EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

domingo, 18 de outubro de 2015

PROFISSÃO PERSISTÊNCIA


 

 ZERO HORA 18 de outubro de 2015 | N° 18328


LUÍSA MARTINS


EDUCAÇÃO


HÁ 10 ANOS, eles foram aprovados em um concurso estadual para serem professores do Ensino Médio em Porto Alegre. Uma realização ou o começo de uma decepção? ZH mostra o que aconteceu com os 48 que foram nomeados. A estatística reflete a realidade de uma categoria valorizada nos discursos, mas não nos salários e nas condições de trabalho

A professora de química Paula Brust, quando precisa usar o laboratório, se vê entre a precária vidraria e substâncias químicas cujos prazos de validade expiraram no século passado. Da mesma disciplina, Graciela Cechin limpa o quadro negro com papel higiênico, porque não há apagador. Para Cláudia de Oliveira, professora de história e geografia, os problemas não são de infraestrutura – o desafio diário é ser ouvida por estudantes, em geral, desinteressados. As três, você já deve ter intuído, ensinam em escolas da rede estadual.

ZH analisou a lista dos 48 professores nomeados no concurso de 2005 do magistério estadual para o Ensino Médio em Porto Alegre. Dez anos depois, a reportagem constatou que apenas 14 estão trabalhando para o Estado – o equivalente a 29%. Salários baixos, falta de estrutura nas escolas, desinteresse dos alunos e pouca perspectiva de evoluir na carreira são os motivos elencados pelos que assumiram, mas exoneraram-se tempos depois. Pelo menos 19 nem chegaram a tomar posse, frente a propostas melhores que surgiram entre o resultado do concurso e a nomeação (quase dois anos, em alguns casos). Outros 10 abandonaram a profissão – viraram analistas, bancários, policiais. Apenas duas pessoas da lista não foram localizadas.

É fácil encontrar justificativa para o resultado deste mapeamento. Pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência e divulgada este ano pela Fundação Lemann mostrou que, para professores da rede pública brasileira, a contribuição para a formação dos alunos e a responsabilidade social trazem satisfação, mas entram em conflito com a indisciplina dos estudantes e a defasagem do aprendizado (quando alunos são aprovados em um ano mesmo sem estarem preparados para o próximo). O desgosto que mais mobiliza a categoria é a remuneração. O RS é o Estado que paga o menor vencimento básico inicial para os professores estaduais: R$ 1.260 por 40 horas semanais. O piso nacional é de R$ 1.917,78.

– Uma coisa leva à outra: com más condições de trabalho, o professor não consegue garantir o aprendizado dos alunos. E quando o aprendizado não se conclui, ele perde a crença de que pode fazer diferença – diz o economista Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann, ONG que apoia iniciativas inovadoras em educação e realiza pesquisas para embasar políticas públicas no setor.

Quem fica trava uma luta diária entre o sonho de protagonizar uma mudança social e os obstáculos para realizá-lo. O professor, em geral, sente-se impotente, enquanto a sociedade cobra dele a responsabilidade que assumiu ao escolher a carreira. Aliás, uma opção que, hoje, não tem o apelo do passado: menos de 2% dos adolescentes que terminam o Ensino Médio pretendem cursar, na faculdade, Pedagogia ou alguma licenciatura. O dado é do estudo Atratividade da Carreira Docente no Brasil, encomendado pela Fundação Victor Civita à Fundação Carlos Chagas (FCC). Ser professor é bonito, nobre, até gratificante, mas passar todo esse trabalho e ainda ganhar pouco? Não, dizem os adolescentes.

– Os jovens de Ensino Médio reconhecem o professor como uma pessoa de referência, mas acham que seria muito complicado seguir essa profissão. Eles enfatizam a dificuldade de lidar com adolescentes e as más estruturas físicas das escolas: relataram à pesquisa ambientes sujos, depredados e, em alguns casos, até semelhantes a presídios. Também falta perspectiva de progressão profissional – comenta a supervisora da pesquisa, Bernadete Gatti, pedagoga, doutora em Psicologia e vice-presidente da FCC.

Em entrevista recente à ZH, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro disse temer um “apagão” de professores. Na medida em que eles vão se aproximando da idade de aposentadoria, corre-se o risco de haver um grande vazio nos próximos anos:

– O Brasil vai ter de gastar mais dinheiro em educação. Uma das metas do PNE (Plano Nacional de Educação) é que o professor da rede básica ganhe a média do que ganha uma pessoa com a mesma escolaridade. Hoje, ele ganha uns 30% a menos do que se tivesse gasto esses quatro anos fazendo outro curso. E o ambiente nas salas de aula não tem sido convidativo. É uma carreira complicada para atrair pessoas.

O interesse nos concursos do magistério estadual caiu 17% desde 2005, quando 80.356 se inscreveram. Em 2011, foram 69.150. Em 2013, 66.296.

No levantamento junto à lista de nomeados, ZH observou que muitos professores, durante anos, desdobraram-se para atender às redes estadual, municipal e privada, ao mesmo tempo.

– Ninguém consegue sobreviver trabalhando só no Estado – justifica a professora de inglês Maira da Silva Gomes, que assumiu em 2007, mas exonerou-se em 2010 para tomar posse no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), onde a remuneração é 10 vezes maior para a mesma carga horária.

A sobrecarga de trabalho, diz a coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca Otero, é um dos fatores que reduzem a qualidade do ensino:

– Ao ter de dar conta de várias coisas simultaneamente, não dá tempo de se aprimorar, ler, estudar, coisas absolutamente necessárias para este profissional. E é difícil que o interesse do aluno não seja afetado quando ele vê o professor passando dificuldades, sem salário, doente, cansado e desmotivado.

Recentemente, a revista americana Child Development comprovou esta influência ao publicar um estudo sobre depressão em professores – “uma das profissões mais estressantes”. Os pesquisadores concluíram que as doenças dos professores trazem implicações negativas também para os alunos, que têm seu aprendizado comprometido.

Para mudar essa realidade, o primeiro passo é valorizar a profissão. Mas o caminho é longo.

– Se a gente for interpretar a situação atual de forma clara e sem rodeios, é o seguinte: o Estado não dá importância para a educação. E nem a sociedade, que se exime de pressionar as autoridades – diz o professor Fernando Becker, mestre em Educação, doutor em Psicologia Escolar e professor da UFRGS.

Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Roberto Leão almeja o reconhecimento para além dos anos de eleição:

– Não estou dizendo que o professor tenha de pairar sobre tudo, mas que seja valorizado sempre, não só em época de eleição, quando se fala que professor é uma figura exponencial, ou em 15 de outubro, quando todo mundo lembra da professorinha da infância. É bonito, claro, mas precisamos mais.

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