ZERO HORA 20 de maio de 2016 | N° 18530
DELMAR BERTUOL*
Os grandes feitos da humanidade, artística, tecnológica e cientificamente, foram conquistados com transgressões. Nicolau Copérnico teve que enfrentar a ira de Deus, representada pela tardia Inquisição, pra provar que a Terra é redonda e que, por isso, não pode haver um único centro nela, tirando protagonismo divino. As melhores composições musicais e teatrais foram construídas a partir duma crítica social que, não raro, sofria perseguições e censuras dos governos respectivos. Construção, de Chico Buarque, faz parte de seu álbum O Político, censurado no Brasil pela ditadura militar – a mesma que alguns nostálgicos desvivenciados querem trazer de volta.
A transgressão é um pré- requisito pro sucesso. Só transpondo o estabelecido, os paradigmas, é que se consegue êxito em algo. Os limites existem pra serem transpassados. O status quo vigente só tem uma função, a de ser ininterruptamente desobedecido. Aliás, o status quo é tão obsoleto, que ainda se escreve em latim. Algo que ainda é escrito em latim, definitivamente, não deve ser obedecido.
Não defendo que todos têm que saber de cor o Código Civil, o Código Penal e a Constituição, só pra fazerem exatamente ao contrário. Mas um pouco de transgressão é salutar.
Leio que estudantes da rede estadual de ensino básico estão invadindo escolas. Eles acamparam e impedem o prosseguimento das aulas. Obrigam os professores a aderirem à greve. Colam cartazes no muro e gritam palavras de ordem. Um absurdo. Invasão de propriedade. Delito grave. Uma transgressão.
Os alunos fizeram suas as reivindicações dos professores. Os delinquentezinhos alegam que não é justo os professores ganharem tão pouco pra lhes aguentar a indisciplina cada vez mais frequente e ainda lhes ensinar. Alguns grupos mais ousados reclamam que não há papel higiênico nos banheiros e que as salas estão em péssimas condições. Os atrevidos resolveram pintar e limpar o pátio dos educandários, em regime de mutirão. Um horror antipedagógico. Os jovens devem saber sobre o Complexo de Golgi, e não sobre cooperativismo comunitário.
Fosse na época da ditadura, eles teriam seis meses de aula de Educação Moral e Cívica – tão útil – e cantariam o Hino Nacional em posição de sentido antes de dar o sinal, só pra aprenderem a ter amor à pátria.
Eu não sei o que meus colegas da rede estadual estão ensinando aos nossos alunos. Será que já não se decora a tabuada e se elenca o nome dos Estados e suas respectivas capitais pra ser cobrado na prova? Esses alunos estão contestando o status quo, que eles nem sabem o que é, pois se aprende diversidade linguística em detrimento do latim, pelo visto.
Esses transgressores são perigosos. Pensam demais. Não demora, quererão ser artistas. Era só o que faltava.
*Professor