EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

domingo, 12 de abril de 2015

MESTRADO COM FREQUÊNCIA DUVIDOSA




zero hora 12 de abril de 2015 | N° 18130


ADRIANA IRION


UNIVERSIDADES S/A



Um aluno da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ganhou notoriedade entre colegas. O médico Heider Aurélio Pinto virou motivo de alvoroço não tanto por ser uma autoridade do Ministério da Saúde, em Brasília – onde ocupa cargo relevante – mas porque teria conquistado o título de mestre em Saúde Coletiva sem frequentar o mínimo de aulas necessárias em Porto Alegre. Titular da secretaria que gerencia o programa Mais Médicos, Hêider defendeu dissertação em agosto de 2014.

Antes de se tornar aluno, Heider já tinha uma relação de parceria com a UFRGS, como representante do Ministério da Saúde. A universidade tem na pasta um aliado para convênios e projetos.

Comparando informações das disciplinas em que ele foi aprovado com dados do Portal Transparência do governo federal, Zero Hora constatou que, em pelo menos 42,6% dos dias de aula Hêider estava em viagens pelo país, a serviço do Ministério da Saúde. Caso tivesse ido a todas as outras aulas, ele só atingiria 57,4% de frequência geral do curso. A universidade, no entanto, exige 75% de presença em cada atividade. De 61 dias de aula, em 26 o médico não poderia estar presente porque cumpria viagens a trabalho.

O Portal Transparência não detalha em todos os casos o percurso das viagens. Mas só em quatro das 26 jornadas a capital gaúcha consta como um dos destinos de Hêider. Se considerada a possibilidade de que ele ter ido à aula em um dos dias de compromissos oficiais, o percentual de ausência, por conta de viagens a trabalho, seria de 36% – ainda assim, a presença estaria aquém da exigida para aprovação.

Outro dado curioso é que mesmo diante deste cenário, os registros no histórico de Hêider apontam 100% de frequência em sete de 13 disciplinas oferecidas em Porto Alegre. E mais: indicam que ele foi um aluno nota 10, já que passou com conceito A em todas as matérias. As informações constam do histórico escolar do aluno obtido por ZH e que tem data de 12 de março de 2014. Na última sexta-feira, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou que, no histórico, consta 100% de frequência em duas disciplinas, mas não apresentou o documento ou informou a data de emissão.

A UFRGS e a coordenação do mestrado defendem que o médico preencheu todas as exigências para conquistar o título de mestre. Também traduzem a importância que Hêider, 38 anos, tem perante a instituição.

– Ele foi diretor de atenção básica do Ministério da Saúde. Conheço ele como autoridade nacional. O encontrei quando buscava estabelecer convênios para a universidade, para a atenção básica, em cima das negociações do Hospital Odontológico. A gente quer uma parceria nesse campo, com o Ministério da Saúde. E o Hêider tem uma expertise enorme. Ele pode compensar as atividades de aluno mediante trabalhos, seminários. A pós-graduação tem essa elasticidade de assimilar as experiências dos alunos para estabelecer um programa melhor ainda – diz o vice-reitor, Rui Oppermann.

A vice coordenadora do mestrado em Saúde Coletiva, Stela Nazareth Meneghel, pondera que eventuais queixas podem ter surgido por ressentimento:

– Na pós-graduação muitas experiências, pode ser um congresso, um seminário, podem compor parte da carga horária. Isso significa que nem todos vão ter os mesmos conteúdos dentro da carga horária total. Para um aluno que ficou em sala de aula 30 horas presenciais, se o outro teve 15 horas em outro local, ele pode se sentir ressentido, sim. A gente vive numa sociedade extremamente competitiva, individualista.

Sobre o desempenho de Hêider, Stela garante ter sido o suficiente para aprovação dentro das regras:

– Posso assegurar que ele teve frequência, não 100%, mas a mínima nossa, que é 75%, para as (disciplinas) obrigatórias. Algumas foram feitas condensadas, sexta e sábado, até domingo. Ele teve frequência mínima nas obrigatórias. É um excelente profissional, nos sentimos honrados de ter entre nossos alunos profissionais do Ministério da Saúde, isso significa mais um selo de avaliação e de validação da nossa universidade e nosso mestrado.

A boa relação entre UFRGS e Ministério da Saúde é inegável. Uma das iniciativas que marcam essa parceria é a Rede Governo Colaborativo em Saúde. A coordenação nacional do projeto é feita na UFRGS, sob responsabilidade do professor Alcindo Ferla, orientador de Hêider na pós-graduação.

Hêider ingressou no Ministério da Saúde em 2011 para dirigir o Departamento de Atenção Básica. Desde abril de 2014, ocupa o cargo de secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, setor que gerencia o Mais Médicos. Ferla e o professor Ricardo Burg Ceccim, coordenador do mestrado, também atuaram no ministério. Mesmo admitindo a relação anterior com os dois, Hêider refuta que tenha sido favorecido no curso:

– Atualmente, como as demais secretarias do Ministério da Saúde, posso ordenar despesas com universidades e, claro, essas cooperações são realizadas com as universidades públicas. A secretaria que dirijo se relaciona com mais de 80 universidades. Considero um absurdo tentar relacionar minha atuação pública enquanto gestor com qualquer tipo de favorecimento no programa de pós-graduação, tendo eu prestado concurso, cumprido todas as regras do programa e tendo produzido cinco artigos e um capítulo de livro, quando a média do número de artigos da maioria dos demais alunos do mesmo programa foi de um artigo submetido.

