EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

domingo, 25 de março de 2012

RS: CAMPEÃO EM REPETÊNCIA



BOLETIM VERMELHO - MARCELO GONZATTO E NILSON MARIANO. Colaborou Joice Bacelo, ZERO HORA 25/03/2012

O Rio Grande do Sul ostenta um título nacional que assusta especialistas e o próprio secretário da Educação, Jose Clovis de Azevedo. Além de ser o campeão nacional em repetência no Ensino Médio, o Estado também tem índices preocupantes no Ensino Fundamental

A cada ano, perto de 300 mil alunos são afetados por um dos mais graves problemas da educação gaúcha: o alto índice de reprovação.

Esse fenômeno atrasa o fluxo estudantil de 19,9% dos estudantes do Ensino Médio em estabelecimentos públicos ou privados – o que torna o Estado campeão nacional de repetência nessa etapa. Além disso, afeta 14,2% dos matriculados no nível Fundamental, compromete o desempenho em sala de aula e é uma das principais razões para a desistência. Apenas na rede estadual, a retenção e o abandono escolar representam um desperdício de R$ 790 milhões por ano.

O mais estreito funil do ensino gaúcho está nas escolas estaduais e municipais. E, nessas redes, principalmente no Ensino Médio. No 1º ano, a reprovação chega a reter quase um terço dos alunos, conforme dados de 2010. O Fundamental também apresenta índices elevados, superando os 17% na rede estadual. Considerando-se o que o Estado gasta para custear o ensino, a reprovação e a desistência – que leva um a cada 10 estudantes a deixar os estudos – desperdiçam o equivalente a R$ 384 milhões no Fundamental e R$ 406 milhões no Médio por ano. Isso representa um quarto dos R$ 3,2 bilhões investidos em 2011 nessas duas faixas.

– Essa perda material, somada à perda social, faz com que essa seja uma das questões mais graves da educação hoje – admite o secretário estadual da Educação, Jose Clovis de Azevedo.

Uma das explicações levantadas por especialistas para o mau desempenho gaúcho seria a vocação precoce para o trabalho. Mas os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não sustentam essa crença: 2,9% dos adolescentes de 15 a 17 anos trabalham – abaixo da média nacional de 3,1%. Resta, então, a hipótese de que os rio-grandenses apostam na repetência como recurso pedagógico por razões culturais.

– Podemos conjecturar que é um Estado com cultura escolar de maior rigidez e sem política específica para evitar reprovações – avalia a diretora-executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz.

Azevedo afirma que a proposta de reforma no Ensino Médio, que desagrada ao Cpers, é uma tentativa de mudar esses índices. Para a ex-secretária da Educação Mariza Abreu, o Estado ficou à margem das discussões sobre os malefícios da retenção feitas no país a partir dos anos 90.

– A implantação dos ciclos em Porto Alegre não teve bons resultados, então ficou no inconsciente coletivo a impressão de que reprovar é melhor do que a aprovação automática – acredita Mariza.

Outro grande problema é que, segundo pesquisas indicam, a repetência não ajuda em nada a nota do aluno. Lançado este ano, o relatório De Olho Nas Metas, do Todos pela Educação, demonstra que 47% dos estudantes das séries iniciais do Fundamental que nunca rodaram alcançam o desempenho esperado em matemática. No caso dos estudantes que estão fora da seriação adequada, apenas 25% atingem o resultado desejado. Assim, o ciclo da repetência se perpetua.

Repetência assusta em Capão do Leão

Menos de um terço dos alunos da Escola Estadual Presidente Castelo Branco recebeu o diploma de conclusão do Ensino Médio, em 2010, no município de Capão do Leão. Para desespero da diretora Carla Levien, 41,8% foram reprovados e mais 26,3% abandonaram a sala de aula. Somados, os dois índices representam um dos maiores problemas escolares do Estado.

Com cerca de 26 mil moradores, situada na microrregião de Pelotas, na Metade Sul, Capão do Leão não tem conseguido deter a onda de reprovação. A diretora Carla identifica que a sangria está no curso noturno. Alunos que ficaram cinco, 10, 15 anos sem estudar, e que concluíram o Ensino Fundamental via supletivo, vão mal no Ensino Médio. Os que não debandam antes do tempo são reprovados por insuficiência de notas.

Carla aposta que a próxima estatística apresentará melhoras devido a mudanças. Antes, o curso noturno misturava os alunos regulares e os mais velhos, aqueles que haviam recorrido ao supletivo. Desde o ano passado, os veteranos estão recebendo atenção e reforço. A Escola Castelo Branco tem mil alunos – 390 deles no noturno do Ensino Médio.

– Os alunos vão se evadindo, se evadindo. A gente começa a se assustar, vai atrás, mas não consegue trazê-los de volta – lamenta Carla, que foi vice-diretora do noturno por uma década.

Todas as manhãs, ao sair de casa para o trabalho, Carla se enche de otimismo. Comenta com vizinhos que é “feliz por estar na Castelo”, como é chamada a escola. Mas a realidade é áspera. Faltam professores de física, matemática, português, literatura e biologia. Falta uma bibliotecária, os laboratórios de informática e multimídia estão malconservados.

Na aula de informática, como existem somente 12 computadores, o professor divide os alunos. Metade fica na sala de aula, a outra no laboratório, o que prejudica o ajuste do aprendizado.

– Na escola, estamos com o mínimo do mínimo – revela.

Os moradores de Capão do Leão habituaram-se a uma cena noturna. Estudantes da Castelo Branco, para gazear aula, concentram-se na praça central da cidade. Conversam, namoram, fazem planos, enquanto professores lecionam para classes esvaziadas.

Conforme o responsável pela 5ª Coordenadoria Regional de Educação, Círio Almeida, a situação na escola vem sendo acompanhada desde o ano passado. A SEC pretende estabelecer metas e parcerias com universidades para elevar o patamar de aprovação e permanência escolar.

“Em algum momento, o aluno nos escapa”

Lá se vão 12 anos à frente do quadro-negro ensinando equações matemáticas, mas a situação não se altera. Em algum momento, quase sempre imperceptível, o professor Antonio Cesar dos Santos Esperança, do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, perde alunos por reprovação ou evasão. É como uma sentença que nunca falha. E, embora se desdobre para segurar os pupilos na sala de aula, não há como evitar “uma certa sensação de fracasso”.

Antonio, 39 anos, tenta identificar os que podem desfalcar a turma para ampará-los. Uma das estratégias é circular entre os estudantes. Quando depara com alguém que sequer tenta fazer, sobrevem a aflição.

– O que não entendeste? – pergunta.

Se a resposta for um “nada”, daqueles sonoros e sem hesitação, Antonio estará diante de um candidato a abandonar a turma. Alunos são monitorados o ano todo. Antonio observa que o estudante assíduo, mesmo tropeçando em dificuldades, irá se safar. No entanto, os que conjugam ausência e desinteresse podem se complicar no final do ano:

– O sentimento que tenho é de que, em algum momento, eles nos escapam.

No início da carreira, alimentava a expectativa de que todos iriam aprender. Logo constatou que, mesmo com uma aula caprichada, haveria defecções. Hoje, ao se dirigir a um aluno que nem sequer lhe ouve, angustia-se com a perda do controle.

A receita de Guaporé contra a reprovação

A estratégia educacional imita o agricultor que extirpa a erva daninha pela raiz, tão logo ela brote, para evitar prejuízos à lavoura. Sempre que detecta alguma dificuldade na rede de ensino, a Secretaria Municipal de Educação de Guaporé age prontamente para solucioná-la. Resultado: o município ostenta o menor índice de reprovação no Ensino Fundamental (5,1%) e as menores taxas de abandono no Estado, entre as cidades com mais de 20 mil habitantes.

A receita exitosa combina organização, monitoramento e envolvimento de todos: governo municipal, professores, alunos e pais. A secretária de Educação de Guaporé, Doraci Bortoncello, destaca que há um trabalho articulado em rede para elevar a qualidade do ensino.

– Adotamos a gestão de excelência com respeito a cada ambiente escolar. Nenhuma escola é melhor do que a outra – observa.

A tática é se antecipar a qualquer detalhe que possa gerar contratempos futuros. Se um professor depara com algum obstáculo, é auxiliado de imediato. Caso a escola necessite de material novo, como um quadro branco, o assunto não fica na gaveta. As avaliações sobre os serviços escolares são permanentes, e não dispensam a opinião de pais e alunos.

Uma das coordenadoras pedagógicas da Secretaria, Neodeci Maria Prada da Silva diz que foram criados procedimentos específicos para todas as escolas, que funcionam como radares. Se uma turma está muito numerosa, com mais de 25 alunos, são tomadas providências, como destacar um professor auxiliar. Se duas turmas do 7º ano estão superlotadas, podem ser desmembradas em três.

– Não se deixa chegar ao fim do ano, não se deixa virar um problema – ressalta Neodeci.

A capacitação é contínua. Neodeci diz que 96% dos mais de 200 professores municipais têm graduação superior, e vários possuem mestrado e doutorado. A prefeitura oferece cursos temáticos, cuja adesão é voluntária.

Também coordenadora pedagógica da prefeitura, Luciane Faccio informa que outro freio à reprovação é a avaliação abrangente dos alunos. Professores aplicam o princípio da diversidade e inclusão, segundo o qual um estudante pode ser deficiente em matemática, mas bamba em português, geografia e história. Ao final, será examinado pelo conjunto do desempenho, não só pelas falhas em uma disciplina.

Onde está o problema





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