EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

CULPAR O ALUNO PELO INSUCESSO É FALTA DE PROFISSIONALISMO

 
ZERO HORA 22 de outubro de 2012 | N° 17230

ENTREVISTA. “Culpar o aluno pelo insucesso é falta de profissionalismo”


DEIVIS DUTRA POTHIN

por ÂNGELA RAVAZZOLO | Editora de Educação

O professor brasileiro Deivis Dutra Pothin descobriu uma nova e desafiadora realidade educacional quando decidiu se mudar para Londres em 2004. Graduado em Letras Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em 2003, foi buscar aperfeiçoamento na Inglaterra e conquistou espaço como professor na St Luke’s CE Primary School. Aos 32 anos, cursando doutorado em Educação na Universidade de Londres, ele acredita que o professor precisa se adaptar aos diferentes perfis dos alunos e aconselha o Brasil a focar na qualidade. Confira trechos da entrevista a Zero Hora por e-mail:

Zero Hora – No Brasil, a carreira de professor tem sofrido, ao longo dos anos, uma desvalorização, incluindo questões salariais e também de valorização social. É diferente na Inglaterra?


Deivis Dutra Pothin – A carreira de professor na Inglaterra é, sem dúvida, mais valorizada se comparada com o Brasil. Existe um plano de carreira bem estruturado, com salários iniciais relativamente atraentes, um plano de previdência complementar compensador e escolas com excelentes recursos pedagógicos. Um fato interessante é que não há diferença salarial entre níveis de ensino – por exemplo, professores recém-formados ganham o mesmo, seja alfabetizando ou lecionando nos últimos anos. A progressão salarial e de carreira depende do desempenho do professor. Cada vez mais o governo atual tem tentado atrair formandos das melhoras universidades para carreira do magistério. Eles recebem bolsa de estudo e auxílio-manutenção e, depois de formados, aqueles que estiverem dispostos a lecionar matérias com falta de professores, como matemática, física, química e línguas estrangeiras, recebem um bônus no salário.

Zero Hora – Qual o maior desafio para os professores na Inglaterra atualmente?

Pothin – Um dos maiores desafios enfrentados pelos professores ingleses atualmente está relacionado com o plano de carreira. Devido à recessão da economia britânica, os salários estão congelados há cerca de dois anos, a contribuição para a previdência social complementar aumentou, e o governo quer aumentar a idade de aposentadoria de 65 para 68 anos. Outra questão tem sido a sobrecarga de trabalho e o monitoramento constante por parte do departamento de educação. Escolas com baixo desempenho são monitoradas minuciosamente pelo órgão fiscalizador. Apesar de o objetivo de tais inspeções ser positivo, elas sobrecarregam não apenas o professor, mas também a liderança da escola.

Zero Hora – A disciplina, ou a falta dela, chega a ser um problema?

Pothin – A indisciplina é uma realidade principalmente nas escolas de Ensino Médio. O ministério da educação tem tomado algumas medidas dando mais autoridade aos professores e diretores. Por exemplo, professores podem vistoriar mochilas e outros pertences sem autorização do aluno ou dos pais caso suspeitem que haja drogas, armas ou álcool. Se necessário, professores também podem fazer uso de contato físico, caso o aluno esteja colocando outros ou a si mesmo em perigo. No entanto, a indisciplina, na minha opinião, é apenas um sintoma de que algo não vai bem na escola.

Zero Hora – Depois de conhecer o sistema britânico de ensino, houve alguma mudança na sua percepção da situação educacional brasileira?

Pothin – Uma das primeiras coisas que aprendi logo que comecei a lecionar aqui é que culpar o aluno pelo insucesso é falta de profissionalismo e injusto com o próprio aluno. A mentalidade aqui na Inglaterra é de que é responsabilidade do professor preparar aulas que sejam interessantes, que desafiem os alunos e que promovam aprendizado. Outra mudança marcante na minha percepção da situação educacional brasileira é a falta de preparo do professor e de muitos coordenadores pedagógicos em promover aprendizado de todos os alunos. Sabe-se que ainda é prática comum em muitas salas de aula brasileiras a cópia ou passar a mesma matéria e atividade para todos os alunos. Isso gera uma série de problemas: ao planejar a aula apenas para o aluno mediano, os alunos com mais dificuldades provavelmente não conseguirão acessar os objetivos, enquanto, aos mais hábeis, sobra desmotivação pela falta de desafios. E a terceira questão que aprendi é a importância da qualidade da liderança no sucesso de todos na escola. No Brasil, apesar da dedicação de muitos diretores, vice-diretores, supervisores e coordenadores, muitos ainda não têm o preparo técnico necessário para gerir uma escola.

Zero Hora – Qual a exigência mínima para conquistar uma vaga nas escolas públicas inglesas?

Pothin – O professor deve alcançar uma titulação de professor qualificado, ou seja, apenas completar o curso superior não é o bastante. É preciso passar nos estágios e no primeiro ano probatório depois de formado. Normalmente, os professores se formam em um bacharelado e fazem uma pós-graduação em tempo integral durante um ano, preparando-se para lecionar. Depois de me formar em Letras na Unisinos, enviei meu histórico escolar e diploma a uma agência do governo britânico que avalia a equivalência de diplomas estrangeiros. Depois de receber a confirmação de que o meu diploma brasileiro era equivalente a um diploma britânico, as oportunidades se abriram e consegui o visto de trabalho na escola onde trabalho até hoje.

Zero Hora – O nível de exigência é mais alto do que no Brasil?

Pothin – Como nas escolas do Reino Unido os alunos passam automaticamente para a série seguinte no final do ano letivo, cabe ao professor diferenciar o conteúdo e as estratégias para que todos avancem. Isso pode ser muito complicado para o professor inexperiente. Digamos que, por exemplo, a turma esteja aprendendo a escrever um conto. Ao planejar as aulas, o professor deve organizar atividades que permitam ao aluno com mais dificuldade escrever uma narrativa com uma estrutura mais simples, enquanto que aos mais hábeis, uma narrativa com estrutura e linguagem mais complexas. No entanto, todos os alunos estarão aprendendo a escrever um conto, mas em estágios diferentes.

Zero Hora – As diferenças sociais e econômicas dos estudantes aparecem na sala de aula?

Pothin – Nas grandes cidades, e especialmente em Londres, muitas escolas recebem alunos de famílias muito carentes. Cabe ao professor planejar aulas e organizar atividades pedagógicas que promovam aprendizado para todas essas crianças. No entanto, uma escola de qualidade não vê essa dificuldade com a língua ou a situação familiar como empecilho mas como um desafio, oferecendo a essas crianças um espaço seguro para que elas se desenvolvam, aprendam e se socializem. Acho que essa é a grande lição para a educação brasileira: investir em qualidade, promover aprendizado para todos na sala de aula e não aceitar que a situação socioeconômica dos alunos limite o potencial de cada um.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -Também acho que culpar o aluno é lavar-as-mãos para as outras mazelas da educação brasileira. Acredito que o problema da educação esteja inserido num conjunto de mazelas entre elas as leis brandas que fomentam a indisciplina e tiram a autoridade da direção das Escolas; as políticas educacionais deficientes e superficiais aplicadas pelos governantes; os parcos investimentos; o descaso com a vocação e formação do aluno visando uma autonomia futura; as condições deficientes de trabalho e de segurança da direção e professores; a falta de comprometimento dos pais; e a crescente desvalorização dos professores que desmotiva o principal agente da Educação, aquele que está na linha de frente e detém o conhecimento e a habilidade do ensino. O Brasil não se vai resolver a questão educacional se não sanar estas mazelas no seu conjunto.

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