A coordenação do mestrado admite que Hêider pode não ter estado sempre presente, mas ressalta que normas permitem que alunos completem a carga horária em até 100% com atividades à distância. É o que diz o parágrafo 3º do art 43 do regimento interno do curso: “O aluno deverá ter, no mínimo, 75% de frequência na carga horária prevista em cada atividade de ensino a que se matricule, podendo a mesma ser demonstrada por diferentes atividades de aprendizado a distância, a critério do professor”. Parte deste trecho do regimento, no entanto, foi publicada somente em 26 de agosto de 2014, quando faltavam dois dias para Hêider defender sua dissertação. A regra em vigor antes não continha a parte “podendo a mesma ser demonstrada por diferentes atividades de aprendizado a distância, a critério do professor”. Gestores da universidade com os quais ZH conversou dizem estranhar a construção da norma, que deixa a avaliação para compensações a critério direto do docente.

Quanto ao prazo de validade do regimento, Ceccim garante que a norma é retroativa e tem valor para alunos matriculados a qualquer tempo.

– O fundamental é que o aluno nunca perde direitos, pode apenas adquiri-los – diz Ceccim.

ZH pediu à UFRGS uma manifestação sobre novas normas (o regimento interno de um curso) valerem retroativamente, ampliando benefícios.

Conforme a assessoria de imprensa, “não há norma sobre poder ou não retroagir (nem seria pertinente que houvesse, pois seria tão abrangente e genérica a ponto de torná-la ineficaz). Pensemos sobre a retroatividade da norma: há contextos em que pode e deve retroagir, como para corrigir distorções de outra norma, por exemplo. Uma norma sobre esse tema não seria capaz de contemplar todas as possibilidades, então não seria possível editá-la. Diante desse cenário, o que ocorre é a análise caso a caso. Sobre o regimento, é possível que ele tenha efeitos retroativos, sim, desde que essa decisão seja tomada por um colegiado, e desde que as novas normas não visem ao prejuízo dos estudantes”.

Se a carga horária de disciplinas do mestrado em Saúde Coletiva podia ser completada em até 100% fora de aula, a regra não estava clara para todos.

– Não tive conhecimento da possibilidade de alguém poder completar disciplinas com atividades externas – garante uma aluna do mestrado que conversou com ZH, pedindo preservação do nome.

A própria resolução nº 01/2013 do mestrado em Saúde Coletiva, apresentada pela coordenação para validar a informação de que os alunos podem compensar aulas com seminários, dá limites. O texto diz que obtenção de créditos por publicação científica, participação em eventos científicos e apresentação de conferências e palestras não pode ultrapassar 55% dos créditos previstos no curso. Além disso, há regras formais para a educação a distância.

Nesse quesito, a UFRGS segue a Legislação Federal. O artigo 1° do Decreto nº 5.622/2005 define a Educação a Distância como “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”. Mas é preciso lembrar: o curso em questão é presencial.

O mestrado em Saúde Coletiva teve atividades desenvolvidas entre o segundo semestre de 2012 e o segundo semestre de 2014. As aulas foram ministradas em dias e horários variados, algumas, com períodos o dia inteiro, outras só pela manhã ou à tarde. Também quinzenais e aos sábados.

– O comentário sobre ele era geral, sobre não aparecer nas aulas. Mas ninguém levou adiante por temer problemas com professores – conta uma colega de Hêider no mestrado, que não se identifica por receio de represálias dentro da escola.

O mal-estar de alunos em relação à ausência de Hêider era tanto que docentes chegaram a levar informações a gestores, mas não houve apuração oficial do caso. A partir das suspeitas, Zero Hora fez uma busca para verificar se as ausências se confirmariam. Com pedido pela Lei de Acesso à Informação, obteve junto à UFRGS a grade de disciplinas e de horários oferecidos para o mestrado em Saúde Coletiva. Com o registro de disciplinas em que Hêider se matriculou a cada semestre, a partir do histórico, também foi possível cruzar informações com dados sobre viagens feitas por ele pelo Ministério da Saúde.

A coordenação do mestrado diz que as informações do histórico obtido por ZH “não correspondem” 100% ao histórico do aluno, mas se negou a informar o teor do documento, alegando sigilo. A vice-coordenadora também disse não ser possível revelar o percentual de atividades externas feito por Hêider para compor carga horária. Questionado sobre como o aproveitamento dessas atividades é demonstrado no histórico do aluno (se seria como validação, por exemplo), o coordenador do mestrado afirmou que isso “não aparece no histórico, fica expresso pelo conceito final”.

– Na pós, não há regra geral. Tem de cumprir créditos, que incluem atividades, presenciais ou não. A grande maioria é presencial, mas ele pode ganhar créditos de outra forma. Seminários, trabalhos – afirma o vice-reitor da UFRGS, Rui Oppermann.

Mas se a grande maioria do que tem de ser cumprido é presencial, Hêider realmente não teria como tê-lo feito em função dos compromissos pelo Ministério. ZH também fez levantamento a partir da grade completa de disciplinas oferecidas no curso – sem levar em conta apenas as disciplinas em que Hêider foi aprovado e que constam do histórico datado de março. Ao cruzar as datas de aulas de quatro semestres (de 2012/2 a 2014/1, com exceção de quatro disciplinas que não tinham descrição dos dias de aula) com viagens do médico, apurou que em pelo menos 35,1% dos dias ele estaria impossibilitado de estar presente em sala de aula.


 


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