BOLETIM VERMELHO. Enem acende alerta para a sala de aula. Mais de 60% das escolas do Estado ficaram abaixo da média nacional
MARCELO GONZATTO
Oresultado das escolas gaúchas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2011, divulgado esta semana, coloca em xeque o ensino praticado em salas de aula públicas e privadas no Estado.
A listagem de desempenho mostra que 65,8% dos colégios de todas as redes ficaram abaixo da média geral nacional de 519. Especialistas avaliam que, embora a prova não seja utilizada oficialmente para comparações entre regiões, a performance rio-grandense revela deficiências preocupantes.
Enquanto quase sete em cada 10 estabelecimentos gaúchos não alcançaram a média do país, em outros Estados a situação é inversa. No Rio de Janeiro, por exemplo, que apresentou o melhor resultado neste quesito, 70% dos colégios superaram o patamar médio brasileiro.
O Ministério da Educação e o governo gaúcho sustentam que, por ser voluntário e permitir a participação de egressos do Ensino Médio formados em qualquer época, o Enem não é o melhor instrumento para comparar a qualidade vigente de sistemas de ensino.
No entanto, especialistas como Roselane Costella, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora do Enem, sustentam que os resultados anunciados quinta-feira escancaram imperfeições do ensino gaúcho. Uma das principais é a filosofia de ensino baseada em um modelo que o exame nacional despreza: disciplinas estanques, com muita memorização e pouquíssima aplicação prática.
– Em outros Estados brasileiros, que têm escolas com as melhores médias do Enem, há algum tempo essa filosofia já vem sendo substituída por uma educação mais voltada para o desenvolvimento de habilidades e a resolução de problemas – avalia Roselane.
O Rio Grande do Sul tende a ir mal no teste do Ensino Médio, segundo ela, porque as questões propostas muitas vezes apresentam conteúdo das disciplinas ao participante em vez de solicitá-lo, mas exige que o aluno cruze essas informações com outras, raciocine e encontre a resposta para um problema.
– Nossa educação, o que inclui as escolas privadas, ficou muito voltada para o tradicional modelo de vestibular, em que havia até macetes para decorar fórmulas. Não há mais macetes no Enem – complementa a especialista.
Investimento é um obstáculo
Essa é a mesma avaliação da professora da UFRGS Elizabeth Krahe, para quem as escolas gaúchas são mais fiéis ao ensino isolado de disciplinas e com pouca referência à vida real. O secretário estadual da Educação, Jose Clovis Azevedo, afirma que a reforma do Ensino Médio em andamento tem como um de seus objetivos diminuir essas barreiras.
– A escola, que sempre foi lugar de repetição, hoje tem de ser lugar de criação – avalia Jose Clovis.
Esse desafio esbarra em outros nós do ensino rio-grandense, como a formação de professores. Embora cerca de 90% do magistério estadual tenha formação superior, segundo Roselane os cursos universitários seguem formando educadores com perfil tradicional. Na rede pública, o Rio Grande do Sul ainda enfrenta outros obstáculos para melhorar. Por exemplo:
1) Dificuldade de investimento: a proporção de inativos, o abismo entre os maiores e os menores salários e os parcos recursos do governo reduzem a verba para a educação. A fração do PIB gaúcho aplicada em educação, que já foi de 1,5%, em 2011 ficou em 0,3%.
2) Baixos salários: com poucos recursos e uma folha de pagamento que já consome perto de 90% do orçamento, o governo tem dificuldade para cumprir a Lei do Piso.
3) Polarização política: temas como plano de carreira, meritocracia e reorganização de turmas costumam envolver opositores ferrenhos, e o Estado não consegue definir uma política de longo prazo.
O presidente do Sindicato do Ensino Privado, Osvino Toillier, admite que outros Estados têm uma média diária de horas de aula superior. Mas acredita que o fato de o Estado não ter nenhum estabelecimento particular entre as cem melhores instituições do país também se explica por outras razões:
– Os demais Estados têm uma maior preocupação com o Enem, programam-se e se estruturam para preparar os alunos com o objetivo de alcançar uma boa média.
Roselane Costella, professora e pesquisadora da UFRGS
O aluno gaúcho está desanimado porque o conteúdo ensinado não dá mais conta dessa geração. Precisa estabelecer relações, compreender o mundo de outra forma. Do jeito que está, vamos cair ainda mais posições no Enem. Não é uma prova excepcional, mas cobra coisas que devem ser cobradas.
Jose Clovis Azevedo, secretário estadual da Educação
O Enem não é um indicativo seguro para se discutir qualidade de ensino, mas temos vários indícios de que precisamos mudar (...). Não é fácil sair dessa visão tradicional em que se estuda o conteúdo pelo conteúdo para uma visão de que ele é uma ferramenta para aplicar e ter novas percepções de ciência, cultura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário