linguagem digital por meio de um jogo de tabuleiro que a própria professora de Informática Educativa Vania Sberse mandou construir.

– Temos dados com números e com comandos básicos de programação, que são utilizados em um jogo. Depois, eles usam esse conhecimento no computador – explica a educadora.

A combinação dos números com os comandos dos dados indica que caminho uma tartaruga deve seguir no tabuleiro. Em um segundo momento, Vania utiliza um software chamado Super Logo que se utiliza de uma lógica semelhante para que os alunos possam inserir códigos e criar, por meio deles, figuras geométricas específicas como quadrados ou escadas.

– Alguns estudantes não gostam muito, mas outros gostam tanto que vão para casa, baixam o programa nos próprios computadores e, na aula seguinte, começam a mostrar coisas que aprenderam a fazer sozinhos – conta a professora.

Vania afirma que o trabalho de programar o computador para gerar figuras geométricas, que leva o estudante a aprender com base no sistema de tentativa e erro, estimula o raciocínio e favorece o aprendizado em geral.

Estônia é referência mundial

Um país europeu com apenas 1,2 milhão de habitantes se adiantou a grandes potências e colocou em prática um plano de ensino de programação nas escolas. A Estônia, no leste da Europa, oferece aulas de computação desde o 1º ano do Ensino Fundamental e pode inspirar projetos em países como o Brasil. A Estônia virou uma das referências mundiais nessa área no ano passado, quando uma entidade ligada ao governo, a Fundação Salto do Tigre (Tiigrihüppe Sihtasutus), lançou um projeto com os seguintes princípios:

- A adoção do programa pelas escolas é opcional

- A fundação fornece material de apoio para as aulas

- Os professores são treinados por meio da internet

A coordenadora de Promoção das Tecnologias de Informação e Comunicação da fundação estoniana, Signe Rosin, afirma que o treinamento dos professores, ainda em andamento, começou pelos educadores das séries iniciais. Mas o programa abrange todos os 12 anos da educação básica no país e, se a escola não quiser integrar a computação de maneira formal no currículo, pode criar uma atividade extracurricular.

– Nossa ambição é dar a todas as escolas a oportunidade de integrar a programação ao currículo ou lançar um clube de programação. Nosso mote é educar as crianças para que, em vez de serem usuárias de softwares, se tornem criadoras de novas tecnologias – afirmou Rosin em entrevista concedida por e-mail.

Os alunos mais novos se familiarizam com a lógica de programação por meio de softwares gratuitos como o Scratch (leia mais na página ao lado). Em um segundo momento, passam a ter aulas de robótica. Os mais velhos aprendem a criar páginas e aplicativos na internet. A coordenadora de pesquisa da Fundação Pensamento Digital, Marta Voelcker, entende que o uso de softwares como o Scratch, também presentes em alguns colégios brasileiros, são um bom caminho para introduzir o ensino de programação. Uma das vantagens, na visão da especialista, é que esses programas podem ser utilizados por professores de qualquer área, mediante um treinamento simples:

– O ideal é que o uso dessas ferramentas fosse incorporado pelas disciplinas, não ficar restrito às aulas de informática. Até o professor de arte poderia usá-las.

Por que programar?

BENEFÍCIOS

- Ajuda o aluno a pensar de maneira lógica, ao ser obrigado a dominar a linguagem necessária para transmitir comandos às máquinas;

- Impacto positivo no aprendizado em geral, especialmente em disciplinas exatas;

- Estímulo ao aprendizado de inglês, ao aplicar comandos e procurar mais informações sobre as linguagens utilizadas;

- O domínio da linguagem de programação abre portas para um mercado de trabalho em expansão dentro de fora do país;

- Aumento da atratividade exercida pela escola ao oferecer uma atividade que combina características lúdicas e tecnológicas;

- Oportunidade para desenvolver a capacidade de trabalhar em grupo.

DESAFIOS PARA INCLUSÃO NA ESCOLA

- Superar o conceito atual das aulas de informática em que os computadores são usados para ensinar o uso de programas já prontos, ou como ferramenta para disciplinas tradicionais – e não para o ensino de programação;

- Equipar todas as escolas com um número suficiente de computadores e acesso à internet;

- Capacitar um número suficiente de professores para orientar as aulas.


Quando computação e inglês ficam lado a lado

Um colégio de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, revela um exemplo de como o ensino de linguagens de computador pode ser incorporado ao currículo escolar. Há dois anos, os professores de informática e inglês dividem a mesma sala de aula: enquanto o primeiro ensina os alunos a construírem uma página da internet, o segundo aproveita a oportunidade para reforçar o conhecimento sobre o idioma estrangeiro.

Na quarta-feira passada, na terceira aula do ano, a turma da 8ª série da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo (IENH) já conseguia criar páginas com texto, foto e cor de fundo utilizando comandos de HTML e CSS (linguagens destinadas a desenvolver sites). Ao digitar comandos específicos no computador, alteravam o tamanho do texto, o tipo de letra utilizado, e escolhiam uma imagem para ilustrar o trabalho.

– Os alunos ficam muito motivados porque podem incrementar seus próprios blogs – comenta o professor de tecnologia da informação Nilson José Reiter, que é formado em Letras com especialização em Informática na Educação.

Os códigos que dão forma e conteúdo aos seus projetos são baseados no inglês – o comando para indicar o título da página, por exemplo, é “title”. Além disso, muitas vezes os estudantes utilizam materiais de consulta que também são escritos nesse idioma. Por isso, a professora Daniele Bolzan divide o espaço do laboratório de informática. Os alunos gostam da iniciativa.

– Acho muito legal aprender computação porque posso mexer no meu blog – conta a aluna Júlia Stelzer, 13 anos.


PERGUNTAS E RESPOSTAS

Tire dúvidas sobre a aplicação prática do ensino de computação nas escolas: Com que idade a criança pode começar a aprender programação?
Depende do interesse e do desenvolvimento de cada criança. Países como a Estônia estabeleceram o ensino formal a partir dos sete anos.

A escola do meu filho não ensina programação, embora ele tenha interesse. O que ele pode fazer?
Se for criança, pode começar a se familiarizar com a lógica da computação por meio dos softwares de criação, citados no quadro desta página (ao lado) e que podem ser baixados da internet de graça. Se for adolescente, pode escolher uma linguagem que esteja mais de acordo com o interesse dele (confira algumas das mais comuns no mesmo quadro) e fazer um curso em uma escola de computação. O preço varia. Pode custar cerca de R$ 300 ou mais de R$ 3 mil, por exemplo.

