ZERO HORA 10 de janeiro de 2014 | N° 17669
REPORTAGEM ESPECIAL
Ao deflagrar a Operação Kilowatt, a Polícia Civil acredita ter desarticulado uma organização criminosa com tentáculos enraizados em órgãos públicos estaduais. Foi apontada a suposta ligação promíscua de agentes do Estado com empresários, que obteriam contratos por dispensa de licitação para obras emergenciais e lucrariam superfaturando preços ou fraudando a execução dos projetos pagos com dinheiro público.
Aatuação conjunta de órgãos de controle resultou ontem na Operação Kilowatt, da Polícia Civil, que prendeu oito pessoas suspeitas de fraudar obras no Estado, entre elas, servidores públicos e empresários.
Também são investigadas pessoas com cargos de chefia nas secretarias estaduais de Obras e de Saúde.
Os seis contratos que se tornaram alvo somam R$ 12 milhões em verbas públicas, pagos a três empresas. Parte deste valor – ainda não apurada – teria sido superfaturada e desviada. A polícia tem indícios de que servidores públicos receberam propina de empresários. O resultado das quebras de sigilo bancário e fiscal ainda está sendo analisado. Os crimes detectados até o momento são de corrupção ativa e passiva, peculato, formação de quadrilha, falsidade ideológica, fraude a licitação e superfaturamento.
A suspeita de que obras estavam sendo pagas sem serem executadas plenamente ou dentro do previsto nos contratos surgiu a partir de auditorias feitas pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage). O órgão repassou as informações para o Departamento de Gestão do Conhecimento e Prevenção e Combate à Corrupção (Degecor), que direcionou a investigação para a Delegacia Fazendária, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Os delegados Daniel Mendelski e Joerberth Nunes mergulharam nos relatórios produzidos pela Cage e que apontavam irregularidades na execução dos projetos, além de superfaturamento. A partir disso, policiais fizeram levantamentos diretamente nas obras. Em pelo menos um dos casos investigados, em São Leopoldo, empresários e servidores teriam agido conjuntamente para pressionar testemunhas na tentativa de que declarassem que a obra havia sido executada plenamente conforme o contrato. Nesse caso, onde deveriam ser colocadas telhas coloniais, foi usado telhado sintético.
Foi justamente para coibir a pressão contra testemunhas e o possível descarte de provas que a polícia pediu a prisão de 16 investigados, mas a Justiça decretou a medida apenas para oito deles. Houve uma nona prisão, em flagrante, por posse ilegal de arma.
Minicampo de golfe em casa
Durante as buscas, o poder aquisitivo de suspeitos chamou a atenção. Na cobertura do sócio de uma das empresas, há um minicampo de golfe. Na casa de outro empresário, foram apreendidos US$ 50 mil (R$ 120 mil). A Justiça decretou o bloqueio de contas bancárias, a apreensão de veículos e o sequestro de bens imóveis dos suspeitos.
Os delegados não descartam que mais companhias e obras entrem na mira da apuração, já que as empresas investigadas mantêm outros contratos com o Estado. Também seguem sob investigação mais servidores, além de empresários. Dentre os apontamentos feitos pela Cage, houve ainda questionamento sobre dispensas de licitações sob alegação do “caráter emergencial da obra”. Há, por exemplo, o caso da Escola Estadual Professor Oscar Pereira, na Capital. A Secretaria de Obras recebeu a informação sobre a necessidade de reformas no colégio em janeiro de 2011, mas o processo apenas foi concluído em fevereiro de 2012, e o trabalho só começou em julho daquele ano.
Outra suspeita detectada envolveu o uso do nome de um responsável técnico por uma obra que vive em São Paulo e jamais esteve no Estado, segundo levantamento da polícia. O contrato previa que ele trabalhasse quatro horas diárias, mas a investigação apurou que ele sequer tinha vínculo de trabalho com a empresa que usou seu nome.
*Colaboraram Cleidi Pereira, Juliana Bublitz e Juliano Rodrigues
ENTREVISTA
“Estão colocando os alunos em risco”
A qualidade dos materiais utilizados na reforma da Escola Professor Oscar Pereira, em Porto Alegre, levou a diretora Ana Regina Jardim, 53 anos, a desconfiar da obra. Desde janeiro de 2013, a professora vem fazendo denúncias à Secretária da Educação. Um banheiro simples custou R$ 23 mil e não foi finalizado.
