EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

sábado, 23 de maio de 2015

PLANO DE CARREIRA, UM TABU DO MAGISTÉRIO

 
ZERO HORA 24 de maio de 2015 | N° 18172



PLANO DE CARREIRA dos professores ultrapassa 40 anos de existência em uma encruzilhada. Para uma categoria já descontente, é garantia de direitos. Para gestores, impede pagamento do piso


Ao final de uma das reu­niões que antecederam a aprovação do plano de carreira do magistério, em 1974, Nayr Tesser ouviu da fundadora do Clube do Professor Gaúcho, histórica entidade social da categoria, uma previsão que jamais esqueceu.

– Saímos da sala, e olhei para a Thereza Noronha. Ela disse: “Nayr, isso foi o que conseguimos fazer. No futuro, ainda seremos as responsáveis por mudar” – recorda a aposentada, em referência ao plano que ajudaram a construir.

À época, Nayr era docente no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o Julinho, em Porto Alegre. Thereza estava à frente da Confederação de Professores do Brasil e já havia presidido o Centro dos Professores do Estado (Cpers). Era uma autoridade. Morreu em 1983, e a sua profecia nunca se cumpriu. Passadas quatro décadas, o estatuto continua exatamente o mesmo. É o mais antigo em vigência entre os Estados brasileiros, o único anterior à Constituição de 1988.

Sem nunca ter sido atualizado, tornou-se um dos motivos pelos quais o Palácio Piratini descumpre a lei do piso nacional da categoria, aprovada em 2008. Ao mesmo tempo, é considerado um patrimônio pelo Cpers, por garantir a progressão profissional, assegurar direitos e estimular a qualificação. Mas o consenso em torno dele quase nunca foi a regra.

Contemporâneo de Nayr, Júlio Cezar Boeira, 75 anos, lembra de ter ficado preocupado quando soube do projeto em elaboração na década de 1970. Ligado ao Julinho, o mestre reuniu um grupo de colegas e exigiu audiência na Secretaria de Educação (SEC). Em plena ditadura, a interferência causou furor.

– O plano não foi conquista. Foi enfiado goela abaixo – diz Boeira.

Aos 89 anos de idade, o coronel Mauro Costa Rodrigues discorda. Secretário estadual de Educação à época, o oficial diz que houve diálogo e se orgulha do resultado.

– Os professores finalmente passaram a ter uma carreira, e ela serviu de modelo a outros Estados. Não tiro a razão do Cpers por temer mudanças – pondera.

Em 1975, 61% dos educadores da rede estadual careciam de formação superior. Hoje, 85% estão nos últimos degraus da trajetória profissional, com graduação e pós. O plano funcionou.

Mas hoje tem pontos defasados e inviabiliza o pagamento do piso por conta da estrutura da carreira. Como a maioria dos docentes já atingiu os níveis mais altos do sistema, sempre que o básico aumenta, o resultado é uma avalanche nas finanças públicas.

O efeito-cascata faz com que um reajuste aparentemente pequeno se transforme em uma cifra impagável, estimada em R$ 3 bilhões ao ano.

– Infelizmente, faltam recursos. Sem um novo contrato, não vejo saída – resume o secretário da Fazenda, Giovani Feltes.

IMPASSE ALIMENTA PASSIVO DE R$ 10 BI

Professor da UFRGS, Juca Gil integra um projeto de pesquisa nacional sobre o assunto e está do lado do Cpers. Segundo ele, a maioria dos Estados que mexeram em seus planos acabou achatando salários:

– O plano do RS é anacrônico, mas garante condições de trabalho melhores do que os novos. Quando se abre a porteira, não tem como passarem apenas dois bois.

O potencial explosivo faz do tema um tabu. De um lado, o governo diz não ter dinheiro. De outro, o Cpers teme retrocessos. Enquanto o impasse se arrasta, o Estado acumula passivo de mais de R$ 10 bilhões por não pagar o piso desde 2011, e a dívida com os professores tende a crescer ainda mais.

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RS TEM VENCIMENTO BÁSICO MAIS BAIXO

Entre os Estados brasileiros, o Rio Grande do Sul é o que paga o menor vencimento básico inicial para os professores estaduais. A conclusão é de um levantamento feito junto às Secretarias de Educação de todas as unidades da federação.

