O GLOBO 09/06/2014 6:00
ANTONIO GOIS
De 1950 a 2014, nossa educação viveu fenômeno oposto ao dos estádios padrão Fifa: massificou-se, mas perdeu qualidade
‘Me chama de Copa e investe em mim. Assinado: educação.” Nas manifestações de junho do ano passado, esse foi um dos cartazes mais replicados pelo país entre aqueles que cobravam para nossas escolas o mesmo padrão Fifa de qualidade que estava sendo entregue aos estádios.
Tanto no futebol quanto na educação, há quem sinta saudade dos tempos em que o Brasil sediou seu primeiro Mundial. O curioso é que, de lá para cá, nossas escolas públicas sofreram uma espécie de efeito Maracanã ao contrário: perderam qualidade, mas ficaram mais democráticas.
No dia mais triste do futebol brasileiro, quando perdemos a Copa de 1950 para o Uruguai, 200 mil torcedores sofreram mal-ajambrados no recém-inaugurado Maracanã. Depois de sucessivas reformas que consumiram mais e mais recursos públicos, a lotação caiu para 79 mil pessoas, e o estádio foi se elitizando até chegar ao atual padrão Fifa, em que poucos têm acesso aos jogos, mas com conforto incomparável ao que se via no passado.
Enquanto isso, a educação pública trilhava caminho oposto. Há 64 anos, segundo estatísticas do IBGE, havia 4,9 milhões de alunos matriculados no que hoje chamamos de ensinos fundamental e médio. Considerando que a população de 5 a 19 anos, em 1950, era de 19 milhões de brasileiros, podemos estimar que apenas um em cada quatro crianças ou jovens estudava. Atualmente, nessa mesma faixa etária, há 49 milhões de brasileiros, e 87% deles estão matriculados em algum nível de ensino.
O atraso brasileiro na educação não foi fruto do acaso. Em 1950, 51% da população adulta não sabiam ler e escrever. Nos Estados Unidos daquele mesmo ano, essa proporção era de apenas 3%, patamar que até hoje não conseguimos alcançar. A taxa mais recente de analfabetismo divulgada pelo IBGE foi de 9%.
Não há dados objetivos para comparar a qualidade do ensino de meados do século passado com a de agora, mas, pelos relatos de quem estudou nas escolas públicas daquele período e por circunstâncias que nunca mais se repetiram em nossa História, é razoável supor que tivemos uma época de ouro na educação, ao menos para uma minoria de alunos.
Um dos fatores que contribuíram para isso foi o perfil dos professores. Em 1950, o magistério era ainda uma profissão de prestígio e uma das poucas a abrir suas portas para as mulheres. Aos poucos, no entanto, a carreira foi ficando menos atrativa em termos salariais. Além disso, uma parcela da força de trabalho feminina que antes tinha como única opção ser professora foi superando barreiras e conquistando espaço em outras profissões universitárias.
Esse movimento veio acompanhado do aumento das matrículas. A educação pública foi ficando menos excludente, e nela passaram a ingressar mais filhos de pais de instrução precária e dos mais pobres entre os pobres do país. Ainda estamos longe de garantir um ensino universal de qualidade, mas nas escolas públicas, ao menos no nível fundamental, há espaço para todos.
Vai ter Copa, e minha camisa do Brasil já está separada. O fato de confrontarmos os investimentos no esporte chamado de paixão nacional com a situação do ensino público é um sinal positivo de que estamos amadurecendo e, aos poucos, colocando as prioridades em seus devidos lugares. É hora mesmo de cobrar um padrão alto de qualidade na educação. Para todos.
ANTONIO GOIS
De 1950 a 2014, nossa educação viveu fenômeno oposto ao dos estádios padrão Fifa: massificou-se, mas perdeu qualidade
‘Me chama de Copa e investe em mim. Assinado: educação.” Nas manifestações de junho do ano passado, esse foi um dos cartazes mais replicados pelo país entre aqueles que cobravam para nossas escolas o mesmo padrão Fifa de qualidade que estava sendo entregue aos estádios.
Tanto no futebol quanto na educação, há quem sinta saudade dos tempos em que o Brasil sediou seu primeiro Mundial. O curioso é que, de lá para cá, nossas escolas públicas sofreram uma espécie de efeito Maracanã ao contrário: perderam qualidade, mas ficaram mais democráticas.
No dia mais triste do futebol brasileiro, quando perdemos a Copa de 1950 para o Uruguai, 200 mil torcedores sofreram mal-ajambrados no recém-inaugurado Maracanã. Depois de sucessivas reformas que consumiram mais e mais recursos públicos, a lotação caiu para 79 mil pessoas, e o estádio foi se elitizando até chegar ao atual padrão Fifa, em que poucos têm acesso aos jogos, mas com conforto incomparável ao que se via no passado.
Enquanto isso, a educação pública trilhava caminho oposto. Há 64 anos, segundo estatísticas do IBGE, havia 4,9 milhões de alunos matriculados no que hoje chamamos de ensinos fundamental e médio. Considerando que a população de 5 a 19 anos, em 1950, era de 19 milhões de brasileiros, podemos estimar que apenas um em cada quatro crianças ou jovens estudava. Atualmente, nessa mesma faixa etária, há 49 milhões de brasileiros, e 87% deles estão matriculados em algum nível de ensino.
O atraso brasileiro na educação não foi fruto do acaso. Em 1950, 51% da população adulta não sabiam ler e escrever. Nos Estados Unidos daquele mesmo ano, essa proporção era de apenas 3%, patamar que até hoje não conseguimos alcançar. A taxa mais recente de analfabetismo divulgada pelo IBGE foi de 9%.
Não há dados objetivos para comparar a qualidade do ensino de meados do século passado com a de agora, mas, pelos relatos de quem estudou nas escolas públicas daquele período e por circunstâncias que nunca mais se repetiram em nossa História, é razoável supor que tivemos uma época de ouro na educação, ao menos para uma minoria de alunos.
Um dos fatores que contribuíram para isso foi o perfil dos professores. Em 1950, o magistério era ainda uma profissão de prestígio e uma das poucas a abrir suas portas para as mulheres. Aos poucos, no entanto, a carreira foi ficando menos atrativa em termos salariais. Além disso, uma parcela da força de trabalho feminina que antes tinha como única opção ser professora foi superando barreiras e conquistando espaço em outras profissões universitárias.
Esse movimento veio acompanhado do aumento das matrículas. A educação pública foi ficando menos excludente, e nela passaram a ingressar mais filhos de pais de instrução precária e dos mais pobres entre os pobres do país. Ainda estamos longe de garantir um ensino universal de qualidade, mas nas escolas públicas, ao menos no nível fundamental, há espaço para todos.
Vai ter Copa, e minha camisa do Brasil já está separada. O fato de confrontarmos os investimentos no esporte chamado de paixão nacional com a situação do ensino público é um sinal positivo de que estamos amadurecendo e, aos poucos, colocando as prioridades em seus devidos lugares. É hora mesmo de cobrar um padrão alto de qualidade na educação. Para todos.
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