Zero Hora – O que fez a senhora desconfiar da obra?
Ana Regina – O material de péssima qualidade. O banheiro das professoras é um exemplo. Em janeiro, o pessoal que fica na escola é muito reduzido. Éramos quatro ou cinco. Usávamos o banheiro e a caixa de descarga ficava vazando, caindo para os lados. E eu ficava me questionando: mas que material é esse? Essas coisas foram me alertando. Fui encaminhando documentos para a Secretaria de Educação, fazendo essas denúncias. Em um final de semana, estava passeando no Morro da Embratel, quando me dei conta, olhando para o telhado da escola, que não havia sido trocado como diz no processo.
ZH – Como a senhora se sente?
Ana Regina – Tenho 1,5 mil alunos. Meu sentimento era, e é, de revolta, mas, hoje, também é de satisfação. Alguém terá de ressarcir os cofres públicos, a escola. O que não foi benfeito terá de ser refeito. É isso que espero. Mas me sinto com a missão cumprida, pois denunciei e fiz a minha parte. Não dá para ficar quieto e cruzar os braços. Vi que tinha coisa errada e já fui logo registrando, procurando as autoridades para que tomassem atitudes. A minha parte sinto que fiz. Agora, cabe às autoridades fazerem com que o Estado seja ressarcido.
ZH – O que previa a obra?
Ana Regina – É uma obra caríssima, de R$ 1,072 milhão, que começou em julho de 2012 e só foi concluída em dezembro de 2013. A obra previa a troca de telhado, pintura interna e externa da escola, troca de piso em todas as salas e corredores e a cobertura da quadra esportiva.
ZH – A obra coloca em risco a segurança dos alunos?
Ana Regina – Com certeza. Estão colocando em risco a segurança dos alunos. Tem uma situação na quadra esportiva, que é uma quadra nova, mas já existe uma rachadura em uma parte metálica. Temo que ela desabe daqui a algum tempo.
Colégio reformado só recebeu telhas novas nas beiradas
ADRIANA IRION*
REPORTAGEM ESPECIAL
Ao deflagrar a Operação Kilowatt, a Polícia Civil acredita ter desarticulado uma organização criminosa com tentáculos enraizados em órgãos públicos estaduais. Foi apontada a suposta ligação promíscua de agentes do Estado com empresários, que obteriam contratos por dispensa de licitação para obras emergenciais e lucrariam superfaturando preços ou fraudando a execução dos projetos pagos com dinheiro público.
Aatuação conjunta de órgãos de controle resultou ontem na Operação Kilowatt, da Polícia Civil, que prendeu oito pessoas suspeitas de fraudar obras no Estado, entre elas, servidores públicos e empresários.
Também são investigadas pessoas com cargos de chefia nas secretarias estaduais de Obras e de Saúde.
Os seis contratos que se tornaram alvo somam R$ 12 milhões em verbas públicas, pagos a três empresas. Parte deste valor – ainda não apurada – teria sido superfaturada e desviada. A polícia tem indícios de que servidores públicos receberam propina de empresários. O resultado das quebras de sigilo bancário e fiscal ainda está sendo analisado. Os crimes detectados até o momento são de corrupção ativa e passiva, peculato, formação de quadrilha, falsidade ideológica, fraude a licitação e superfaturamento.
A suspeita de que obras estavam sendo pagas sem serem executadas plenamente ou dentro do previsto nos contratos surgiu a partir de auditorias feitas pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage). O órgão repassou as informações para o Departamento de Gestão do Conhecimento e Prevenção e Combate à Corrupção (Degecor), que direcionou a investigação para a Delegacia Fazendária, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Os delegados Daniel Mendelski e Joerberth Nunes mergulharam nos relatórios produzidos pela Cage e que apontavam irregularidades na execução dos projetos, além de superfaturamento. A partir disso, policiais fizeram levantamentos diretamente nas obras. Em pelo menos um dos casos investigados, em São Leopoldo, empresários e servidores teriam agido conjuntamente para pressionar testemunhas na tentativa de que declarassem que a obra havia sido executada plenamente conforme o contrato. Nesse caso, onde deveriam ser colocadas telhas coloniais, foi usado telhado sintético.
