EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

terça-feira, 24 de maio de 2011

AMANDA GURGEM: UMA VERDADE VIRTUAL

Silvio Teles - O GLOBO, 24/05/2011


Impressiona-me como uma verdade conhecida por todos pode repercutir assombrosamente por puro interesse publicitário-comercial. É o que ocorre com o fenômeno Amanda Gurgel, uma distinta professora do Rio Grande do Norte, nordestina forte e corajosa, que, revoltada com as agruras de lidar com a educação no Brasil, resolveu dizer na cara das autoridades aquilo que elas já estão cansadas de saber.

Digo que estão cansadas de saber porque, há muito, defendo a tese de que o estado de miséria que vivemos em termos de saúde, educação e segurança pública é situação deliberada pela classe política. Trata-se de um fenômeno cíclico sustentador da profissionalização da política: uma população não educada e desinformada, carente de saúde nas suas mais básicas necessidades e absolutamente entregue ao fenômeno do crime, que elege políticos mal intencionados, que, por sua vez, se encarregam de perpetuar a desestrutura social.

Com um eleitorado desses, qualquer falastrão, seja ele desses palhaços que apresentam programas policialescos, seja um cantador de forró de péssimo gosto, seja um comediante analfabeto, seja um jogador de futebol de carreira falida, para ficar apenas nos folclóricos, assume a missão de conduzir os destinos públicos. Com votos dessa qualidade, fica fácil para os políticos profissionais, capazes de multiplicar seu patrimônio assustadoramente em poucos meses, usarem seu poder, seu dinheiro, suas promessas e suas ameaças para se perpetuarem e manterem tudo "como antes na terra de Abrantes".

O que o discurso de Amanda Gurgel tem de corajoso e de verdadeiro, tem de conhecido. Explodiu nas redes sociais e as emissoras de televisão não perderam a oportunidade de captarem a audiência. A professora emblemática figurou nos principais programas de televisão não pela importância de seu discurso... Ela agiu como um chamariz para novos contratos publicitários, para mais pontos no Ibope. E só!

Não se trata de pessimismo desmotivado ou de relegar a revolta da professora ao descrédito. Assino embaixo de todo o discurso da educadora potiguar. Mas a pergunta é: o que há de novidade no discurso de Amanda Gurgel? O que, daquilo que foi brilhantemente esfregado na cara das autoridades, elas ou nós mesmos não sabíamos?

Eu, que estudei boa parte da minha vida em escola pública e perdi ano letivo por greve, conheço tal realidade faz tempo!

Posso estar errado, mas não acredito: Amanda Gurgel é um fenômeno que, em tempos de informação altamente perecível, se desfará sem que seu verdadeiro objetivo se cumpra. Porque antes de Gurgel muitos outros já denunciaram tal descaso, muitos já morreram em protestos, muitos já sofreram com a deliberada ausência de vontade política.

O pior é que, no fundo, todos nós sabemos o quão errado é o sistema que mantém tudo isso. Mas, na hora de agir para mudar, cada um pensa individualmente, não lembrando das mazelas denunciadas por Amanda Gurgel. Presos à ambição pessoal ou, pior, ao ciclo da dependência, cada um pensa em seu emprego, em receber sua promessa, em manter seu privilégio... Ou em agradecer o remédio, a consulta, o óculos, a cesta básica.

Na hora de gritar, comportamo-nos como uma turba, sem objetivo e sem comando, pensando com a boca, fazendo de Gurgel nossa voz, elevada ao Trending Topics do Twitter, a ponto de ela ocupar espaço nobre em rede nacional. Mas, na hora de agir efetivamente, comportamo-nos como umas raposas, pensando com o umbigo, afastando de nós a responsabilidade, ou apenas achando bonito o que disse Amanda Gurgel, mas sem um pingo de coragem para sacrificar absolutamente nada para fazer de seu discurso uma arma de verdade contra essa herança política maldita que, como parasita, faz da sociedade seu agente hospedeiro.

A solução - ou a salvação do Brasil, no dizer da professora - vem, sim, da educação.

É a consciência de "Amandas Gurgel", estampada a giz no quadro da sala de aula precária que todos os muitos professores têm de enfrentar, a única arma capaz de alterar essa situação, interrompendo o ciclo. O problema, a meu sentir, é fazer com que a denúncia que hoje todos encampam, virtualmente, seja assumida por cada um, na vida real. É fazer de Amanda Gurgel mais que uma verdade virtual.

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