EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

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quinta-feira, 21 de março de 2013

NOVAS DENÚNCIAS ABALAM ENEM


ZERO HORA 21 de março de 2013 | N° 17378


O EXAME EM XEQUE



Uma nova crise de credibilidade, desta vez provocada por absurdos na correção das redações, atinge o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no momento em que o sistema de avaliação se consolida como principal forma de ingresso nas universidades brasileiras.

Duas professoras gaúchas contratadas para corrigir as redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) vieram a público ontem e revelaram ter recebido orientação para fazer vista grossa aos erros dos alunos, de forma a evitar que eles ficassem abaixo da nota mínima exigida para aprovação. O depoimento das docentes surgiu depois de o jornal O Globo revelar que estudantes responsáveis por erros crassos de ortografia e concordância receberam notas elevadas na última edição. Houve casos de nota máxima para redações com erros como “rasoavel”, “enchergar” e ‘trousse”.

– Fomos orientados a não sermos rigorosas na correção – contou uma das avaliadoras, em entrevista ao Gaúcha Repórter, da Rádio Gaúcha (confira nos detalhes outros trechos da fala dela).

Enquanto essas revelações levam pais e estudantes a encarar o Enem com desconfiança, centenas de instituições de Ensino Superior abolem seus vestibulares para abraçar o exame como única forma de ingresso. O mais novo integrante do clube é de peso: na terça-feira, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um gigante de 50 mil alunos, decidiu que não terá mais vestibular próprio. Vai usar o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que tem o Enem como base. Conforme levantamento da universidade, já são mais de cem instituições públicas que utilizam o exame.

– O Enem seleciona tão bem como o vestibular, com a vantagem de ser mais democrático, porque os candidatos são de todo o Brasil. O aluno não precisa vir aqui fazer a prova – diz Clélio Campolina, reitor da UFMG.

A professora Roselane Costella, que leciona na Faculdade de Educação da UFRGS e pesquisa o Enem, acredita que é possível identificar uma tendência clara de transformação profunda ou mesmo de desaparecimento do vestibular.

– Se o vestibular vai acabar, não sei, mas a tendência é de mudança. Qualquer um enxerga que Enem vai superar o vestibular – diz ela.

Roselane observa que as universidades têm motivações políticas e financeiras para seguir o caminho adotado pela UFMG. Adotar um sistema patrocinado pelo Ministério da Educação significa desfrutar de vantagens e eliminar as incomodações inerentes a um vestibular. Além disso, as reitorias trocam um sistema de seleção caro por outro sem custos.

Transformação é vista com reservas

Na avaliação da especialista, no entanto, as instituições de ensino estão migrando para o Enem também porque o modelo tradicional se esgotou:

– O Enem apresenta questões que avaliam a capacidade de raciocínio e interpretação, enquanto o vestibular tem um caráter conteudista, com questões que dependem de macetes e memorização.

A professora da UFRGS acredita que o vazamento de questões, que abalou edições anteriores, e os problemas na correção das redações devem ser vistos em um contexto:

– O vestibular existe há cem anos e também tem problemas. Recentemente se soube que há médicos formados que passaram no vestibular porque compraram o gabarito. Ainda vai demorar para que o Enem não tenha problema. Uma saída talvez seja regionalizar a parte logística do exame – diz.

O professor Fernando Becker, da Faculdade de Educação da UFRGS, tem ponto de vista mais crítico:

– O Enem não se afirmou ainda, não se consolidou. Tem apresentado provas de boa qualidade, mas precisa avançar bastante. A gente sabe a dificuldade que é para as universidades ter um controle sobre as provas de seus vestibulares.

O processo de transformação do Enem em porta de entrada para as universidades é visto com reservas por alguns pesquisadores – e as restrições não têm a ver com as falhas de segurança, logística e correção de provas. Entre os que veem a tendência com desconfiança está um educador que fez sua carreira na UFMG, Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da instituição mineira. Ele considera negativa a uniformização do teste nacional. Para ele, o vestibular oferece vantagem por cobrar conhecimentos específicos necessários no curso ao qual o candidato concorre.

