EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

OS GOVERNOS ESTÃO AUSENTES NA QUESTÃO DA VIOLÊNCIA?

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ZERO HORA 29 de Julho de 2017 . CAPA


LAURO ALVES


ENTREVISTA: Marlova Jovchelovitch Noleto, coordenadora da área de ciências humanas e sociais e representante interina do escritório da Unesco no Brasil


A Unesco tem acompanhado as situações de violência em escolas do Rio Grande do Sul?

Vi ações em governos anteriores (entre 2003 e 2011), quando tinha um comitê estadual de prevenção da violência. Fizemos o Escola Aberta, tivemos alguns programas com a prefeitura de Porto Alegre, e agora a Unesco voltou a falar com o prefeito Nelson Marchezan.

O que a Unesco entende por violência na escola?

Vai desde o entorno até a escola propriamente dita e engloba não só a violência física, mas também a psicológica, o abuso verbal, a violência sexual, o assédio, o bullying e o cyberbullying. É um tema complexo para não ser abordado nas suas múltiplas facetas. Noto ausência completa dos governos na questão da violência na escola.

Três casos recentes chamaram a atenção. Quando uma aluna de 15 anos foi assassinada, professores de uma escola de Porto Alegre disseram que nada tinham a ver com a vida dela e que os alunos estão acostumados à violência. O segundo episódio foi em escola vandalizada por alunos após episódios de violência no entorno. Professores queriam resolver o problema com cerca elétrica e vigilância. O último caso foi a morte de Marta. Como avalia o posicionamento das escolas?

Não resta dúvida, pelos três casos que acabaste de me descrever, que é fundamental trabalhar ações de políticas de prevenção à violência. Nós estamos falando de uma menina assassinada, aliás, de duas. Se tu olhares para o Brasil, esse cenário se repete em todos os Estados. Isso que estás descrevendo, que os professores parecem inertes, representa também uma banalização das situações de violência. Ninguém deve se acostumar com a violência. A escola precisa ser um lugar seguro e protegido para que a educação prospere.

Os professores estão despreparados para lidar com a violência?


Eu acho que não podemos generalizar. O que se vê é pouco investimento na capacitação. Em alguns programas que a Unesco desenvolveu em parceria com o MEC, houve investimento, inclusive em Porto Alegre. Mas não teve continuidade, e sabemos que esses programas precisam ser permanentes. Estamos trabalhando com a Secretaria de Educação Continuada (órgão ligado ao MEC) para desenhar um novo programa de prevenção, que será lançado até o final do ano.

O bullying mata. Apenas dois dias de aula no início do ano letivo bastaram para a intriga entre duas adolescentes terminar em uma tragédia que marcou a comunidade de Cachoeirinha, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Marta Avelhaneda Gonçalves, 14 anos, nova na Escola Estadual de Ensino Básico Luiz de Camões, morreu após se envolver em uma briga com outra colega mais jovem, de apenas 12 anos, dentro da sala de aula. A agressão física foi consequência das provocações verbais iniciadas na véspera.

Intimidações, humilhações e ridicularizações entre alunos são frequentes em colégios, sejam públicos ou privados. Na falta de dados recentes e detalhados sobre bullying escolar, o que serve de termômetro, nas unidades estaduais, é o trabalho da Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipave). A comissão foi criada por lei em 2012, mas só saiu do papel em 2015, quando uma professora e policial civil de carreira vislumbrou o potencial do projeto e decidiu colocá-lo em prática. Luciane Manfro implantou o programa em 2,3 mil das 2,5 mil escolas. Nomeou comissões regionais, conquistou a parceria de 30 instituições, como a Polícia Civil, o Conselho Tutelar e o Ministério Público, cujos especialistas compartilham conhecimento com os alunos, lançou um site (cipave.rs.gov.br) e desenvolveu apostilas de suporte. Um software projetado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) será aplicado por uma empresa especializada em pesquisa até o final do ano, para qualificar a coleta de dados. Até um mascote foi criado para auxiliar na divulgação: uma centopeia que representa a união de esforços.

? Eu acredito no que faço e que é possível mudar a realidade de uma escola. Para isso, é preciso envolvimento da equipe diretiva, dos professores, dos pais e da comunidade. A escola é de todo mundo, não só de quem trabalha nela. Mas o diretor é a alma da escola, ele tem de saber a parte de pedagogia, entender de recursos humanos, financeiros e precisa de inteligência emocional para saber lidar com as diferenças, coisa que os cursos de licenciatura não estão dando. O que é preocupante ? sublinha Luciane.

Ela instituiu o levantamento de dados no ano passado. Um questionário foi respondido pelas diretoras no início de cada semestre. A pesquisa sinalizou que o bullying é a violência mais difícil de combater. Se as provocações verbais não forem interrompidas, alerta Luciane, podem culminar em agressões físicas, como ocorreu com Marta na escola de Cachoeirinha.

? Não tem como prevenir a morte em uma agressão física, o que a gente tem que fazer é evitar que se chegue na agressão. Quando a escola aprende a trabalhar isso por meio do diálogo, diminui esse tipo de conflito ? afirma.

Como nem todas as escolas responderam ao questionário nos dois semestres e a estatística é feita manualmente por Luciane, a coordenadora optou por limitar-se a uma amostragem de cem escolas aleatórias do Interior. O relatório constatou que as ocorrências de bullying cresceram 40% de um semestre para o outro (de 74 para 104). Em Porto Alegre, onde, segundo Luciane, a resistência dos diretores em participar do programa é acentuada, principalmente nas escolas mais vulneráveis, o índice aumentou 150% (de 30 para 75). O dado da Capital é um recorte de 20 das 91 unidades que estão no projeto. Não significa necessariamente um aumento nos relatos, mas, talvez, reflita o aprimoramento dos profissionais em identificar as ocorrências.

Como o bullying costuma acontecer no horário do recreio, quando as crianças e os adolescentes estão sem a supervisão de um adulto, algumas escolas já estão desenvolvendo atividades que chamem a atenção dos alunos com brincadeiras, músicas e peças de teatro. Falar sobre o assunto e mostrar que o bullying pode estar atrelado a crimes como racismo, homofobia, ameaça e difamação é outra forma de conscientizá-los.

? Professores e monitores não percebem o bullying porque os alunos, já sabendo que aquilo não é legal, o praticam de forma velada ? comenta Luciane.

A morte de Marta foi a consequência mais grave registrada recentemente em escolas do Estado. No dia em que a adolescente completaria 15 anos, em 21 de junho, uma manifestação marcada para ocorrer diante do colégio foi substituída por uma visita ao túmulo. Foi a primeira vez que a mãe, Teresinha Avelhaneda, 43 anos, voltou ao cemitério. Em seu perfil do Facebook, ela deixou uma mensagem: ?Foi dos dias mais tristes da minha vida. Poderia estar comemorando os 15 anos da minha princesa. Só que ao invés de dar o anel (de aniversário) para ela, levei flores no cemitério. Será que existe coisa mais triste do que isso para uma mãe??.

 

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