FOLHA.COM 25/08/2013 - 03h00
Editorial
Não servem para grande coisa escolas das quais estudantes saem com a impressão de que é possível "aprender sem esforço, construir sem trabalhar, criar sem perseverar", para usar expressão do secretário municipal de Educação de São Paulo, Cesar Callegari.
Tal é, infelizmente, a realidade de muitos estabelecimentos públicos de ensino Brasil afora. Faz bem a Prefeitura de São Paulo ao se arriscar a pôr a mão nesse vespeiro.
Na raiz dessa pedagogia da leniência está uma noção generosa, a da progressão continuada. Para combater as altas taxas de evasão, há duas décadas se adotou o sistema de ciclos, em que o aluno deixa de ser aprovado ou reprovado a cada ano. Em teoria, ele passa a receber apoio para adquirir, ao longo de quatro anos, as competências estipuladas para cada fase.
Com efeito, a evasão recuou. Nas redes públicas paulistas (municipais e estadual), a taxa de abandono no ensino fundamental foi de 9,86%, em 1991, para 1,1%, em 2011. Um resultado admirável.
No que respeita ao aprendizado, a realidade é acabrunhante. Na mais rica cidade do Brasil, por exemplo, só 23% dos alunos da rede municipal terminam o ensino fundamental com proficiência em português, e 10% em matemática.
Sem que seja o único fator por trás desse fiasco, a progressão continuada decerto tem um peso. Aplicada de maneira precária, sem real acompanhamento dos alunos, tal política degenerou no que se chama --pejorativa, mas justificadamente-- de aprovação automática.
Tem pouca utilidade, nessas condições, constatar ao final do quinto ano que um aluno não foi inteiramente alfabetizado --e é esse o caso de 38% dos estudantes.
Há sentido, portanto, em encurtar os ciclos, como quer o prefeito Fernando Haddad --o programa Mais Educação, que propõe essa e outras mudanças curriculares e administrativas, ficará em consulta pública por mais três semanas.
Com avaliações a cada dois anos, por exemplo, pode-se intervir de modo mais precoce para dar ao estudante as condições --como aulas de reforço-- de recuperar-se nas matérias em que se atrasou.
Na mesma direção procede a decisão de emitir boletins bimestrais de avaliação para os pais. Também parece favorecer acompanhamento mais detido que as notas voltem à escala numérica (zero a dez), em lugar de conceitos frouxos, como "plenamente satisfatório", "satisfatório" e "não satisfatório".
Caminhar no rumo certo, porém, não garante que se alcance o objetivo. Assim como a progressão continuada desandou em aprovação automática, as modificações ora prometidas, sem professores bem treinados nem correta alocação de recursos, podem limitar-se a reintroduzir a mera reprovação punitiva --sem fazer a escola voltar a ser um lugar para ensinar e aprender.
Editorial
Não servem para grande coisa escolas das quais estudantes saem com a impressão de que é possível "aprender sem esforço, construir sem trabalhar, criar sem perseverar", para usar expressão do secretário municipal de Educação de São Paulo, Cesar Callegari.
Tal é, infelizmente, a realidade de muitos estabelecimentos públicos de ensino Brasil afora. Faz bem a Prefeitura de São Paulo ao se arriscar a pôr a mão nesse vespeiro.
Na raiz dessa pedagogia da leniência está uma noção generosa, a da progressão continuada. Para combater as altas taxas de evasão, há duas décadas se adotou o sistema de ciclos, em que o aluno deixa de ser aprovado ou reprovado a cada ano. Em teoria, ele passa a receber apoio para adquirir, ao longo de quatro anos, as competências estipuladas para cada fase.
Com efeito, a evasão recuou. Nas redes públicas paulistas (municipais e estadual), a taxa de abandono no ensino fundamental foi de 9,86%, em 1991, para 1,1%, em 2011. Um resultado admirável.
No que respeita ao aprendizado, a realidade é acabrunhante. Na mais rica cidade do Brasil, por exemplo, só 23% dos alunos da rede municipal terminam o ensino fundamental com proficiência em português, e 10% em matemática.
Sem que seja o único fator por trás desse fiasco, a progressão continuada decerto tem um peso. Aplicada de maneira precária, sem real acompanhamento dos alunos, tal política degenerou no que se chama --pejorativa, mas justificadamente-- de aprovação automática.
Tem pouca utilidade, nessas condições, constatar ao final do quinto ano que um aluno não foi inteiramente alfabetizado --e é esse o caso de 38% dos estudantes.
Há sentido, portanto, em encurtar os ciclos, como quer o prefeito Fernando Haddad --o programa Mais Educação, que propõe essa e outras mudanças curriculares e administrativas, ficará em consulta pública por mais três semanas.
Com avaliações a cada dois anos, por exemplo, pode-se intervir de modo mais precoce para dar ao estudante as condições --como aulas de reforço-- de recuperar-se nas matérias em que se atrasou.
Na mesma direção procede a decisão de emitir boletins bimestrais de avaliação para os pais. Também parece favorecer acompanhamento mais detido que as notas voltem à escala numérica (zero a dez), em lugar de conceitos frouxos, como "plenamente satisfatório", "satisfatório" e "não satisfatório".
Caminhar no rumo certo, porém, não garante que se alcance o objetivo. Assim como a progressão continuada desandou em aprovação automática, as modificações ora prometidas, sem professores bem treinados nem correta alocação de recursos, podem limitar-se a reintroduzir a mera reprovação punitiva --sem fazer a escola voltar a ser um lugar para ensinar e aprender.
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