A ideia da campanha americana é que todo aluno vire programador?
Não. Para virar programador é preciso um curso de longa duração. Para isso, há opções até no Ensino Superior. A intenção é ensinar noções básicas para que o estudante consiga realizar tarefas simples e, caso se interesse, continue estudando e siga carreira.


ENTREVISTA. “Equiparar programação a ler e escrever não é bom”

Jeff Atwood/Programador e blogueiro



Criador do site de perguntas e respostas Stack Overflow, Jeff Atwood é uma das principais vozes nos EUA contrárias à visão de que aprender a programar computadores será tão importante quanto saber ler e escrever. Em entrevista concedida por e-mail, ele sustenta que é importante saber como a internet funciona, mas não transformar estudantes em programadores:

Zero Hora – O que o senhor acha da ideia de ensinar codificação para crianças e adolescentes nas escolas?

Jeff Atwood – É importante ser apresentado aos códigos, especialmente, à internet e a como usá-la adequadamente e com segurança.

ZH – O senhor já se manifestou contra o ensino da programação de computadores nas escolas. Não é importante saber pelo menos o básico sobre isso, já que os computadores estão por toda a parte?

Atwood – Ser apresentado à codificação é bom. Mas equiparar o aprendizado de programação a ler e a escrever não é bom. Nem todo mundo precisa ser um encanador, ou um mecânico de automóveis. As pessoas precisam apenas saber como a água chega na casa delas, e ter noções básicas de como resolver problemas mecânicos quando o carro pifa.

ZH – Na sua opinião, o que motiva iniciativas como a da campanha Code.org?

Atwood – Os geeks (fãs de tecnologia) estão conquistando o mundo! Mas o objetivo final de qualquer programador é fazer o seu trabalho tão bem a ponto de que outras pessoas não precisem escrever códigos para resolver os seus problemas, ou produzir trabalhos artísticos, escrever textos ou gerenciar os seus negócios.



ENTREVISTA - “Vivemos em ambientes altamente programados”

Douglas Rushkoff/Especialista em tecnologia digital



O americano Douglas Rushkoff, 52 anos, é professor, escritor e comentarista de tecnologia e comunicação da rede CNN. Como participante da campanha Code.org, ele também defende o ensino dos códigos de computador nas escolas. Confira trechos da entrevista concedida por e-mail:

Zero Hora – Qual a ideia central por trás do título de seu livro Programe ou Seja Programado?

Douglas Rushkoff – Se você não sabe como usar a tecnologia digital, é provável que seja usado por ela ou pelas empresas por trás dela. Vivemos em ambientes altamente programados. Trabalhamos e socializamos em plataformas digitais, que são programadas por pessoas, incluem interesses. Você pode ser um consumidor passivo de tecnologias que outras pessoas criam, ou se transformar em um criador.

ZH – Ensinar programação nas escolas de países em desenvolvimentos é viável?

Rushkoff – Não só é viável, mas está acontecendo. Um número muito significativo de usuários da Codecademy (site que oferece cursos online de programação) é de países de fora dos Estados Unidos. O Brasil forma uma enorme comunidade de usuários, e muitos dos cursos estão traduzidos para o português.

ZH – Qual os principais benefícios que o ensino de programação na educação básica pode trazer?

Rushkoff – Pessoas que queiram um emprego ou as habilidades necessárias para começar o seu próprio negócio vão se beneficiar muito por saber programação. É quase como perguntar “quais serão os benefícios de ensinar os alunos a ler e a escrever?”. No início da era da imprensa, pode ter parecido tolice aprender a ler. Mas acabou se tornando bastante útil.



EDITORA DE EDUCAÇÃO | Ângela Ravazzolo

Um duplo desafio

Acampanha deflagrada nos Estados Unidos para que os estudantes aprendam, dentro da escola, linguagens de programação é uma iniciativa interessante e ao mesmo tempo provocadora. Implantar a alfabetização digital nos colégios significa acompanhar um cenário global em que dominar as novas tecnologias pode garantir, além de um bom emprego, a autonomia do estudante diante da máquina e o desenvolvimento de um raciocínio específico.

Mas essa boa proposta, quando pensada para as salas de aula do Brasil, desencadeia um duplo desafio para a educação do país. Vale sim encarar essas provocações contemporâneas, mas é fundamental também resolver velhas e persistentes dificuldades. Relatório divulgado no início do mês pelo movimento Todos pela Educação apresentou números assustadores, entre eles o de que apenas 10,3% dos estudantes que terminaram o Ensino Médio em 2011 obtiveram nota considerada adequada em matemática.

A sociedade brasileira, se pretende seguir qualificando o aprendizado, terá de olhar para frente e para trás ao mesmo tempo. Não podemos desprezar o novo e o desconhecido, tampouco esquecer o antigo dever de casa. Será válido aprender programação, mas sem deixar de lado a tabuada.




O DEBATE DO ENEM

ZERO HORA 24 de março de 2013 | N° 17381

EDITORIAIS


A complexidade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a maior prova escolar do país e segunda maior do mundo, que avalia cerca de 6 milhões de estudantes, explica a polêmica nacional em torno de irregularidades que surgem a cada edição. A bola da vez são as redações com erros grosseiros de português ou com desvio de foco, como nos casos dos estudantes que se valeram de receita culinária ou letra de hino de clube de futebol para preencher o número de linhas solicitado pelos examinadores. Mesmo fugindo do tema, os autores receberam nota satisfatória porque a orientação passada aos profissionais encarregados de avaliar as dissertações era para “não pegar pesado” na correção, como revelam professores contratados para o trabalho. Por isso, passaram com notas satisfatórias uma redação com receita de macarrão instantâneo e outra com letra do hino do Palmeiras, quando o tema solicitado era imigração.

Causa compreensível revolta esta deformação, principalmente por parte dos estudantes que se prepararam adequadamente e se esforçaram para escrever sobre o assunto solicitado. Também é estarrecedor para o cidadão constatar que verdadeiros absurdos são tolerados pelos organizadores de uma prova que define o futuro de milhões de jovens, uma vez que habilita para o ingresso no Ensino Superior. Ainda assim, é essencial considerar tais deformações no contexto de um avanço histórico do ensino brasileiro, que é a instituição de uma prova capaz de ser, ao mesmo tempo, parâmetro para o Ensino Médio e porta de entrada para a universidade. Não é pouca coisa. Só a perspectiva de eliminar gradativamente a tortura do vestibular já garante ao Enem um crédito de esperança.

