ZERO HORA 24 de novembro de 2014 | N° 17993
EDUCAÇÃO SEGURANÇA EM DEBATE
EM MEIO À CONTROVÉRSIA envolvendo vistoria de alunos em colégio estadual de Caxias do Sul, diretora da instituição questiona papel da escola e dos familiares na educação. Caso foi parar na delegacia após confusão
Uma
decisão ousada e controversa da diretoria de um colégio de Caxias do
Sul causou reboliço na Serra. Na última quinta- feira, alunos do Ensino
Médio da Escola Estadual Santa Catarina passaram a ser revistados na
entrada e na saída da instituição. A medida deveria se estender até o
final do ano letivo, mas, devido à revolta da comunidade escolar, durou
apenas um dia, sem se repetir na sexta-feira. Indignada com a proporção
que a história tomou, Ione Brandalise Biazus, diretora do colégio, o
quinto maior da cidade, desabafou:
– A escola precisa de regras. A família abandona aqui e acha que temos de lidar com eles, sem limites.
Diante da perplexidade de pais e alunos com a atitude, a Brigada Militar foi acionada. Diretora e alunos foram encaminhados à Delegacia da Polícia Civil após a confusão.
A decisão de contratar vigilantes para as vistorias nas mochilas teria sido tomada pelo Conselho Escolar – formado por pais, alunos e equipe diretiva. A medida valia apenas para estudantes do turno da manhã, do 2º e do 3º anos do Ensino Médio.
Entre os motivos que levaram ao polêmico esquema de segurança estaria a ousadia de estudantes do 3° ano, que compareceram à escola, na segunda-feira passada, trajando pijamas e babydolls. Eles também teriam pendurado peças íntimas nos mastros onde as bandeiras são hasteadas. A “brincadeira” pretendia celebrar o fim do ano letivo e a conclusão do Ensino Médio.
Os estudantes também teriam quebrado bancos da instituição e ameaçado ir à escola com armas, drogas e bebidas alcoólicas. Juntou- se a isso o fato de alunos já terem sido flagrados com drogas e armamentos ao longo do ano letivo. No momento das revistas, nenhum objeto ilícito foi localizado pela equipe de vigilância, segundo a direção.
A 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) manifestou-se contrária à medida da escola, dizendo que a direção havia perdido o controle da situação, e recomendou que, em casos de desordem e ameaça, a BM fosse acionada.
Professor da Faculdade de Direito da UFRGS, Sérgio Borja diz que o direito à privacidade, em princípio, é absoluto e que o colégio não é autoridade para determinar tal ação.
– Isto é discutível, ainda mais se há indícios de violência. Entretanto, enquanto não houver mudança legislativa, tem de ser cumprido. O mais correto teria sido trazer o poder de polícia para junto da escola para fazer este tipo de serviço – disse o professor.
Para Domingos Silveira, professor de Direito da Infância e Direitos Humanos da UFRGS, a atitude da escola foi desproporcional. Ele disse que a ação fere, em tese, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao submetê-los a um vexame:
– Pouco importa o argumento de que é para a segurança deles próprios. Isto demonstra uma falta de controle que não é a revista que vai devolver.
Na sexta-feira, professores da escola manifestaram apoio à diretora nas redes sociais.
Ao jornal Pioneiro, a diretora destacou que a intenção da revista era proteger os próprios alunos. Ione condenou o distanciamento da família da vida escolar dos filhos, chaga que atinge não só o caso de Caxias, mas várias escolas no país. Leia, ao lado, trechos da entrevista.
PAPEL DOS PAIS
É uma minoria de pais que vem aqui participar. Os pais são convidados a participar do Conselho Escolar, para vir nas reuniões da Associação de Pais, para atividades da escola. São sempre os mesmos que estão aqui. Só que, no momento em que precisamos dos pais, em vez de virem somar, para juntos resolvermos os problemas, eles fazem o que fizeram quinta: ligam para a Brigada Militar. Estávamos resolvendo o problema com diálogo.
