O GLOBO, 14/04/2014
Antonio Gois
Violência e pobreza têm efeitos perversos no aprendizado. É injusto cobrar que as escolas, sozinhas, contornem esses problemas
A ocupação da Maré por forças de segurança do Estado reforça a expectativa de que a política de pacificação venha acompanhada da melhoria dos serviços públicos nas favelas. Há muito a fazer nas escolas destas comunidades, mas estudos demonstram que, por si só, a redução da violência já tem impactos positivos no desempenho dos alunos.
Um trabalho que comprova esta tese foi feito pelos pesquisadores Joana Monteiro e Rudi Rocha. Orientados pelo economista Cláudio Ferraz, da PUC-Rio, eles compararam o desempenho de alunos da mesma escola em anos relativamente calmos com períodos em que houve conflitos relacionados ao tráfico de drogas em favelas cariocas. A conclusão é que, em média, as notas caem significativamente quando os tiroteios são mais frequentes. E é fácil entender o motivo. Nas escolas mais afetadas pelo problema, alunos ficam mais dias sem aula, diretores passam menos tempo no cargo e professores faltam mais.
A conclusão vale não só para o Brasil. Uma pesquisa sobre o México, recém-publicada no jornal da Associação Americana de Sociologia, mostra que altas taxas de homicídios impactam negativamente o desempenho de alunos nos primeiros anos do ensino fundamental.
A violência, convém lembrar, não é o único fator externo à escola a afetar seus resultados. Num capítulo de seu livro Reign of Error (Reinado do Erro), a historiadora americana Diane Ravitch cita vários estudos que demonstram os mecanismos pelos quais a pobreza, principalmente quando em grau extremo, tem efeito perverso no desenvolvimento cognitivo. Ela argumenta que, nos Estados Unidos, este debate é polarizado em dois extremos: os que defendem que o nível socioeconômico não pode servir de desculpa e os que argumentam que, antes de cobrar resultados dos professores, é preciso atacar a pobreza.
É um típico caso em que os dois lados têm só uma parcela de razão. Se há robusta evidência empírica de que a pobreza e outros fatores externos têm forte impacto no desempenho, por outro lado, é sim possível, como demonstram escolas e redes com bons resultados mesmo em situações adversas, encontrar melhores práticas pedagógicas para amenizar estes efeitos. O problema é que os casos de sucesso na adversidade são poucos, e dificilmente replicados em massa. E, com frequência, o que fazemos é buscar apenas dentro da sala de aula respostas para problemas que surgem, ou são fortemente influenciados, pelo que acontece do lado de fora.
Um caso emblemático, citado pelo jornalista americano Paul Tough no livro “Uma Questão de Caráter”, aconteceu num dos bairros mais pobres e violentos de Chicago. De tanto chamar a atenção das autoridades por causa do péssimo resultado acadêmico e casos de violência, o colégio Fenger passou a receber, em meados da década de 90, vultosos recursos e projetos pedagógicos. Até a Nasa doou um laboratório de US$ 525 mil. A direção foi trocada e a instituição escolhida para ser piloto de um projeto de US$ 80 milhões da Fundação Bill Gates. Apesar de todo o esforço, a situação em nada mudou. As coisas só começaram a melhorar quando um novo projeto implementado em 2009, em vez de buscar soluções apenas dentro da escola, partiu para uma abordagem fora dos muros do Fenger.
No mundo ideal, políticas públicas que melhorem as condições de vida nas comunidades vêm associadas de avanços em sala de aula. É o que esperamos que aconteça na Maré ou em qualquer favela brasileira. A busca por melhores resultados, mesmo em situações adversas, deve ser constante. Só não podemos esperar que, sozinhas, escolas façam milagres.
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