Cabe ao Ministério da Educação, como já fez em outras oportunidades, quando surgiram denúncias de vazamento de questões, esclarecer com agilidade e transparência as dúvidas sobre o episódio. Não se pode deixar que o Enem caia em descrédito exatamente no momento em que centenas de instituições do Ensino Superior passam a adotá-lo como única forma de acesso para jovens egressos do Ensino Médio.

O sensato é pensar que cada irregularidade constatada significa uma oportunidade para o aperfeiçoamento do sistema. Assim como o vazamento de questões resultou em punição para os responsáveis e reforço nos mecanismos de proteção e sigilo, também essas anomalias na correção das redações podem ser transformadas em ensinamentos para as futuras avaliações. Mas não dá para recuar. O Enem já está aprovado pelo país porque desafia estruturas desgastadas e torna mais justa e democrática a transição do Ensino Médio para a universidade.

*

- O editorial acima foi publicado antecipadamente no site e no Facebook de Zero Hora, na sexta-feira. Os comentários selecionados para a edição impressa mantêm a proporcionalidade de aprovações e discordâncias entre as 136 manifestações recebidas até as 18h de sexta. A questão proposta aos leitores foi a seguinte: Editorial diz que, apesar das falhas, Enem deve ser preservado. Você concorda?

O leitor concorda

Concordo. Apesar de todos os “poréns” que o Enem nos traz ano a ano, acredito que o modelo de vestibular a que se almeja chegar é o ideal: com a mesma prova para o Brasil inteiro, cujos concorrentes disputam vagas em todo o território nacional, sendo aprovados os que obtiverem melhores resultados. Vejo-o como um modelo mais igualitário, mas que ainda tem toda uma estrutura administrativa a melhorar antes de as universidades utilizarem somente esse critério de avaliação. Paulla Paim, Porto Alegre (RS)

O Enem deve continuar, sim, tudo na vida tem seus problemas e defeitos. Nada melhor do que o tempo e a experiência para tudo ir para o lugar certo. Eu adoto o Enem e apoio, deve continuar. Ana Julia Batistella Liberato Salzano (RS)

Eu acho que o exame deve ser preservado, sim, é uma forma democrática de acesso ao ensino. O que deve mudar, e urgente, é o modo de correção. Profissionais sérios e responsáveis que não sofram nenhum tipo de recomendação. Correção igual ao vestibular. Ser observado o número de linhas, não deixar passar palavras escritas erradas e de nenhuma maneira aceitar “receita de miojo” e “hino de time de futebol”. Isso é inadmissível! Cristiane Klamt Kuhn. Ijuí (RS)

O Enem é um processo democrático, que tem uma proposta muito positiva. Acontece que, assim como existem corretores de redação sérios e competentes, há outros sem seriedade e sem experiência. O maior problema do exame está justamente na questão da redação, por ser muito subjetiva: não existe exatamente um certo ou errado. Andreas Weber, Lavras (MG)

Deve ser conservado com o objetivo original de avaliar a qualidade do Ensino Médio e propor as mudanças necessárias. Desvirtuado como prova seletiva, permite que, mesmo deficientes, participantes ingressem no nível superior sem a competência exigida. Orientar os avaliadores para que sejam lenientes com os erros é, penso, um crime de lesa-pátria. Décio A. Damin, Porto Alegre (RS)

Carla Vicari Deve ser mantido, os seus parâmetros de realização, correção e controle é que precisam mudar!



O leitor discorda

Discordo. O Enem não valoriza os conteúdos estudados no Ensino Médio, tenta esconder a falta de bibliotecas no país e a falta da cultura da leitura, não cobrando literatura diretamente relacionada a livros, é uma prova que desmotiva. Além disso, o Enem é cercado por fraudes. É uma tentativa de mostrar para o mundo qualidade na educação nacional, só que a realidade é outra...Fernanda Angst Vogt, Santo Cristo (RS)

Discordo que o Enem deva ser preservado, pela falta de ética na hora da correção das provas, pois acho uma falta de respeito colocarem receita de miojo na redação, e mesmo assim a pessoa que fez ganhar uma boa nota, não levando em consideração quem estava lá com dificuldades para redigir sobre o tema, mas mesmo assim levando a sério a prova. Luciane Machado, Gramado (RS)

Filipe De Ferreira Ribeiro Esse “novo” Enem deu problemas desde 2009. Não dá pra continuar assim.

TROTE NO FUTURO

25 de março de 2013 | N° 17382

EDITORIAIS

Os jovens que obrigaram os calouros de Engenharia Civil da UFRGS a segurar uma cabeça de porco, lançando sobre eles um líquido com vísceras de peixe e ovos podres, deram um trote no futuro. Uma atitude dessas só desmerece quem a protagoniza. Como confiar em estudantes que apresentam tal grau de irresponsabilidade e mau gosto? A reação da direção da faculdade, que decidiu investigar o ocorrido, é um sinal de que pretensas brincadeiras como a praticada pelos veteranos não podem ser assimiladas com naturalidade por quem tem a atribuição de zelar pela postura de estudantes, professores e funcionários.

Por mais que se argumente em favor da liberdade de expressão, não há como aceitar sem questionamentos esses e outros fatos semelhantes. Também é frágil a desculpa de que todos os envolvidos consentiram o trote, quando se sabe que, nessas circunstâncias, os alunos mais antigos submetem os calouros às suas vontades. Invenções como a dos veteranos da Engenharia não têm a mesma gravidade de trotes que se repetem em universidades de todo o país, com clara conotação discriminatória. Recentemente, alunos da Universidade Federal de Minas Gerais recepcionaram os novos estudantes, em Belo Horizonte, com a simulação de gestos racistas e até mesmo nazistas. O único ponto em comum, lá e aqui, é o desrespeito camuflado como brincadeira.