– Quando há uma prova para todo o país, significa dizer que o aluno tem de aprender o que é o cobrado pelo Enem. Ele não estuda Física, estuda a Física do Enem. Isso puxa o conhecimento para um nível mais baixo. É difícil ter um programa universitário sólido começando com uma base tão baixa.

Fernando Becker, da UFRGS, considera a migração preocupante:

– Há universidades que entregam a seleção para o Enem. Entregar uma parte, tudo bem, porque o exame expressa alguma coisa do que o aluno fez no Ensino Médio, mas não existe razão para a universidade renunciar ao vestibular. Ela deve saber quem quer selecionar e o grau de exigência que vai colocar, fazendo uma seleção conforme seus próprios critérios.

Entre as instituições do Estado que adotaram o Enem no lugar do vestibular estão Furg, UFPel, UFCSPA, Unipampa e Uergs. Na UFRGS, o exame tem peso pequeno e seu uso é opcional. A instituição admite a possibilidade de eventualmente mudar o papel do exame em seu processo seletivo, mas não cogita abolir o vestibular.

– O vestibular é um concurso tradicional e consolidado, mas que está em permanente aperfeiçoamento e discussão. A edição de 2014 pode ter mudanças relacionadas ao Enem, mas isso ainda não foi colocado em discussão – afirmou, por meio da sua assessoria de comunicação, o reitor Carlos Alexandre Netto.

Indicado pelo MEC, Paulo Portela, diretor do Cespe/UnB, que aplicou a prova, rebateu as acusações em entrevista ao repórter Eduardo Matos, da Rádio Gaúcha:

“Todo o processo de capacitação das bancas estavam no edital do Enem. Existe uma matriz de correção, que é utilizada na avaliação. Nessa matriz existem cinco competências que devem ser avaliadas. E ali é bem descrito o que se exige para que a nota seja atribuída.”

“Foram dois meses de preparo. Em cada nível existe o nível zero. Então o nível zero podia ser atribuído, sem nenhum problema, mas não se deve esquecer que quando avalia uma redação, essa redação foi desenvolvida por um egresso do Ensino Médio.”

“A primeira competência é demonstrar domínio da língua padrão, da língua escrita. O nível máximo prevê excelente domínio da língua padrão e escassos desvios gramaticais. Então, mesmo se o aluno comete um erro no texto de 30 linhas, está dentro dessa competência.”

“Todo o processo de correção foi planejado com um ano de antecedência. Inclusive houve uma série de simulações sobre a correção, verificação do tempo considerado adequado. E se chegou a um valor de correções para manter a qualidade, em torno de cem redações por dia. É um número possível, um nível médio. A média foram de 60 redações por dia por corretor.”

ITAMAR MELO



EDITORA DE EDUCAÇÃO | Ângela Ravazzolo


O Enem vem amargando, desde 2009, denúncias, vazamento e cancelamento de provas, além de problemas de organização que colocaram o exame sob suspeita. Esta semana, a divulgação de redações com erros sérios de português colocou o teste novamente no centro de críticas em todo o país.

Embora tenha muito o que melhorar, o Enem, como proposta de avaliação, reúne importantes características, como criar um parâmetro nacional para o Ensino Médio e ainda funcionar como um balizador para bolsas do ProUni. No ano passado, depois de denúncias relacionadas também à correção de redações, o MEC mudou algumas regras, deixando o processo mais rígido e transparente (o texto com diferença de nota de mais de 200 pontos entre dois avaliadores passou a ser encaminhado para um terceiro corretor, por exemplo).

Organizar um exame para milhões de candidatos, espalhados por todo o território brasileiro, não é tarefa fácil, mas é preciso acertar o passo o quanto antes e assim evitar que o descrédito tome conta da opinião pública, especialmente entre alunos e professores.

