ESPAÇO VIGIADO
Colégio Província de São Pedro instala equipamentos e provoca desconfiança de especialistas
Depois de tomar ruas, praças, lojas, locais de trabalho, repartições públicas e condomínios residenciais, as câmeras de vigilância romperam uma fronteira delicada: entraram na sala de aula.
Alegando razões de segurança, o Colégio Província de São Pedro, de Porto Alegre, está instalando 90 câmeras em todas as suas dependências, incluindo as salas onde ocorre a interação entre professor e aluno. A iniciativa é vista com desconfiança por especialistas em educação.
A direção, que se manifestou só por e-mail, afirmou que os equipamentos ainda não foram ligados e que a finalidade será “aumentar a segurança pessoal e patrimonial de toda a comunidade escolar”. Alertado por associados que trabalham no Província de São Pedro, o Sindicato dos Professores no Ensino Privado (Sinpro/RS) procurou o estabelecimento para pedir a retirada das câmeras. Não foi atendido.
Ao decidir registrar em vídeo o que acontece dentro de cada sala de aula, o colégio de 1,3 mil alunos assumiu uma posição um tanto solitária. Há outras escolas que adotaram a prática no país, incluindo algumas de educação infantil gaúchas que transmitem imagens ao vivo para os pais, mas o Sindicato dos Estabelecimentos do Ensino Privado (Sinepe/RS) desconhece a existência de outra instituição de Ensino Fundamental ou Médio no Estado que tenha levado câmeras para o espaço de aula.
– A escola deve ter suas razões, e respeito isso, mas não sou favorável. A sala de aula é o espaço do professor – diz o presidente do Sinepe/RS, Osvino Toillier.
Para Tania Marques, da Faculdade de Educação da UFRGS, a atitude põe em risco a missão de formar valores:
– O indivíduo deve evitar comportamentos errados porque sabe que eles são errados, e não porque está sendo vigiado. A câmera na sala passa uma mensagem inadequada e imediatista.
Professora da Faculdade de Educação da PUCRS, Helena Sporleder Côrtes diz que os equipamentos representam uma intromissão indevida:
– Aprendizagem também depende do clima. Se o clima não é de confiança, dificuldades podem ser criadas.
Segundo o presidente do Conselho Estadual de Educação, Augusto Deon, não há norma que vete o uso de câmeras, desde que os pais estejam cientes e de acordo.
ITAMAR MELO
ENTREVISTA - “É péssimo para o processo de ensino”
Marcos Fuhr - Diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS)
Na semana passada, depois de receber queixas de professores do Província de São Pedro, Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS, foi à escola pedir a retirada das câmeras das salas de aula. Na entrevista a seguir, ele explica por que o sindicato combate a iniciativa:
Zero Hora – Qual a posição do Sinpro sobre as câmeras em sala de aula?
Marcos Fuhr – O sindicato tem uma posição fortemente contrária. Que saibamos, essa é a única escola no Estado com câmeras dentro de sala de aula. Pedimos à direção para retirar. O momento de sala de aula deve ser do professor e dos estudantes. Existe uma necessidade de privacidade no processo de ensino e aprendizagem, no qual não cabe vigilância externa. A presença de câmeras significa implantar uma pedagogia da desconfiança.
ZH – A que desconfiança o senhor se refere especificamente?
Fuhr – Trata-se de desconfiança em relação ao que está sendo feito pelo professor e inclusive em relação à conduta do aluno. Isso inibe a naturalidade entre professor e estudantes. Se há uma câmera, todos se policiam, o que é péssimo para o processo de ensino e aprendizagem.
ZH – Que problema há no fato de o trabalho de um professor ser assistido?
Fuhr – Não é cabível. É ruim. Câmera significa uma vigilância permanente, ostensiva. O processo de ensinar é criativo, pressupõe movimentos e gestos que são tolhidos quando ocorre um policiamento. Isso é uma violência contra o professor. Ele precisa se sentir à vontade.
ZH – Que tipo de gestos são esses que o professor faz diante dos alunos e que ficam tolhidos se forem vistos por outras pessoas?
Fuhr – É de modo geral. Sabemos que quando se está sendo vigiado, ocorre interferência.
ZH – Mas essa interferência não pode ser no sentido de estimular o professor a trabalhar melhor?
Fuhr – Não acreditamos nisso. Os professores não precisam disso. Se a escola contratou o profissional, tem de ter confiança nele.
ENTREVISTA. “Objetivo é aumentar a segurança”
Direção do Colégio Província de São Pedro
Zero Hora pediu para conversar com um representante do Colégio Província de São Pedro, mas a escola informou que responderia por e-mail e solicitou que as respostas fossem creditadas coletivamente à direção do estabelecimento.
Zero Hora – O colégio instalou câmeras nas salas de aula? Quantas câmeras foram instaladas? A instalação ocorreu nas salas de todas as turmas?
Direção da escola – O colégio está instalando câmeras em todas as suas dependências. São aproximadamente 90 câmeras entre salas de aula, áreas de circulação e esportes, sendo que estão em processo de instalação e ainda não entraram em funcionamento.
ZH – As câmeras gravam as aulas ou transmitem as imagens para alguma central? Como é feito o monitoramento?
Direção – Todas as câmeras são ligadas a uma central onde as imagens ficam registradas. Cumpre ressaltar que essas imagens serão absolutamente confidencias e protegidas nos termos da lei. As imagens não têm o objetivo de monitoramento mas sim ficarão disponíveis para o caso de serem necessárias. Somente a direção do colégio tem acesso a elas.
ZH – Por que a escola tomou essa decisão? Qual a finalidade da presença das câmeras em sala de aula?
Direção – O objetivo das câmeras é aumentar a segurança pessoal e patrimonial de toda a comunidade escolar.
ZH – O Sinpro pediu a retirada das câmeras, com o argumento de que elas estabelecem um clima de desconfiança dentro da sala de aula. Qual a posição da escola com relação a isso?
Direção – O Colégio Província de São Pedro desenvolve um projeto de ensino com total transparência e confiança na relação de pais, alunos e professores. Com o devido respeito à opinião do Sinpro, entendemos que a presença das câmeras não cria qualquer clima de desconfiança ou prejuízo ao bom andamento das atividades escolares.
EDITORA DE EDUCAÇÃO | Ângela Ravazzolo
Vigiar ou confiar
Quem tem filhos sabe que muitas vezes é difícil deixar a criança em uma escola grande, com um pátio que parece maior do que o mundo, diante de novos colegas e de professores também desconhecidos. Não é fácil, mas é preciso. A decisão de optar por uma ou outra instituição de ensino tampouco é simples e provoca inúmeros questionamentos. E esse processo todo precisa estar marcado por um elemento óbvio e central: a confiança.
Percorrer a escola, participar das reuniões, indagar professores e gestores sobre o método de ensino, acompanhar o caderno de temas do filho, conhecer os colegas são práticas positivas de atenção e cuidado e que demandam tempo e esforço da família e da escola.
Câmeras em sala de aula são recursos automáticos e mais simples do que a presença real da família no ambiente escolar, apenas registram o que acontece. Os aparelhos, por si só, não dão conta da função maior da escola: permitir a troca de ideias, o relacionamento saudável entre estudantes e mestres, a construção do conhecimento em parceria. O bom aprendizado depende de um trabalho de qualidade do professor, criando uma relação que extrapola um suposto controle total e que, por isso mesmo, pode ser muito mais produtiva.
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