Universitários de instituições públicas conquistaram o direito de fazer parte de uma elite e de construir carreiras custeadas por todos os cidadãos. Devem ser exemplo de conduta, para colegas que estão ingressando no Ensino Superior e para a comunidade em que vivem. Veteranos sem imaginação poderiam inspirar-se, por exemplo, na solidariedade de estudantes da mesma UFRGS, que promovem o trote solidário, com doação de sangue e arrecadação de alimentos para a população carente. Se ainda resistem a normas civilizadas de convívio, jovens universitários deveriam, pelo menos, tentar ser criativos. Brincadeiras com animais mortos são um recurso primitivo, questionado inclusive em escolas que preparam policiais militares.

quinta-feira, 21 de março de 2013

ENEM: PROCESSO DESGASTA E AFETA QUALIDADE


Enem 2012: corretores receberam R$ 2,35 por cada redação. Professor de letras desistiu de corrigir as provas, depois de avaliar mil textos em seis dias. Para docentes, processo desgasta e afeta qualidade da verificação. Segundo MEC, em média, cada corretor cuidou de 60 provas por dia

LEORNARDO VIEIRA
JULIANA DAL PIVA
MANUELA ANDREONI
O GLOBO
Atualizado:21/03/13 - 10h33




Em redação que recebeu nota 500, candidato escreve o hino do Palmeiras em dois dos quatro parágrafos Reprodução


RIO - Corrigir cem textos em duas horas compromete os critérios de avaliação? E se, a cada prova revisada, o corretor ganhasse menos de R$ 3? Após o “Globo” revelar correções polêmicas de redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ao longo da semana, abriu-se um debate em torno das condições de trabalho de quem fica por trás das provas. Desde segunda-feira (18), o jornal mostra exemplos de redação com notas contraditórias em relação ao conteúdo. Além de textos com graves erros como “trousse”, “enchergar” e “rasoavel” que receberam pontuação máxima, outros que incluíam a receita de Miojo e o hino de Palmeiras não foram anulados.

Na última edição do Enem, um time de 5.683 corretores teve a missão de avaliar mais de quatro milhões de redações num espaço de menos de um mês. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), cada redação corrigida significava R$ 2,35 no bolso do professor convocado pelo órgão.

Todo o processo é feito virtualmente: o corretor recebe lotes com 50 provas cada e as corrige. Assim que termina uma leva, outra é enviada a ele. Segundo o MEC, em média cada corretor cuidou de 60 provas por dia. Mas, de acordo com alguns avaliadores entrevistados pelos repórteres, este número pode ser muito maior. Segundo o professor Wander Lourenço, o processo de correção é desgastante, o que acaba comprometendo o nível da avaliação. Ele foi corretor em 2011, mas não aceitou o desafio no ano passado.

— Corrigi 4.200 redações em menos de 20 dias em 2011. Fiquei muito apavorado. Eu tinha aceitado as condições porque precisava de dinheiro, mas a experiência foi tão traumática que decidi não participar da correção do último Enem — conta o docente.

Para se corrigir uma prova do Enem, é preciso ter formação em Letras e ter sido convocado por um supervisor regional do MEC, que dá instruções à sua equipe de corretores. Em geral, são chamados professores conhecidos do supervisor, na mesma lógica de um cargo de confiança. Cada “time” tem, em média, de 25 a 30 professores aptos a avaliar as provas. Não há contrato de exclusividade com os convocados.

Em outros vestibulares, a situação, no papel, não é muito diferente. A Unicamp informou que conta com cerca de 90 corretores, número que pode variar a cada ano, dependendo do total de candidatos. Em 2013, eles precisaram corrigir 67 mil redações, que devem ser analisadas por pelo menos dois professores, ou até por um terceiro, quando há discrepância de dois pontos ou mais entre as notas dos outros avaliadores.

Não há um tempo estipulado para a correção de cada texto, mas, segundo a Unicamp, os corretores trabalham de oito a dez horas por dia para cumprir sua meta diária de aproximadamente 200 redações. Se um professor corrigir 200 textos em dez horas, ele dedicará, em média, três minutos a cada trabalho — isso sem qualquer interrupção.

O que consta no papel, no entanto, nem sempre descreve a realidade. O professor de Letras da Universidade Estácio de Sá Luiz Carlos de Sá Campos chegou a avaliar cerca de mil redações em seis dias na última edição do Enem, mas desistiu ainda durante o processo porque o trabalho era muito “estafante”. Para Luiz Carlos, o MEC deveria chamar mais professores a fim de retirar a sobrecarga dos corretores e elevar a qualidade da correção.

— Mas talvez isso não fosse interessante para o governo, já que a média geral das redações provavelmente cairia — sugere o professor.

Há quem entenda que o número atual de corretores do Enem é adequado. Para um supervisor — que preferiu não se identificar por causa de um contrato de sigilo com o MEC —, seria normal um professor corrigir cem redações por dia, o que não lhe tomaria mais de três horas, segundo ele. Além de também considerar “justa” a remuneração paga aos corretores, ele alega que prefere o modelo de convocação estabelecido por laços entre os supervisores regionais e seus colegas professores.

— Nem sempre um concurso público é a melhor maneira de chamarmos os que têm mais experiência. Não é essa a ideia — explica.

Já uma professora especialista em estudos linguísticos que foi corretora do Enem na última edição fez duras críticas. Ela contou que foi convidada por alguém que já era avaliador da prova de redação para fazer parte do grupo de corretores. Segundo ela, em nenhum momento foi pedido que apresentasse seu diploma ou a comprovação de seu trabalho e sua experiência na área.

A avaliadora revelou que uma semana antes da reunião os corretores foram chamados para uma conversa fechada com supervisores, sobre como deveria ser o processo de correção das redações. Nesse encontro, dois pontos causaram indignação da avaliadora:

— Acho preocupante a indicação. Em nenhum momento é solicitado o diploma. Fico me perguntando que segurança o MEC tem. Como eles sabem se eu tenho formação ou não? Isso é uma questão grave. Outra questão é que foi dito que bastava o candidato mencionar a palavra imigração ou imigrante em qualquer parte do texto e ele não poderia ser eliminado — contou ela.

Para anular, de acordo com ela, apenas em casos extremos, em que não se falasse em imigração ou o candidato não desse a entender que estava falando do tema. O supervisor chegou a dizer que mesmo um poema inserido na redação seria válido.

— Se um candidato escrevesse uma poesia em vez de um texto argumentativo e desse para eu perceber que essa poesia tinha pelo menos um argumento qualquer relacionado à imigração, isso também seria considerado.

Ela disse que as redações com receitas de Miojo e o hino do Palmeiras não a surpreendem. A professora explicou que anulou pouquíssimas redações por causa disso. Uma das que foram desclassificadas era de uma aluna que escreveu um texto falando do filho, do marido, da gravidez, mas não disse que era imigrante.

— Eu anulei justificando que ela não era imigrante. Não mencionava a palavra imigrante — contou.

A avaliadora corrigiu mais de 1.500 redações entre 15 de novembro de 9 de dezembro, em seu tempo fora do trabalho. De acordo com ela, o ideal seria corrigir cada uma por 20 a 30 minutos, mas para vencer a meta de cem redações por dia não era possível ficar nem dez minutos com cada texto. A professora chegou a dizer que, quando as redações foram liberadas para consulta dos candidatos, ela já esperava que os estudantes reclamassem dos problemas:

— Seria quase inevitável pensar que não fosse vir à tona toda essa questão, e sabíamos que isso cairia sobre os avaliadores. Não me surpreendeu porque eu li coisas absurdas. Essa orientação para fazer vistas grossas deve ser para mascarar a má qualidade da educação. O aluno de ensino médio não domina a sua própria língua materna.

Apesar de o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) ter afirmado que erros de grafia não necessariamente comprometem as chances de um texto ser avaliado com nota máxima, o “Guia do Participante” do próprio instituto classifica esse tipo de desvio como o “mais grave” ou “grave”, a depender da complexidade da palavra escrita.

A falta de concordância quando o sujeito vem antes do verbo também é considerada um desvio “mais grave”. Segundo o manual, essas “inadequações do uso linguístico ao registro formal escrito (...) são penalizadas na Competência 1 (demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita)”. Apesar disso, como mostrou o “Globo” na segunda-feira, redações que continham desvios do tipo receberam nota 1000.

TOLERÂNCIA COM O ERRO

ZERO HORA 21 de março de 2013 | N° 17378

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA


Não bastasse a constatação de que redações com erros crassos como trousse, enchergar e rasoavel tiraram nota 10 no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), uma professora entrevistada ontem na Rádio Gaúcha pelo jornalista Daniel Scola revelou que a orientação dada aos corretores de textos era pegar leve com os erros. Isso explica por que uma redação que reproduzia a receita da massa miojo não foi desclassificada, como também não tiveram zero os textos que não chegaram à metade das 15 linhas exigidas como tamanho mínimo.

A professora contou que, no treinamento, os avaliadores foram orientados a não dar zero para ninguém e a ignorar erros como a confusão entre “imigrante” e “emigrante”. Se o aluno zerar a redação, será excluído do processo de seleção e, segundo a professora, é isso que o Ministério da Educação quer evitar.

O MEC lavou as mãos. Em vez de detalhar qual é a orientação dada aos avaliadores, passou a tarefa para o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), que aplicou a prova em conjunto com a Cesgranrio. O diretor-geral do Cespe, Paulo Portela, negou que a orientação tenha sido para evitar zero ou notas baixas.

Com a alegação de que não terá ninguém disponível para falar sobre o tema, a assessoria do ministro Aloizio Mercadante descartou a possibilidade de uma entrevista esclarecedora. Até decisão em contrário, o ministério só vai se manifestar por nota oficial.

A tolerância com o erro desestimula os professores que tentam ensinar seus alunos a escrever corretamente. Mais ainda, estimula os maus alunos a fazer corpo mole.

A correção inadequada das provas distorce os resultados do Enem e produz estatísticas enganosas. O pior é que, sendo a nota do Enem o critério de seleção para entrada na faculdade, a negligência na correção pode estar produzindo injustiças na hora de preencher as vagas.

NOVAS DENÚNCIAS ABALAM ENEM


ZERO HORA 21 de março de 2013 | N° 17378


O EXAME EM XEQUE



Uma nova crise de credibilidade, desta vez provocada por absurdos na correção das redações, atinge o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no momento em que o sistema de avaliação se consolida como principal forma de ingresso nas universidades brasileiras.

Duas professoras gaúchas contratadas para corrigir as redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) vieram a público ontem e revelaram ter recebido orientação para fazer vista grossa aos erros dos alunos, de forma a evitar que eles ficassem abaixo da nota mínima exigida para aprovação. O depoimento das docentes surgiu depois de o jornal O Globo revelar que estudantes responsáveis por erros crassos de ortografia e concordância receberam notas elevadas na última edição. Houve casos de nota máxima para redações com erros como “rasoavel”, “enchergar” e ‘trousse”.

– Fomos orientados a não sermos rigorosas na correção – contou uma das avaliadoras, em entrevista ao Gaúcha Repórter, da Rádio Gaúcha (confira nos detalhes outros trechos da fala dela).

Enquanto essas revelações levam pais e estudantes a encarar o Enem com desconfiança, centenas de instituições de Ensino Superior abolem seus vestibulares para abraçar o exame como única forma de ingresso. O mais novo integrante do clube é de peso: na terça-feira, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um gigante de 50 mil alunos, decidiu que não terá mais vestibular próprio. Vai usar o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que tem o Enem como base. Conforme levantamento da universidade, já são mais de cem instituições públicas que utilizam o exame.

– O Enem seleciona tão bem como o vestibular, com a vantagem de ser mais democrático, porque os candidatos são de todo o Brasil. O aluno não precisa vir aqui fazer a prova – diz Clélio Campolina, reitor da UFMG.

A professora Roselane Costella, que leciona na Faculdade de Educação da UFRGS e pesquisa o Enem, acredita que é possível identificar uma tendência clara de transformação profunda ou mesmo de desaparecimento do vestibular.

– Se o vestibular vai acabar, não sei, mas a tendência é de mudança. Qualquer um enxerga que Enem vai superar o vestibular – diz ela.

Roselane observa que as universidades têm motivações políticas e financeiras para seguir o caminho adotado pela UFMG. Adotar um sistema patrocinado pelo Ministério da Educação significa desfrutar de vantagens e eliminar as incomodações inerentes a um vestibular. Além disso, as reitorias trocam um sistema de seleção caro por outro sem custos.

Transformação é vista com reservas

Na avaliação da especialista, no entanto, as instituições de ensino estão migrando para o Enem também porque o modelo tradicional se esgotou:

– O Enem apresenta questões que avaliam a capacidade de raciocínio e interpretação, enquanto o vestibular tem um caráter conteudista, com questões que dependem de macetes e memorização.

A professora da UFRGS acredita que o vazamento de questões, que abalou edições anteriores, e os problemas na correção das redações devem ser vistos em um contexto:

– O vestibular existe há cem anos e também tem problemas. Recentemente se soube que há médicos formados que passaram no vestibular porque compraram o gabarito. Ainda vai demorar para que o Enem não tenha problema. Uma saída talvez seja regionalizar a parte logística do exame – diz.

O professor Fernando Becker, da Faculdade de Educação da UFRGS, tem ponto de vista mais crítico:

– O Enem não se afirmou ainda, não se consolidou. Tem apresentado provas de boa qualidade, mas precisa avançar bastante. A gente sabe a dificuldade que é para as universidades ter um controle sobre as provas de seus vestibulares.

O processo de transformação do Enem em porta de entrada para as universidades é visto com reservas por alguns pesquisadores – e as restrições não têm a ver com as falhas de segurança, logística e correção de provas. Entre os que veem a tendência com desconfiança está um educador que fez sua carreira na UFMG, Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da instituição mineira. Ele considera negativa a uniformização do teste nacional. Para ele, o vestibular oferece vantagem por cobrar conhecimentos específicos necessários no curso ao qual o candidato concorre.

