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domingo, 16 de setembro de 2012

ENSINO MÉDIO: 34% DOS ALUNOS NÃO ESTÃO NA SÉRIE CORRESPONDENTE



ZERO HORA 16 de setembro de 2012 | N° 17194

A 2ª PERGUNTA

Por que 34,5% dos alunos do Ensino Médio não estão na série correspondente à sua idade?

MARCELO GONZATTO


As deficiências registradas na educação brasileira, como baixa aprendizagem, alta reprovação e abandono escolar, começam a se acumular nas primeiras séries do nível Fundamental. Mas é ao final da Educação Básica, no Ensino Médio, que a onda de falhas pedagógicas, estruturais e de gestão rebenta com maior força.

Um dos principais indicadores da maré negativa enfrentada por esse ciclo escolar é a gigantesca defasagem entre a idade dos alunos e o nível que estão cursando. Pouco mais de um terço dos estudantes matriculados nos colégios brasileiros, nessa fase, estão fora do cronograma previsto devido a razões que começam pela repetência – amplificada pela inadequação do atual currículo e pela falta de apoio adequado aos secundaristas em dificuldade.

Alunos mais velhos do que o recomendado para a seriação em que se encontram têm maior risco de desistir dos estudos e registrar desempenho inferior aos demais, além de indicar desperdício de recursos públicos. Conforme um estudo da Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OCDE), o país desperdiça até R$ 14 bilhões por ano com a alta taxa de repetência – cerca de 13% da verba disponível para a Educação Básica.

– O Ensino Médio vem se tornando um gargalo para a expansão da Educação Superior no Brasil. Os dados mostram que no ano 2000 tivemos um número de concluintes que se manteve praticamente o mesmo 10 anos depois – alerta o sociólogo Bruno Morche, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Universidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador visitante no Institute of Education da University of London.

Conheça, nesta reportagem, algumas das razões para explicar a distorção idade-série no Ensino Médio do país.




De onde vem o número

Dados do Ministério da Educação compilados pelo Movimento Todos Pela Educação no Anuário Brasileiro da Educação Básica 2012 indicam que 34,5% dos estudantes do Ensino Médio são mais velhos do que deveriam em relação à série em que se encontram (número que aparece no título acima).

O atual modelo educacional brasileiro prevê ensino obrigatório a partir dos seis anos de idade, com a matrícula no 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos. Isso significa que, aos 15 anos, o estudante deve entrar no Ensino Médio. Uma das metas estabelecidas pelo Todos pela Educação prevê que, até 2022, 95% ou mais dos jovens de 16 anos tenham completado o Ensino Fundamental, e 90% ou mais dos de 19 anos tenham completado o Médio. De acordo com números de 2009, apenas metade dos jovens de 19 anos concluíram o Ensino Médio no Brasil.


FORMAÇÃO DEFICIENTE NA PRÉ-ESCOLA

Uma das razões para o alto índice de defasagem verificado no Ensino Médio tem origem uma década antes. Uma das avaliações de especialistas é de que a falta da pré-escola dificulta a aprendizagem nos anos seguintes – principalmente no caso de crianças sem acesso a materiais como livros em casa. Um estudo divulgado no mês passado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revela que 1,4 milhão de crianças de quatro ou cinco anos estão fora das salas de aula no Brasil.

– A escola tem uma cultura própria que começa a ser aprendida na pré-escola, como copiar do quadro, ficar mais tempo sentado, fazer exercícios. Também envolve manejar livros, relacionar a letra com o som. Muitas crianças que não passam pela Educação Infantil têm dificuldade em fazer essa adaptação, o que atrapalha a aprendizagem nos primeiros anos do Fundamental – afirma a professora da Faculdade de Educação da UFRGS e especialista em Educação Infantil Maria Carmen Silveira Barbosa.

Se essa dificuldade resulta em reprovação, compromete o fluxo escolar do estudante. Esse é um problema que afeta especialmente o Rio Grande do Sul – enquanto o país registra 80,1% de crianças de quatro ou cinco anos matriculadas na pré-escola, o Estado fica com a segunda pior cobertura nacional, atrás apenas de Rondônia, com 58,6%.


GARGALO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Se o estudante conseguir superar os primeiros obstáculos encontrados nas séries iniciais do Ensino Fundamental – já que apenas um terço chega ao 5º ano do Fundamental com o aprendizado considerado adequado – vai encontrar outro gargalo no caminho rumo ao Ensino Médio.

No 6º ano, quando o aluno deixa de ter uma única professora e passa a ter diversos educadores que lecionam disciplinas específicas, há uma explosão na repetência e no abandono. Se o aluno reprovado seguir na escola, e se o aluno desistente retornar à sala de aula, chegarão ao Ensino Médio com pelo menos um ano de atraso.

Os dados compilados pelo Ministério da Educação são alarmantes: nessa série, o índice de repetência praticamente dobra no país. O Rio Grande do Sul segue a mesma tendência. As taxas de abandono também se multiplicam, saltando de 1,6% para 4,2%, e sugerem que a perspectiva de perder o ano acaba afastando estudantes da escola.