PAPEL DA ESCOLA
A responsabilidade foi jogada para a escola. Os políticos em campanha eleitoral dizem: “as metas têm de ser elevadas”. Estou ouvindo desaforo de pais por telefone dizendo que eu tirei os melhores professores da escola. Eu não tenho autonomia nem para mandar os péssimos professores embora.
REGRAS
A escola precisa de regras. A família abandona os jovens aqui e acha que nós temos de lidar com eles sem limite algum. No momento em que tu estabeleces limites, queres formar uma pessoa melhor para a sociedade. Ele vai saber respeitar as regras de trânsito, os idosos, o pai e a mãe.
DROGAS NO COLÉGIO
É problema de todas as escolas. A partir do momento em que eu tiver aluno drogado aqui dentro, e a família não comparece, vou fazer o quê? Os pais não estão olhando as mochilas, eles não vieram buscar boletim. Aí, questionam por que eu não chamei para pegar os boletins. Foi todo o calendário da escola com os filhos para casa, com todas as datas, e a família não aparece.
VALORES
Fui aluna desta escola. A minha família está apreensiva pelo que pode acontecer comigo, estou recebendo ameaças. Que valores são esses? A sociedade quer que tipo de jovem ali fora? Que está se matando com bebida, com droga? Depois mostram na TV “mais um jovem...”. Tudo o que a gente está fazendo é educar, o que a família não faz. O que a família fez? Ficou contra a escola, ligou para a Brigada quando revistamos as mochilas.
SENTIMENTO
Tive de abrir as portas da escola e fazer de conta que está tudo maravilhoso, só que não está. Se eu pudesse, botava uma faixa ali fora, “educação em luto”. Vontade de entregar meu diploma e dizer que sempre acreditei na educação. Que famílias são essas? E os familiares que somem? Deixam os alunos aqui abandonados e estão em outra cidade.
DESAFIOS
Eles (os alunos) não querem ser cobrados por nada. É uma briga com o uniforme, mas o uniforme é segurança. Semana passada, tiramos pessoas uniformizadas daqui que não eram da escola. Não é para dar medo? Falo isso para os pais e eles não acreditam. Precisam ver o que aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro, de alunos desequilibrados entrando, matando gente para fazer alguma coisa? Não tem problema chegar e dizer assim: “diretora, eu não concordo com isso”. Mas venham nas reuniões.
PREPAROPROFISSIONAL
Os professores muitas vezes passam a maior parte do tempo trabalhando problema disciplinar, menos atividades e conteúdos pedagógicos, porque têm problemas que não dá para fechar os olhos, porque os pais fecharam. Cansei, este ano, de ter pais aqui dizendo “diretora, encaminha meu filho ou filha para o Conselho Tutelar, porque eu não sei mais o que fazer. Eu descobri que, embaixo do travesseiro do meu filho, tem maconha ou cocaína”. Eu disse “mãe, eu não posso fazer nada na sua casa”.
FUTURO
Impotência e indignação. Essas palavras traduzem a semana. Assim, ninguém mais quer ser diretor de escola. Ninguém mais quer ser vice-diretor, tanto é que estou sozinha de novo. A minha vontade, hoje, sinceramente, é ir na coordenadoria e entregar meu cargo. Mas eu ainda acredito que a educação é o caminho.
SUSPENSÃODA REVISTA
As revistas foram suspensas porque não poderia ter vistoria sem a presença da Brigada. A Brigada não compareceu, nem a Patrulha Escolar, era para os órgãos estarem aqui. Se a BM tivesse comparecido, teria ocorrido revista.
APELO
Temos 1.026 alunos inscritos para o primeiro ano do Ensino Médio em 2015. Teremos 157 vagas. O meu apelo é que os pais que conseguirem essas vagas mudem essa história e venham fazer com que o Santa recupere todos os valores que são importantes para formar uma pessoa melhor, porque esse era o nosso objetivo. Olhem de forma diferente para essa escola e venham para somar, não para dividir. Se não, já façam a matrícula em outra escola.