Em um exame desse porte, é previsível que ocorram falhas e acertos. Mas também é fundamental que os estudantes, ao se prepararem ao longo dos três anos de Ensino Médio, tenham a confiança de que o que está escrito será cumprido. O que assusta nessas denúncias em relação à correção de redações não é simplesmente o erro ortográfico, mas sim a possibilidade de que a prática não esteja de acordo com a teoria.



ENTREVISTA - “Se escrevesse uma receita de bolo, eu teria de considerar”
Avaliadora


Arrependidas de terem participado das correções do Enem, duas professoras gaúchas decidiram romper o contrato de sigilo para revelar bastidores da prova. Pedindo anonimato, uma delas detalhou ontem a ZH, por telefone, como teriam recebido orientações para fazer “vista grossa” aos erros encontrados. Professora de língua portuguesa há 12 anos, diz que a ordem é para “aprovar o maior número de pessoas” :

Zero Hora – Que orientação vocês receberam para as correções das redações?

Avaliadora – Recebemos uma formação, fizemos exercícios pelos quais fomos avaliadas, tudo via online. Isso partiu da Universidade de Brasília. Foram seis, sete semanas de atividades, para os 8 mil avaliadores. No dia 14 de novembro, tivemos uma reunião em que foram repassadas as verdadeiras orientações. Fomos orientados a esquecer tudo o que se sabe, tudo o que se aprendeu, tudo o que se fez na formação. Deveríamos considerar a ideia de que é para aprovar o maior número de pessoas. Eu e a outra colega tentamos desistir, mas nosso grupo já estava um pouco defasado. Como já tínhamos nos comprometido, ficamos.

ZH – A senhora pensou em desistir ao ouvir as orientações?

Avaliadora – Sim, porque eu questionei o que eu estaria fazendo ali. Qual o meu papel de especialista em linguística de texto, de professora de língua portuguesa, de pesquisadora da área, se teria de fazer vista grossa e considerar uma série de absurdos?

ZH – Que tipo de coisas falaram que se deveria fazer vista grossa?

Avaliadora – Por exemplo, num texto, se aparecesse a palavra imigração ou imigrante, que era o tema, eu não poderia anular. Eu deveria pelo menos dar um ponto. Se ele escrevesse uma receita de bolo, mas pusesse imigração em algum momento, eu teria de considerar, não poderia anular. Outra coisa que eu fiquei muito chocada: se aparecesse um texto como poesia, ou narrativa, mas que tivesse a ver com o tema, e que se eu sentisse que em algum momento ele estava defendendo de alguma forma o ponto de vista dele, não poderia anular também, teria que dar um. A grosso modo, a orientação era essa: não anulem, só em último caso. A forma como fazem a seleção dos professores também é questionável. É tudo indicação. Ninguém te pede diploma.

ZH – Não se exige comprovação de formação dos professores?

Avaliadora – Não. Não existe.

ZH – Se alguém fingir que é professor pode ser avaliador?

Avaliadora – Pode. Se ninguém pede documentação... A inclusão parte de convites. Acho que funciona por ligações políticas. Essas pessoas são convidadas a ocupar esses cargos mais elevados e vão convidando pessoas que conhecem. Quem me convidou sabe que sou formada em Letras e faço correção há mais de 10 anos... mas será que isso ocorre no Brasil inteiro?

ZH – Eles chegaram a dizer explicitamente que era para evitar dar nota baixa?

Avaliadora – Sim. Que era para evitar, porque nos anos anteriores eles receberam inúmeros recursos, que tiveram que responder na Justiça, e que isso onera a União. O tiro saiu pela culatra. Me arrependo até de ter participado. Financeiramente não vale a pena. Pagam R$ 1,90 por redação, tu tens uma meta diária de cem redações (3 mil redações por mês)... para quem trabalha e gosta de fazer um trabalho qualificado é bem complicado.

ZH – O processo é uma enganação?

Avaliadora – Sim. É um enganar... até o candidato, em relação a suas condições. Me considero enganada. Recebi formação, manual que estudei, e numa reunião me dizem para esquecer tudo isso.

LETÍCIA DUARTE




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