Foi justamente para coibir a pressão contra testemunhas e o possível descarte de provas que a polícia pediu a prisão de 16 investigados, mas a Justiça decretou a medida apenas para oito deles. Houve uma nona prisão, em flagrante, por posse ilegal de arma.
Minicampo de golfe em casa
Durante as buscas, o poder aquisitivo de suspeitos chamou a atenção. Na cobertura do sócio de uma das empresas, há um minicampo de golfe. Na casa de outro empresário, foram apreendidos US$ 50 mil (R$ 120 mil). A Justiça decretou o bloqueio de contas bancárias, a apreensão de veículos e o sequestro de bens imóveis dos suspeitos.
Os delegados não descartam que mais companhias e obras entrem na mira da apuração, já que as empresas investigadas mantêm outros contratos com o Estado. Também seguem sob investigação mais servidores, além de empresários. Dentre os apontamentos feitos pela Cage, houve ainda questionamento sobre dispensas de licitações sob alegação do “caráter emergencial da obra”. Há, por exemplo, o caso da Escola Estadual Professor Oscar Pereira, na Capital. A Secretaria de Obras recebeu a informação sobre a necessidade de reformas no colégio em janeiro de 2011, mas o processo apenas foi concluído em fevereiro de 2012, e o trabalho só começou em julho daquele ano.
Outra suspeita detectada envolveu o uso do nome de um responsável técnico por uma obra que vive em São Paulo e jamais esteve no Estado, segundo levantamento da polícia. O contrato previa que ele trabalhasse quatro horas diárias, mas a investigação apurou que ele sequer tinha vínculo de trabalho com a empresa que usou seu nome.
*Colaboraram Cleidi Pereira, Juliana Bublitz e Juliano Rodrigues
ENTREVISTA
“Estão colocando os alunos em risco”
A qualidade dos materiais utilizados na reforma da Escola Professor Oscar Pereira, em Porto Alegre, levou a diretora Ana Regina Jardim, 53 anos, a desconfiar da obra. Desde janeiro de 2013, a professora vem fazendo denúncias à Secretária da Educação. Um banheiro simples custou R$ 23 mil e não foi finalizado.
Zero Hora – O que fez a senhora desconfiar da obra?
Ana Regina – O material de péssima qualidade. O banheiro das professoras é um exemplo. Em janeiro, o pessoal que fica na escola é muito reduzido. Éramos quatro ou cinco. Usávamos o banheiro e a caixa de descarga ficava vazando, caindo para os lados. E eu ficava me questionando: mas que material é esse? Essas coisas foram me alertando. Fui encaminhando documentos para a Secretaria de Educação, fazendo essas denúncias. Em um final de semana, estava passeando no Morro da Embratel, quando me dei conta, olhando para o telhado da escola, que não havia sido trocado como diz no processo.
ZH – Como a senhora se sente?
Ana Regina – Tenho 1,5 mil alunos. Meu sentimento era, e é, de revolta, mas, hoje, também é de satisfação. Alguém terá de ressarcir os cofres públicos, a escola. O que não foi benfeito terá de ser refeito. É isso que espero. Mas me sinto com a missão cumprida, pois denunciei e fiz a minha parte. Não dá para ficar quieto e cruzar os braços. Vi que tinha coisa errada e já fui logo registrando, procurando as autoridades para que tomassem atitudes. A minha parte sinto que fiz. Agora, cabe às autoridades fazerem com que o Estado seja ressarcido.
ZH – O que previa a obra?
Ana Regina – É uma obra caríssima, de R$ 1,072 milhão, que começou em julho de 2012 e só foi concluída em dezembro de 2013. A obra previa a troca de telhado, pintura interna e externa da escola, troca de piso em todas as salas e corredores e a cobertura da quadra esportiva.
ZH – A obra coloca em risco a segurança dos alunos?
Ana Regina – Com certeza. Estão colocando em risco a segurança dos alunos. Tem uma situação na quadra esportiva, que é uma quadra nova, mas já existe uma rachadura em uma parte metálica. Temo que ela desabe daqui a algum tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário