Noili Demaman, professora da Uergs - ZERO HORA, 26/05/2012
Machado de Assis tem um conto muito primoroso, dentre os tantos que assim podem ser classificados – “Pai contra mãe”. Nele, em plena escravidão, há o embate entre um pai, caçador de escravos fujões, cujo filho deveria ser dado à roda dos enjeitados por não poder ser mantido, e uma mãe grávida, negra e escrava fujona. Se ela fosse entregue ao dono, livraria o pai da sina que sobre ele pesava. Pois o Cândido Neves – a nomeação na boa literatura nunca é aleatória – consegue caçar a negra e entregá-la ao dono com o que recebe o suficiente para poder ficar com o filho. Ermínia, a negra fujona, aborta o bebê, diante do que o narrador, irônico e corrosivo, diz: nem todas as crianças vingam.
Se o leitor tiver a paciência de ler o conto, verá que não só essa história está lá, mas na narrativa há a flagrante acusação à negra, do tipo quem mandou fugir e, nas entrelinhas, quem mandou engravidar, quem mandou existir?
Século e meio depois, a história adaptada se repete com outros atores, não mais negros – ao menos na sua maioria –, mas com o mesmo requinte de perversidade: o tratamento dado aos professores estaduais no Rio Grande do Sul e aos educandos que parece não terem merecido sua formação. Nem todas as crianças vingam poderia ser atualizado hoje por nem todos precisam de boa formação, vamos dar-lhes um ensino aligeirado, virtual ou técnico com estardalhaço que é o que eles merecem. Depois de 10 anos sem concurso, eis o produto.
Depois que reprovaram nas provas do concurso ao magistério estadual, então, os professores viraram Ermínias apedrejadas e debochadas não só na imprensa como também nas redes sociais. Eles não anunciaram essa situação? Há anos fazem, como num mantra, os pedidos de socorro das mais diversas formas: indisciplina nas escolas e limitada autonomia para dela cuidar; falta de condições mínimas de prédios e de bibliotecas, frágil segurança na escola e nos arredores, para ficar nas elementares, e – obviamente – salários indecentes. Parece, no entanto, haver um prazer masoquista de dar à população a versão de que eles só querem aumento de salário, porque o que os move é sua vocação para mercenários.
Estou dizendo que os profissionais da educação são santos? Nem são, nem assim querem ser tratados. São pessoas como tantas outras com necessidades básicas de moradia e transporte, educação dos filhos, compra de livros, pagamento de atividades de lazer e cultura, como humanos mortais. Se essas não puderem ser supridas com o que ganham, provavelmente se desviarão do que, também, deveriam fazer no seu tempo fora das salas de aula: buscar a qualificação. Experimente submeter executivos competentes a jornadas domésticas de preparo de sua comida, da organização da sua roupa, do enfrentamento de filas para ver que rendimento eles terão em suas empresas.
Pois com professor não é diferente: eles precisam vingar como intelectuais para serem cobrados – e fiscalizados – em suas atividades. É isso que o grupo como categoria tem pedido nesses anos todos. Só não entende assim quem os vê com muita má vontade ou quem é muito obtuso. Serão esses últimos os professores?
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