– Quando há uma prova para todo o país, significa dizer que o aluno tem de aprender o que é o cobrado pelo Enem. Ele não estuda Física, estuda a Física do Enem. Isso puxa o conhecimento para um nível mais baixo. É difícil ter um programa universitário sólido começando com uma base tão baixa.

Fernando Becker, da UFRGS, considera a migração preocupante:

– Há universidades que entregam a seleção para o Enem. Entregar uma parte, tudo bem, porque o exame expressa alguma coisa do que o aluno fez no Ensino Médio, mas não existe razão para a universidade renunciar ao vestibular. Ela deve saber quem quer selecionar e o grau de exigência que vai colocar, fazendo uma seleção conforme seus próprios critérios.

Entre as instituições do Estado que adotaram o Enem no lugar do vestibular estão Furg, UFPel, UFCSPA, Unipampa e Uergs. Na UFRGS, o exame tem peso pequeno e seu uso é opcional. A instituição admite a possibilidade de eventualmente mudar o papel do exame em seu processo seletivo, mas não cogita abolir o vestibular.

– O vestibular é um concurso tradicional e consolidado, mas que está em permanente aperfeiçoamento e discussão. A edição de 2014 pode ter mudanças relacionadas ao Enem, mas isso ainda não foi colocado em discussão – afirmou, por meio da sua assessoria de comunicação, o reitor Carlos Alexandre Netto.

Indicado pelo MEC, Paulo Portela, diretor do Cespe/UnB, que aplicou a prova, rebateu as acusações em entrevista ao repórter Eduardo Matos, da Rádio Gaúcha:

“Todo o processo de capacitação das bancas estavam no edital do Enem. Existe uma matriz de correção, que é utilizada na avaliação. Nessa matriz existem cinco competências que devem ser avaliadas. E ali é bem descrito o que se exige para que a nota seja atribuída.”

“Foram dois meses de preparo. Em cada nível existe o nível zero. Então o nível zero podia ser atribuído, sem nenhum problema, mas não se deve esquecer que quando avalia uma redação, essa redação foi desenvolvida por um egresso do Ensino Médio.”

“A primeira competência é demonstrar domínio da língua padrão, da língua escrita. O nível máximo prevê excelente domínio da língua padrão e escassos desvios gramaticais. Então, mesmo se o aluno comete um erro no texto de 30 linhas, está dentro dessa competência.”

“Todo o processo de correção foi planejado com um ano de antecedência. Inclusive houve uma série de simulações sobre a correção, verificação do tempo considerado adequado. E se chegou a um valor de correções para manter a qualidade, em torno de cem redações por dia. É um número possível, um nível médio. A média foram de 60 redações por dia por corretor.”

ITAMAR MELO



EDITORA DE EDUCAÇÃO | Ângela Ravazzolo


O Enem vem amargando, desde 2009, denúncias, vazamento e cancelamento de provas, além de problemas de organização que colocaram o exame sob suspeita. Esta semana, a divulgação de redações com erros sérios de português colocou o teste novamente no centro de críticas em todo o país.

Embora tenha muito o que melhorar, o Enem, como proposta de avaliação, reúne importantes características, como criar um parâmetro nacional para o Ensino Médio e ainda funcionar como um balizador para bolsas do ProUni. No ano passado, depois de denúncias relacionadas também à correção de redações, o MEC mudou algumas regras, deixando o processo mais rígido e transparente (o texto com diferença de nota de mais de 200 pontos entre dois avaliadores passou a ser encaminhado para um terceiro corretor, por exemplo).

Organizar um exame para milhões de candidatos, espalhados por todo o território brasileiro, não é tarefa fácil, mas é preciso acertar o passo o quanto antes e assim evitar que o descrédito tome conta da opinião pública, especialmente entre alunos e professores.

Em um exame desse porte, é previsível que ocorram falhas e acertos. Mas também é fundamental que os estudantes, ao se prepararem ao longo dos três anos de Ensino Médio, tenham a confiança de que o que está escrito será cumprido. O que assusta nessas denúncias em relação à correção de redações não é simplesmente o erro ortográfico, mas sim a possibilidade de que a prática não esteja de acordo com a teoria.



ENTREVISTA - “Se escrevesse uma receita de bolo, eu teria de considerar”
Avaliadora


Arrependidas de terem participado das correções do Enem, duas professoras gaúchas decidiram romper o contrato de sigilo para revelar bastidores da prova. Pedindo anonimato, uma delas detalhou ontem a ZH, por telefone, como teriam recebido orientações para fazer “vista grossa” aos erros encontrados. Professora de língua portuguesa há 12 anos, diz que a ordem é para “aprovar o maior número de pessoas” :

Zero Hora – Que orientação vocês receberam para as correções das redações?

Avaliadora – Recebemos uma formação, fizemos exercícios pelos quais fomos avaliadas, tudo via online. Isso partiu da Universidade de Brasília. Foram seis, sete semanas de atividades, para os 8 mil avaliadores. No dia 14 de novembro, tivemos uma reunião em que foram repassadas as verdadeiras orientações. Fomos orientados a esquecer tudo o que se sabe, tudo o que se aprendeu, tudo o que se fez na formação. Deveríamos considerar a ideia de que é para aprovar o maior número de pessoas. Eu e a outra colega tentamos desistir, mas nosso grupo já estava um pouco defasado. Como já tínhamos nos comprometido, ficamos.

ZH – A senhora pensou em desistir ao ouvir as orientações?

Avaliadora – Sim, porque eu questionei o que eu estaria fazendo ali. Qual o meu papel de especialista em linguística de texto, de professora de língua portuguesa, de pesquisadora da área, se teria de fazer vista grossa e considerar uma série de absurdos?

ZH – Que tipo de coisas falaram que se deveria fazer vista grossa?

Avaliadora – Por exemplo, num texto, se aparecesse a palavra imigração ou imigrante, que era o tema, eu não poderia anular. Eu deveria pelo menos dar um ponto. Se ele escrevesse uma receita de bolo, mas pusesse imigração em algum momento, eu teria de considerar, não poderia anular. Outra coisa que eu fiquei muito chocada: se aparecesse um texto como poesia, ou narrativa, mas que tivesse a ver com o tema, e que se eu sentisse que em algum momento ele estava defendendo de alguma forma o ponto de vista dele, não poderia anular também, teria que dar um. A grosso modo, a orientação era essa: não anulem, só em último caso. A forma como fazem a seleção dos professores também é questionável. É tudo indicação. Ninguém te pede diploma.

