EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

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quinta-feira, 13 de março de 2014

ORELHAS DA POLÊMICA


ZERO HORA 13 de março de 2014 | N° 17731


Cirurgia antibullying. Prefeitura catarinense gera controvérsia ao pagar operações plásticas em crianças hostilizadas pelo formato das orelhas



Uma iniciativa polêmica da prefeitura de São José, na região metropolitana de Florianópolis (SC), reacendeu o debate sobre como combater o bullying nas escolas. O município decidiu oferecer gratuitamente a otoplastia, cirurgia plástica para correção da chamada orelha de abano, a crianças que sofrem provocações no colégio.

Com a medida, tomada pela prefeita Adeliana Dal Pont, estudantes que apresentam atraso no rendimento escolar ou algum tipo de problema emocional causado por agressões psicológicas dos colegas podem ter a operação custeada pelo município. A prefeitura informou ter destinado verbas de saúde para realização de 14 otoplastias em 2013, mas nem todas teriam sido em crianças.

Para especialistas, resolver a questão por meio de um procedimento cirúrgico tira o foco da discussão sobre o bullying e pode até reforçar o preconceito. Débora Dalbosco Dell’Aglio, professora do Instituto de Psicologia da UFRGS, afirma que a medida não contribuirá de forma efetiva para combater a agressão e pode, em lugar disso, chamar mais atenção para esse tipo de situação.

– Há pessoas que têm problemas físicos, convivem bem com isso e não precisam de cirurgias reparadoras. Esse parece ser um projeto que não vem das necessidades do público envolvido, mas sim de uma ideia preconcebida de alguém que não tem ideia do fenômeno maior. O foco deve ser trabalhar a aceitação do diferente.

Raquel Maria de Lima, mãe de um menino de 11 anos que passou por uma otoplastia custeada pela prefeitura de São José, conta que o filho parou de sofrer com as agressões dos colegas de escola. O garoto chegava chorando em casa e dizia que os amigos o provocavam.

– Ele me diz que não faria de novo. Sofreu muito no pós-operatório. Por um lado, ele parou de sofrer na escola, mas, por outro, sofreu muito pela cirurgia – diz Raquel.

Projeto de lei prevê oferta do procedimento pelo SUS

Uma proposta para oferecer a otoplastia no Sistema Único de Saúde tramita na Câmara dos Deputados. Para o deputado federal Guilherme Campos (PSD-SP), autor do projeto de lei, não se trata de uma cirurgia estética, mas sim reparadora:

– Fui procurado sobre isso em função do bullying e do impacto psicológico na vida das crianças. O custo em clínica particular é alto (entre R$ 3 mil e R$ 6 mil), então colocamos a possibilidade de o SUS implantar essa cirurgia, que não é estética.

O texto está na Comissão Social e da Família e deve passar ainda pelas comissões de Finanças e Constituição e Justiça antes de ir ao Senado. O deputado minimiza as críticas:

– Isso é procurar chifre em cabeça de cavalo. Sempre vai ter alguma argumentação. Quem for contrário, que se manifeste. E se o Congresso entender assim, que não aprove a lei.

Dados

- 7,2% dos brasileiros de 13 a 15 anos sofrem bullying, segundo o IBGE.

- 42% dos casos relatados em oito escolas de SC são motivados por aspectos físicos.


ENTREVISTAS


“A criança precisa se sentir bem”

Entrevista com Adeliana Dal Pont, prefeita de São José (SC)


Responsável por oferecer otoplastias a vítimas de bullying, a prefeita de São José (SC), Adeliana Dal Pont, defende que a medida contribui no desempenho escolar.

Por que a senhora resolveu tomar essa iniciativa?

Adeliana Dal Pont – Na escola, a criança, além de ter um espaço com professor bem qualificado, precisa estar bem, e isso (orelhas de abano) é algo que as incomoda. Há histórias de crianças que só andavam de boné por causa da orelha, então temos de buscar alguma coisa, mesmo que seja um ato pequeno.

Especialistas defendem que incentivar o contato com as diferenças e mostrar a partir do ensino que é possível essa convivência com a diversidade seria uma solução melhor.

Adeliana – Como estive muito próxima de uma pessoa que tinha essa dificuldade, coloco o serviço à disposição. Tem de ver o que acham a criança e a família envolvidas. A prioridade quem dita é o número de casos.

Essas cirurgias são pagas com recursos do município. Não há outros procedimentos que poderiam ser considerados prioridade na saúde de São José?

Adeliana – Trata-se de algo que incomoda as crianças, mas não é só esse procedimento que fazemos. Temos também convênios para atender a outras necessidades. Não é para causar polêmica. É para dizer que o poder público tem preocupação, que a saúde e a educação no sistema público podem ter qualidade se tivermos essa vontade. Na posição de gestora, de mulher pública, eu tenho a obrigação de disponibilizar os serviços.


“Pode ser ruim e perigoso”

Entrevista com Carolina Lisboa, psicóloga



A psicóloga Carolina Lisboa, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e especialista no tema, afirma que a cirurgia não acaba com o bullying e não deve ser incentivada.

Zero Hora – Como a senhora avalia essa iniciativa?

Carolina Lisboa – Se há um movimento de cima para baixo dizendo que a criança tem de se submeter à cirurgia, isso dá a ideia de que ela está errada e existe um jeito certo de ser. Isso pode ser ruim e perigoso. Pode provocar uma necessidade e supervalorizar a questão da estética. E isso a gente não quer, principalmente entre crianças e adolescentes, que estão construindo a identidade e o autoconceito. Se ela está sofrendo, não vejo problema em fazer a cirurgia, mas não é isso que vai solucionar o bullying.

ZH – Como se pode agir para prevenir o bullying?

Carolina – Há outras formas de agir, favorecendo comportamentos como o de se colocar no lugar do outro, incentivar a solidariedade e o respeito às diferenças individuais, e não a “correção” para que todas as pessoas fiquem iguais.

ZH – Qual o papel dos pais?

Carolina– São fundamentais para evitar que as crianças façam bullying e para ajudá-las a lidar com essas situações. Eles precisam fazer uma autorreflexão: o meu filho está infeliz com a orelha de abano ou sou eu que estou? E manter o diálogo, colocar-se no lugar deles, e não fomentar em casa o preconceito que já existe na rua. O bullying não deve ser subestimado.


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