– Até o 5º ano, quando tem uma professora como referência, o currículo trabalha o lúdico, a criança gosta de ir para a escola. Depois disso, começa a confusão, vários professores com estilos diferentes, que não conversam entre si. Muitos alunos não conseguem acompanhar – afirma a professora da Faculdade de Educação da PUCRS Helena Sporleder Côrtes.

Tema de casa - O país precisa eliminar o gargalo em que o 6º ano se transformou para o fluxo escolar – que vai repercutir mais tarde no Ensino Médio. Isso pode ser feito por meio da requalificação dos professores que trabalham nessa faixa, oferta de melhores condições de trabalho para eles e serviços de apoio aos estudantes em dificuldade.


CURRÍCULO ANACRÔNICO

O excessivo número de estudantes reprovados no país ajuda a revelar outro problema crucial da educação brasileira, e que também permite explicar a alta distorção entre idade e série: a falta de interesse dos jovens no currículo atual do Ensino Médio. Essa falta de sintonia se revela de diversas maneiras: repetência, abandono escolar e até a decisão de não cursar essa modalidade.

Uma das críticas mais comuns ao atual formato desse ciclo é o excessivo número de disciplinas, apresentadas geralmente de forma isolada umas das outras e com pouca vinculação com o mundo real dos estudantes. Em algumas escolas, a quantidade de matérias pode chegar a 16, por exemplo.

– O Ensino Médio acaba sendo desmotivante para um aluno que precisa muitas vezes trabalhar para aumentar sua renda e não vê utilidade nas matérias científicas e preparatórias para o exame vestibular. Neste sentido, se um estudante que já foi reprovado uma vez no Ensino Fundamental é reprovado no início de um Ensino Médio desmotivante e pouco articulado às suas necessidades, ele tende a abandonar e fazer um EJA dois anos mais tarde apenas para obter o diploma de conclusão. O atraso série-idade constitui-se, assim, em causa e também consequência das deficiências do sistema educacional – avalia o sociólogo Bruno Morche, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Universidade da UFRGS.

Tema de casa - É necessário reformular o currículo para aproximá-lo da realidade. O MEC planeja a redivisão das disciplinas em quatro áreas: matemática, linguagens, ciências humanas e da natureza. O Rio Grande do Sul está implementando uma reforma para aproximar o Ensino Médio do mundo do trabalho.


REPROVAÇÃO NO BRASIL

Embora concentrada no 6º ano do Fundamental e na 1ª série do Ensino Médio, a repetência é um problema abrangente da educação brasileira. Enquanto países de destaque nos rankings mundiais da educação, como a Coreia do Sul, aliaram ensino de qualidade à decisão de eliminar a repetência, e outros registram índices muito baixos de reprovação, no Brasil 40% dos estudantes com 15 anos já rodaram pelo menos uma vez.

No Ensino Médio, onde a situação é ainda mais grave do que no Fundamental, em todo o país 13,1% dos estudantes precisam repetir o ano – na 1ª série, porém, esse índice chega a 18%. O Rio Grande do Sul é o recordista nacional de reprovações no Médio, onde um em cada cinco estudantes não consegue passar para a série seguinte. As razões para isso incluem excesso de rigor na avaliação, currículo sem interesse para o aluno, falta de apoio complementar aos estudantes, falhas na formação do magistério, entre outras hipóteses cogitadas pelos especialistas.

– A necessidade de trabalhar, principalmente na zona rural, também contribui para elevar os índices de repetência e de abandono – avalia Helena Sporleder Côrtes.

Tema de casa - O país precisa reduzir drasticamente os atuais índices de repetência – que desperdiçam recursos, comprometem a aprendizagem e aumentam o risco de abandono escolar. A melhor maneira de fazer isso é melhorando a qualidade do ensino e detectando precocemente as dificuldades dos estudantes, em vez de aprovar automaticamente.



 
FALTA DE ESTRATÉGIA

Um dos mecanismos mais utilizados por países com bons índices de aprovação e baixa defasagem escolar é o monitoramento do desempenho dos estudantes e a intervenção ao primeiro sinal de problema por meio de reforço pedagógico. Com frequência, crianças e adolescentes com dificuldade são encaminhados para aulas de reforço no turno inverso, por exemplo. Em países no topo do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), esse tipo de ação é uma das principais estratégias de ensino. No Brasil, iniciativas semelhantes costumam depender de iniciativas particulares e esporádicas de escolas. O resultado é um pior desempenho e elevação das taxas de repetência e distorção idade-série.

– Não temos condições de infraestrutura ou de recursos humanos para prover esse reforço. O ideal seria termos professores capacitados para esse tipo de serviço, disponíveis no turno inverso – avalia Helena Côrtes.

A especialista afirma que muitos estudantes de Pedagogia que estagiam em escolas públicas por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) são solicitados a fazer esse tipo de trabalho de maneira improvisada.

– É um indício da carência que as escolas sentem nessa área – afirma a educadora.

Tema de casa - O Brasil precisa aprimorar o sistema de atenção e apoio aos estudantes ao primeiro sinal de dificuldade para aprender qualquer conteúdo – por meio de aulas de reforço, contato com as famílias e elaboração de estratégias individuais. Isso exige professores bem preparados e com tempo para planejamento.

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