– A escola precisa de regras. A família abandona aqui e acha que temos de lidar com eles, sem limites.
Diante da perplexidade de pais e alunos com a atitude, a Brigada Militar foi acionada. Diretora e alunos foram encaminhados à Delegacia da Polícia Civil após a confusão.
A decisão de contratar vigilantes para as vistorias nas mochilas teria sido tomada pelo Conselho Escolar – formado por pais, alunos e equipe diretiva. A medida valia apenas para estudantes do turno da manhã, do 2º e do 3º anos do Ensino Médio.
Entre os motivos que levaram ao polêmico esquema de segurança estaria a ousadia de estudantes do 3° ano, que compareceram à escola, na segunda-feira passada, trajando pijamas e babydolls. Eles também teriam pendurado peças íntimas nos mastros onde as bandeiras são hasteadas. A “brincadeira” pretendia celebrar o fim do ano letivo e a conclusão do Ensino Médio.
Os estudantes também teriam quebrado bancos da instituição e ameaçado ir à escola com armas, drogas e bebidas alcoólicas. Juntou- se a isso o fato de alunos já terem sido flagrados com drogas e armamentos ao longo do ano letivo. No momento das revistas, nenhum objeto ilícito foi localizado pela equipe de vigilância, segundo a direção.
A 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) manifestou-se contrária à medida da escola, dizendo que a direção havia perdido o controle da situação, e recomendou que, em casos de desordem e ameaça, a BM fosse acionada.
Professor da Faculdade de Direito da UFRGS, Sérgio Borja diz que o direito à privacidade, em princípio, é absoluto e que o colégio não é autoridade para determinar tal ação.
– Isto é discutível, ainda mais se há indícios de violência. Entretanto, enquanto não houver mudança legislativa, tem de ser cumprido. O mais correto teria sido trazer o poder de polícia para junto da escola para fazer este tipo de serviço – disse o professor.
Para Domingos Silveira, professor de Direito da Infância e Direitos Humanos da UFRGS, a atitude da escola foi desproporcional. Ele disse que a ação fere, em tese, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao submetê-los a um vexame:
– Pouco importa o argumento de que é para a segurança deles próprios. Isto demonstra uma falta de controle que não é a revista que vai devolver.
Na sexta-feira, professores da escola manifestaram apoio à diretora nas redes sociais.
Ao jornal Pioneiro, a diretora destacou que a intenção da revista era proteger os próprios alunos. Ione condenou o distanciamento da família da vida escolar dos filhos, chaga que atinge não só o caso de Caxias, mas várias escolas no país. Leia, ao lado, trechos da entrevista.
PAPEL DOS PAIS
É uma minoria de pais que vem aqui participar. Os pais são convidados a participar do Conselho Escolar, para vir nas reuniões da Associação de Pais, para atividades da escola. São sempre os mesmos que estão aqui. Só que, no momento em que precisamos dos pais, em vez de virem somar, para juntos resolvermos os problemas, eles fazem o que fizeram quinta: ligam para a Brigada Militar. Estávamos resolvendo o problema com diálogo.
PAPEL DA ESCOLA
A responsabilidade foi jogada para a escola. Os políticos em campanha eleitoral dizem: “as metas têm de ser elevadas”. Estou ouvindo desaforo de pais por telefone dizendo que eu tirei os melhores professores da escola. Eu não tenho autonomia nem para mandar os péssimos professores embora.
REGRAS
A escola precisa de regras. A família abandona os jovens aqui e acha que nós temos de lidar com eles sem limite algum. No momento em que tu estabeleces limites, queres formar uma pessoa melhor para a sociedade. Ele vai saber respeitar as regras de trânsito, os idosos, o pai e a mãe.
DROGAS NO COLÉGIO
É problema de todas as escolas. A partir do momento em que eu tiver aluno drogado aqui dentro, e a família não comparece, vou fazer o quê? Os pais não estão olhando as mochilas, eles não vieram buscar boletim. Aí, questionam por que eu não chamei para pegar os boletins. Foi todo o calendário da escola com os filhos para casa, com todas as datas, e a família não aparece.