ZH pediu aos órgãos que indicassem os valores atualizados destinados aos educadores no começo da carreira, por uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, sem contar adicionais.

A comparação é complexa, pois algumas secretarias informam que o primeiro nível é ocupado por pessoas sem graduação (como no RS) e, outras, em menor número, por graduados – teoricamente mais bem remunerados. Além disso, Estados como o Espírito Santo transformaram a remuneração em subsídio, incorporando gratificações.

Ainda assim, o RS aparece na lanterna. Para piorar, integra o trio que, segundo os dados oficiais, descumpre o piso – número questionado pela secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Marta Vanelli.

– O que vemos, na prática, são formas deturpadas de cumprir a lei. Os Estados dão o reajuste anual para os níveis iniciais para dizer que pagam o piso, mas não contemplam os demais níveis. Isso, para nós, não conta – afirma Marta.

Presidente do Conselho de Secretários de Educação do Brasil (Consed) e titular da pasta em Santa Catarina, Eduardo Deschamps rebate as críticas. Na avaliação dele, “a lei do piso do magistério é a lei do salário mínimo”.

– Os profissionais da categoria estão entendendo a lei do piso como uma lei de reajuste salarial para todos, e isso é um problema para os Estados. É insustentável, ainda mais com correção acima da inflação – diz o secretário.

Sobre a posição do Rio Grande do Sul no ranking, ele faz uma ponderação:

– A situação dos gaúchos é sui generis, porque, apesar de descumprir a lei, o Estado tem uma das remunerações médias mais altas do Brasil.

A assessoria do secretário de Educação Vieira da Cunha informou que ele não se manifestaria sobre o assunto.



O PLANO QUE NUNCA CHEGOU A SAIR DO PAPEL


Depois de mais de seis horas de debates, às 18h50min daquela terça-feira, 13 de janeiro de 1998, os deputados aprovaram, por 31 votos a 21, o projeto do novo plano de carreira do magistério estadual – que nunca sairia do papel.

Nas últimas décadas, foi a oportunidade mais concreta de reformular o sistema de ascensão na profissão, mas não avançou.

A proposta surgiu no governo de Antônio Britto (PMDB), quando a Secretaria de Educação (SEC) era comandada por Iara Wortmann, e descontentou o Cpers. Professores lotaram as galerias da Assembleia Legislativa para protestar.

Por fazer parte da atual gestão da SEC, Iara prefere não se manifestar sobre o passado. Mas a ex-diretora de Recursos Humanos do órgão, Sandra Queiroz, lembra como se fosse hoje. Segundo ela, as discussões foram acirradas.

– Entendíamos que o plano de 1974 havia sido bom por um determinado período, mas estava descontextualizado. Por isso, decidimos propor outro – diz.

O novo plano, que passaria a valer apenas para os educadores que ingressassem no Estado a partir de então, reduziria os níveis da carreira. Eles passariam de seis para quatro, e a variação entre os vencimentos do primeiro e do último nível cairia de 100% para 50% dentro da mesma classe.

Para convencer os docentes, a intenção da SEC era dobrar o valor do mínimo. O problema é que esse aumento dependeria da sanção de uma lei complementar.

– Esse foi o nosso grande pecado, porque a lei nunca foi feita e não houve nenhum concurso para validar o novo plano – afirma Sandra.

No ano seguinte, após impedir a reeleição de Britto, Olívio Dutra (PT) assumiu o Palácio Piratini e chamou Lúcia Camini, até então presidente do Cpers, para chefiar a SEC. Em novembro de 1999, a modificação sancionada pelo governo anterior foi revogada.

– Aquela proposta reduzia os salários e era prejudicial aos professores. Isso nos levou a manter o plano antigo. Foi uma promessa de campanha – ressalta Lúcia, hoje no Ministério da Educação.

A ex-secretária lembra que, naquele momento, não havia uma lei nacional do piso. Hoje, evita opinar sobre a necessidade de atualização do plano, mas reconhece que a conjuntura mudou.

– Se tivesse saída fácil, já teria sido adotada – sentencia Lúcia.


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