ZH – Não se exige comprovação de formação dos professores?

Avaliadora – Não. Não existe.

ZH – Se alguém fingir que é professor pode ser avaliador?

Avaliadora – Pode. Se ninguém pede documentação... A inclusão parte de convites. Acho que funciona por ligações políticas. Essas pessoas são convidadas a ocupar esses cargos mais elevados e vão convidando pessoas que conhecem. Quem me convidou sabe que sou formada em Letras e faço correção há mais de 10 anos... mas será que isso ocorre no Brasil inteiro?

ZH – Eles chegaram a dizer explicitamente que era para evitar dar nota baixa?

Avaliadora – Sim. Que era para evitar, porque nos anos anteriores eles receberam inúmeros recursos, que tiveram que responder na Justiça, e que isso onera a União. O tiro saiu pela culatra. Me arrependo até de ter participado. Financeiramente não vale a pena. Pagam R$ 1,90 por redação, tu tens uma meta diária de cem redações (3 mil redações por mês)... para quem trabalha e gosta de fazer um trabalho qualificado é bem complicado.

ZH – O processo é uma enganação?

Avaliadora – Sim. É um enganar... até o candidato, em relação a suas condições. Me considero enganada. Recebi formação, manual que estudei, e numa reunião me dizem para esquecer tudo isso.

LETÍCIA DUARTE




quarta-feira, 20 de março de 2013

AS REDAÇÕES DO ENEM




O Estado de S.Paulo 20 de março de 2013 | 2h 11

OPINIÃO

Depois de examinar mais de 30 textos enviados por candidatos que atingiram a pontuação máxima no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), acompanhados da confirmação, pelas universidades federais, de que foram aprovados no vestibular deste ano, o jornal O Globo constatou que muitas redações continham erros de grafia - como "rasoável", "enchergar" e "trousse" - e graves erros também de concordância, acentuação e pontuação.

Embora tenham recebido a nota 1.000, no Enem de 2012, essas redações não atenderam às exigências da primeira das cinco competências avaliadas pelos corretores, que exige dos estudantes demonstração do "domínio da norma padrão na língua escrita". Numa das redações - que não recebeu a pontuação máxima, mas obteve nota alta - o estudante despreza o tema - "movimentos imigratórios para o Brasil no século 21" - e descreve como preparar um miojo.

Cada competência tem a pontuação máxima de 200 pontos. Como informa o Guia do Participante, distribuído pelo MEC, os 200 pontos relativos à primeira competência só podem ser concedidos aos alunos que apresentarem "poucos desvios gramaticais leves". Segundo o guia, "desvios mais graves excluem a redação da pontuação mais alta". Ele é taxativo ao apontar, entre os "desvios gramaticais mais graves", erros de grafia, de acentuação e de pontuação, como os que foram cometidos nas provas conferidas pelo jornal.

Pelas regras do Enem, essas redações não poderiam receber a pontuação máxima. "A atribuição injusta do conceito máximo a quem não teve o mérito estimula a popularização do uso da língua portuguesa, impedindo os alunos de falar, ler e escrever reconhecendo suas variedades linguísticas. Além disso, provoca a formação de profissionais incapazes de se comunicar, em níveis profissional e pessoal, e de decodificar o próprio sistema da língua portuguesa", diz Jerônimo Moraes Neto, professor de Linguística Aplicada na UFRJ e na Uerj. "Na vida real, redações como essas jamais tirariam nota máxima, pois contêm erros que a sociedade não aceita. Afinal, pareceres, relatórios, artigos científicos, livros e matérias de jornal que contiverem esses desvios colocarão em risco o emprego de revisores, pesquisadores e jornalistas", afirma o titular de Língua Portuguesa do Instituto de Letras da Uerj, Cláudio Henriques.

Criticando os modismos pedagógicos, ele lembra que os corretores dos textos do Enem não utilizam a palavra erro, trocada por desvio - que seria mais politicamente correta. "A demagogia política anda de braço dado com a demagogia linguística", adverte. Há dois anos, a imprensa noticiou que o MEC distribuía, por meio do Programa Nacional de Livros Didáticos, obras que toleram - e até justificam - erros gramaticais. O livro mais polêmico considerava correta, por exemplo, a frase "nós pega o peixe".

Justificando a distribuição desse livro, as autoridades educacionais disseram, na época, que é preciso aceitar a fala que "o aluno traz de sua comunidade" e que "a cultura dele é tão válida quanto qualquer outra". No caso dos textos do Enem que receberam pontuação máxima, apesar de estarem repletos de erros gramaticais, elas alegam que a correção de um texto é feita "como um todo". O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais afirma que "a tolerância deve-se à consideração de ser o participante do Enem, por definição, um egresso do ensino médio, ainda em processo de letramento na transição para o nível superior". Segundo a nota, "um texto pode apresentar eventuais erros de grafia, mas pode ser rico em sua organização sintática, revelando um excelente domínio das estruturas da língua portuguesa".

Esses argumentos são absurdos. Como admitir que vestibulandos ainda não saibam redigir um simples texto, por se encontrarem num "processo de letramento em transição"? E como aceitar que alguém que tenha "excelente domínio das estruturas da língua portuguesa" cometa erros gramaticais primários? As autoridades se esquecem de que, se continuarem sendo lenientes com deformações da língua portuguesa, o ensino formal não tem mais sentido. Se elas continuarem tolerando erros gramaticais primários, para que serve, então, a escola?

CÂMERAS NAS SALAS DE AULA


ZERO HORA 20 de março de 2013 | N° 17377

ESPAÇO VIGIADO

Colégio Província de São Pedro instala equipamentos e provoca desconfiança de especialistas



Depois de tomar ruas, praças, lojas, locais de trabalho, repartições públicas e condomínios residenciais, as câmeras de vigilância romperam uma fronteira delicada: entraram na sala de aula.

Alegando razões de segurança, o Colégio Província de São Pedro, de Porto Alegre, está instalando 90 câmeras em todas as suas dependências, incluindo as salas onde ocorre a interação entre professor e aluno. A iniciativa é vista com desconfiança por especialistas em educação.

A direção, que se manifestou só por e-mail, afirmou que os equipamentos ainda não foram ligados e que a finalidade será “aumentar a segurança pessoal e patrimonial de toda a comunidade escolar”. Alertado por associados que trabalham no Província de São Pedro, o Sindicato dos Professores no Ensino Privado (Sinpro/RS) procurou o estabelecimento para pedir a retirada das câmeras. Não foi atendido.

Ao decidir registrar em vídeo o que acontece dentro de cada sala de aula, o colégio de 1,3 mil alunos assumiu uma posição um tanto solitária. Há outras escolas que adotaram a prática no país, incluindo algumas de educação infantil gaúchas que transmitem imagens ao vivo para os pais, mas o Sindicato dos Estabelecimentos do Ensino Privado (Sinepe/RS) desconhece a existência de outra instituição de Ensino Fundamental ou Médio no Estado que tenha levado câmeras para o espaço de aula.

– A escola deve ter suas razões, e respeito isso, mas não sou favorável. A sala de aula é o espaço do professor – diz o presidente do Sinepe/RS, Osvino Toillier.

Para Tania Marques, da Faculdade de Educação da UFRGS, a atitude põe em risco a missão de formar valores:

– O indivíduo deve evitar comportamentos errados porque sabe que eles são errados, e não porque está sendo vigiado. A câmera na sala passa uma mensagem inadequada e imediatista.

Professora da Faculdade de Educação da PUCRS, Helena Sporleder Côrtes diz que os equipamentos representam uma intromissão indevida:

– Aprendizagem também depende do clima. Se o clima não é de confiança, dificuldades podem ser criadas.

Segundo o presidente do Conselho Estadual de Educação, Augusto Deon, não há norma que vete o uso de câmeras, desde que os pais estejam cientes e de acordo.

ITAMAR MELO


ENTREVISTA - “É péssimo para o processo de ensino”

Marcos Fuhr - Diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS)



Na semana passada, depois de receber queixas de professores do Província de São Pedro, Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS, foi à escola pedir a retirada das câmeras das salas de aula. Na entrevista a seguir, ele explica por que o sindicato combate a iniciativa:

Zero Hora – Qual a posição do Sinpro sobre as câmeras em sala de aula?

Marcos Fuhr – O sindicato tem uma posição fortemente contrária. Que saibamos, essa é a única escola no Estado com câmeras dentro de sala de aula. Pedimos à direção para retirar. O momento de sala de aula deve ser do professor e dos estudantes. Existe uma necessidade de privacidade no processo de ensino e aprendizagem, no qual não cabe vigilância externa. A presença de câmeras significa implantar uma pedagogia da desconfiança.

ZH – A que desconfiança o senhor se refere especificamente?

Fuhr – Trata-se de desconfiança em relação ao que está sendo feito pelo professor e inclusive em relação à conduta do aluno. Isso inibe a naturalidade entre professor e estudantes. Se há uma câmera, todos se policiam, o que é péssimo para o processo de ensino e aprendizagem.

ZH – Que problema há no fato de o trabalho de um professor ser assistido?

Fuhr – Não é cabível. É ruim. Câmera significa uma vigilância permanente, ostensiva. O processo de ensinar é criativo, pressupõe movimentos e gestos que são tolhidos quando ocorre um policiamento. Isso é uma violência contra o professor. Ele precisa se sentir à vontade.

ZH – Que tipo de gestos são esses que o professor faz diante dos alunos e que ficam tolhidos se forem vistos por outras pessoas?

Fuhr – É de modo geral. Sabemos que quando se está sendo vigiado, ocorre interferência.

ZH – Mas essa interferência não pode ser no sentido de estimular o professor a trabalhar melhor?

Fuhr – Não acreditamos nisso. Os professores não precisam disso. Se a escola contratou o profissional, tem de ter confiança nele.


ENTREVISTA. “Objetivo é aumentar a segurança”

Direção do Colégio Província de São Pedro



Zero Hora pediu para conversar com um representante do Colégio Província de São Pedro, mas a escola informou que responderia por e-mail e solicitou que as respostas fossem creditadas coletivamente à direção do estabelecimento.

Zero Hora – O colégio instalou câmeras nas salas de aula? Quantas câmeras foram instaladas? A instalação ocorreu nas salas de todas as turmas?

Direção da escola – O colégio está instalando câmeras em todas as suas dependências. São aproximadamente 90 câmeras entre salas de aula, áreas de circulação e esportes, sendo que estão em processo de instalação e ainda não entraram em funcionamento.

ZH – As câmeras gravam as aulas ou transmitem as imagens para alguma central? Como é feito o monitoramento?

Direção – Todas as câmeras são ligadas a uma central onde as imagens ficam registradas. Cumpre ressaltar que essas imagens serão absolutamente confidencias e protegidas nos termos da lei. As imagens não têm o objetivo de monitoramento mas sim ficarão disponíveis para o caso de serem necessárias. Somente a direção do colégio tem acesso a elas.

ZH – Por que a escola tomou essa decisão? Qual a finalidade da presença das câmeras em sala de aula?

Direção – O objetivo das câmeras é aumentar a segurança pessoal e patrimonial de toda a comunidade escolar.

ZH – O Sinpro pediu a retirada das câmeras, com o argumento de que elas estabelecem um clima de desconfiança dentro da sala de aula. Qual a posição da escola com relação a isso?

Direção – O Colégio Província de São Pedro desenvolve um projeto de ensino com total transparência e confiança na relação de pais, alunos e professores. Com o devido respeito à opinião do Sinpro, entendemos que a presença das câmeras não cria qualquer clima de desconfiança ou prejuízo ao bom andamento das atividades escolares.



EDITORA DE EDUCAÇÃO | Ângela Ravazzolo

Vigiar ou confiar


Quem tem filhos sabe que muitas vezes é difícil deixar a criança em uma escola grande, com um pátio que parece maior do que o mundo, diante de novos colegas e de professores também desconhecidos. Não é fácil, mas é preciso. A decisão de optar por uma ou outra instituição de ensino tampouco é simples e provoca inúmeros questionamentos. E esse processo todo precisa estar marcado por um elemento óbvio e central: a confiança.

Percorrer a escola, participar das reuniões, indagar professores e gestores sobre o método de ensino, acompanhar o caderno de temas do filho, conhecer os colegas são práticas positivas de atenção e cuidado e que demandam tempo e esforço da família e da escola.

Câmeras em sala de aula são recursos automáticos e mais simples do que a presença real da família no ambiente escolar, apenas registram o que acontece. Os aparelhos, por si só, não dão conta da função maior da escola: permitir a troca de ideias, o relacionamento saudável entre estudantes e mestres, a construção do conhecimento em parceria. O bom aprendizado depende de um trabalho de qualidade do professor, criando uma relação que extrapola um suposto controle total e que, por isso mesmo, pode ser muito mais produtiva.