VALORES
Fui aluna desta escola. A minha família está apreensiva pelo que pode acontecer comigo, estou recebendo ameaças. Que valores são esses? A sociedade quer que tipo de jovem ali fora? Que está se matando com bebida, com droga? Depois mostram na TV “mais um jovem...”. Tudo o que a gente está fazendo é educar, o que a família não faz. O que a família fez? Ficou contra a escola, ligou para a Brigada quando revistamos as mochilas.
SENTIMENTO
Tive de abrir as portas da escola e fazer de conta que está tudo maravilhoso, só que não está. Se eu pudesse, botava uma faixa ali fora, “educação em luto”. Vontade de entregar meu diploma e dizer que sempre acreditei na educação. Que famílias são essas? E os familiares que somem? Deixam os alunos aqui abandonados e estão em outra cidade.
DESAFIOS
Eles (os alunos) não querem ser cobrados por nada. É uma briga com o uniforme, mas o uniforme é segurança. Semana passada, tiramos pessoas uniformizadas daqui que não eram da escola. Não é para dar medo? Falo isso para os pais e eles não acreditam. Precisam ver o que aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro, de alunos desequilibrados entrando, matando gente para fazer alguma coisa? Não tem problema chegar e dizer assim: “diretora, eu não concordo com isso”. Mas venham nas reuniões.
PREPAROPROFISSIONAL
Os professores muitas vezes passam a maior parte do tempo trabalhando problema disciplinar, menos atividades e conteúdos pedagógicos, porque têm problemas que não dá para fechar os olhos, porque os pais fecharam. Cansei, este ano, de ter pais aqui dizendo “diretora, encaminha meu filho ou filha para o Conselho Tutelar, porque eu não sei mais o que fazer. Eu descobri que, embaixo do travesseiro do meu filho, tem maconha ou cocaína”. Eu disse “mãe, eu não posso fazer nada na sua casa”.
FUTURO
Impotência e indignação. Essas palavras traduzem a semana. Assim, ninguém mais quer ser diretor de escola. Ninguém mais quer ser vice-diretor, tanto é que estou sozinha de novo. A minha vontade, hoje, sinceramente, é ir na coordenadoria e entregar meu cargo. Mas eu ainda acredito que a educação é o caminho.
SUSPENSÃODA REVISTA
As revistas foram suspensas porque não poderia ter vistoria sem a presença da Brigada. A Brigada não compareceu, nem a Patrulha Escolar, era para os órgãos estarem aqui. Se a BM tivesse comparecido, teria ocorrido revista.
APELO
Temos 1.026 alunos inscritos para o primeiro ano do Ensino Médio em 2015. Teremos 157 vagas. O meu apelo é que os pais que conseguirem essas vagas mudem essa história e venham fazer com que o Santa recupere todos os valores que são importantes para formar uma pessoa melhor, porque esse era o nosso objetivo. Olhem de forma diferente para essa escola e venham para somar, não para dividir. Se não, já façam a matrícula em outra escola.
REVISTA EM DEBATE |
-Na quinta-feira, os alunos do turno da manhã da Escola Estadual Santa Catarina, de Caxias do Sul, foram revistados na entrada e na saída do colégio por um vigilante contratado para isso. |
-A vistoria na mochila dos estudantes de 2º e 3º ano do Ensino Médio revoltou pais e alunos. |
-A medida teria partido do Conselho Escolar após alunos terem ido à escola trajando pijamas e babydolls e quebrado bancos da instituição. Adolescentes teriam ameaçado a direção, afirmando que iriam à escola com drogas, armas e bebidas alcoólicas. |
-A diretora foi parar na delegacia acompanhada de alunos, e um boletim de ocorrência foi registrado sobre o assunto. |
-Apesar de ter reiterado que a vistoria se estenderia até o fim do ano letivo, o esquema foi desmontado na manhã seguinte à confusão e nenhum aluno foi revistado novamente. |
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